A silhueta do Porsche 911 é uma das características mais marcantes do projeto – e uma das características que mantém forte a ligação entre o modelo atual e o clássico de 1963. A identidade visual da primeira geração é um patrimônio de Stuttgart: os faróis circulares, a dianteira limpa e a linha do capô podem ter mudado ao longo dos anos (especialmente no mal-recebido design da geração 996, que usava os faróis do Boxster), mas ao colocar um 911 de 1963 lado a lado com um exemplar de 2018, é óbvio que a Porsche se preocupou em manter a essência. E isto não vai mudar na nova geração, como já ficamos sabendo pelos flagras mais recentes do chamado 992.
Então qual é a do carro da foto acima? Indiscutivelmente é um Porsche 911 – o chassi foi construído pela Porsche e a fabricação da carroceria aconteceu com o aval da fabricante. Mas ele definitivamente não se parece com um. Por quê?
Trata-se de um protótipo feito para convencer a Porsche de que havia mercado para uma versão conversível do 911. Se você acompanha o FlatOut e tem boa memória, vai lembrar que em 1964 a Porsche fez alguns protótipos do nine-eleven conversível – 13 no total, dos quais sobraram apenas dois. Um deles foi leiloado em 2016, e a própria fabricante disse se tratar de um dos 911 de maior importância histórica já oferecidos ao público.
Aquele era um carro concebido desde o início como um 911 sem teto. O conversível mostrou-se essencial para o desenvolvimento do 911 Targa, que começou a ser vendido em 1966. A Porsche priorizou a versão por uma questão de custos – ele era mais barato de produzir do que um conversível de verdade, e é inegável que o vigia traseiro destacável envolvente causava um efeito estético bem interessante.
Acontece que, do outro lado do Atlântico, havia quem quisesse um conversível propriamente dito. Este alguém era um cara chamado John von Neumann, que era um revendedor autorizado da Porsche na ensolarada Califórnia. Para ele, um Targa não seria suficiente para satisfazer os anseios de seus clientes por um carro conversível de fato.
Neumann tinha um plano: primeiro, ele entrou em contato com o designer italiano Nuccio Bertone, perguntando se ele se toparia o desafio de criar uma carroceria conversível para o 911. Depois de receber o “sim”, ele foi até a Porsche e pediu um chassi rolante para colocar o projeto em prática. Semanas depois o chassi foi enviado até o o a Carrozzeria Bertone, em Turim.
O desafio proposto a Nuccio Bertone era o seguinte: criar uma carroceria que não fosse apenas conversível: ela deveria ser completamente diferente do 911 original e causar impacto no Salão de Genebra de 1966. E também deveria ser extremamente bem executado, com desenho e acabamento dignos de um carro de produção. Dependendo da reação do público na Suíça, Neumann encomendaria mais exemplares. E contava com o apoio oficial da Porsche para tal.
Tal como um bebê, o carro levou nove meses para ficar pronto. Sem surpreender, a carroceria nova – completamente diferente da original, conforme fora combinado – não parecia mais a de um esportivo alemão. As linhas esguias e eram decididamente italianas: a face frontal tinha faróis duplos escamoteáveis, que quando fechados tornavam a dianteira do carro uma superfície totalmente lisa exceto pelas fendas nas coberturas dos faróis – um recurso para preencher visualmente a área sem torná-la poluída. O deque traseiro era plano e tinha um corte abrupto na traseira e a princípio parecia não ter lanternas…
… mas elas ficavam ocultas sob molduras cromadas e eram quase imperceptíveis quando não estavam acesas:
A linha de cintura era bastante marcada, com um vinco separando as bordas do cockpit das laterais. O interior, aliás, também era bem diferente do que se via no 911. Além da adição de um console central com cinzeiro, inexistente no projeto original, o carro ganhou um painel de instrumentos completamente diferente, mais baixo e retilíneo.
Os relógios foram todos reposicionados – e esta parte, devemos observar, ficou meio estranha: o conta-giros foi colocado no topo do console central e os outros mostradores foram parar na torre central, em uma posição muito baixa, e ficavam bem longe do campo de visão do motorista. Entendemos que foi uma decisão baseada na estética, mas caso o carro fosse parar nas ruas talvez fosse uma boa ideia colocá-los no local tradicional.
Não há informações precisas a respeito da mecânica. Segundo consta, o motor original do carro era um flat-six básico, de dois litros e 130 cv, mas em algum momento de sua vida o 911 Spyder Bertone recebeu um motor “S”, que tinha comando mais agressivo e um ligeiro aumento na taxa de compressão para entregar 170 cv.
O que se sabe com certeza é que o carro foi levado para o Salão de Genebra e ficou ao lado do 911 Targa, onde foi extremamente bem recebido pelo público. No entanto, contrariando as expectativas de Neumann, o público fez muitas perguntas mas não realizou nenhuma encomenda – ao contrário do que aconteceu com o 911 Targa. Isto levou a Porsche a retirar seu apoio do projeto e o 911 Spyder Bertone acabou com one-off. Neuman ficou com o carro até 1987, quando o vendeu a um colecionador chamado Mark Smith, que mandou pintar a carroceria de preto – originalmente o carro era vinho.
O carro será leiloado pela Gooding & Company na edição 2018 do Concous d’Elegance Pebble Beach, em Monterey, na Califórnia. De acordo com a agência, o protótipo permaneceu por muitos anos em um galpão climatizdo e recentemente passou por uma revisão geral para funcionar novamente. No entanto, eles dizem que o novo proprietário deverá dar uma atenção especial ao conjunto mecânico antes de colocá-lo de volta nas ruas. O valor estimado de arremate fica entre US$ 700 mil e US$ 1 milhão – em conversão direta, entre R$ 2,6 e 3,7 milhões.