Como se não bastasse ser o carro mais rápido do mundo em seu tempo, o McLaren F1 tinha outra característica marcante: a posição central do motorista, que deixava espaço para outras duas pessoas na cabine e ainda colocava o condutor em uma posição privilegiada para a pilotagem, com uma noção muito melhor do espaço que o carro ocupava na pista. Há algo de intrigante em um carro no qual o piloto vai sentado no meio.
É por isso que o Porsche Boxster de primeira geração que Bisi Ezerioha apresentou na última edição do SEMA Show, em novembro de 2017, é tão hipnotizante. Mas há outras razões, também.
O nome de Bisi Ezerioha já foi citado aqui algumas vezes. O entusiasta filho de nigerianos formou-se em ciências naturais e engenharia química na Califórnia, mas sua paixão sempre foram os carros. E foi por isso que, em 1995, ele fundou a Bisimoto Engineering. Alguns de seus carros já apareceram aqui no FlatOut, como um Porsche 911 Turbo 1976 com mais de 1.000 cv e carroceria widebody e uma minivan Honda Odyssey com motor V6 biturbo e… mais de 1.000 cv. Desde que começou a preparar carros Bisi os levou para participar de eventos de arrancada, que faziam muito pela divulgação de seu trabalho – a Honda Odyssey até participou de “Carangas e Carrões“, o programa de arrancada da Netflix que foi uma das melhores surpresas em conteúdo automotivo deste ano.
Bisi ficou bem conhecido pela originalidade de seus projetos, e com o Boxster não é diferente. Como comenta Matt Farah, do The Drive, um dos que tiveram a sorte de conduzir o carro além de seu criador, a intenção de Bisi era justamente expandir seus horizontes e aperfeiçoar-se na arte de fazer um carro bom de curva.
O Boxster 986 foi escolhido por ser meio que um renegado. Além de ter sido estranhado pelos entusiastas na época por seu visual, ele sofria com o mesmo problema do primeiro Porsche 911 arrefecido a água: o motor M96. Na época do lançamento o M96 apresentou problemas no IMS – um eixo intermediário entre o virabrequim e os comandos de válvulas que, nos exemplares fabricados até 2004, podia falhar e causar danos severos ao motor, com reparos que podiam custar mais que o preço do carro.
Então, o desafio era pegar um carro que já era bom de guiar e torná-lo excepcional, mas primeiro dar a ele um motor mais potente e mais confiável. E ainda dar a ele algo para diferenciá-lo de todos os outros Boxster de primeira geração. O tipo de coisa que se espera de alguém com a reputação de Bisi.
De acordo com Matt, o carro é muito equilibrado dinamicamente, e sentar bem no meio permite que se tenha uma noção muito melhor da trajetória do carro, contribuindo também para a percepção do que as rodas e a suspensão estão fazendo. Além disto, contribui para distribuir melhor as massas entre os lados direitos e esquerdo do carro. Segundo a Bisimoto, com o piloto sentado no meio e a alavanca do câmbio deslocada para o lado direito, a distribuição de peso fica em 49,9 à esquerda e 50,1 à direita. Praticamente perfeito.
Bisi comprou o Boxster com motor fundido por US$ 4.000 (cerca de R$ 15.000 em conversão direta). O motor foi refeito por completo e transformado em uma usina de força robusta e eficiente. Assim, usando diversos componentes novos, incluindo bielas feitas in-house e dois turbos Precision de 52 mm, além de novos pistões e camisas de cilindro, o flat-six agora entrega 426 cv em condições normais, com uma função de overboost que adiciona 100 cv ao toque de um botão por curtos períodos. O carro é movido a etanol E85, e o motor é gerenciado por uma ECU AEM Infinity. Há, ainda um intercooler Sparco do tipo água-ar, alguns radiadores CSF e coletores de admissão e escape feitos sob medida.
O motor é acoplado à caixa de cinco marchas original do Boxster, sem qualquer tipo de modificação. Consta que, apesar de ter de lidar originalmente com 220 cv, o câmbio não tem problemas para colocar mais do que o dobro disto no chão. Mas as marchas podiam ser mais longas.
As rodas são de fibra de carbono, fornecidas pela Carbon Revolution – a empresa que fabrica as rodas do Shelby GT350R, que têm o mesmo desenho – e calçadas com pneus Toyo R888. Os freios são maiores, com discos ventilados e slotados, com pinças de corrida com oito pistões. Bisi tentou usar os freios originais com mais que o dobro da potência e descobriu que, bem, eles não eram suficientes.
Além de ter o dobro da potência, o Boxster também perdeu peso: o interior foi completamente depenado, deixando apenas o banco, o volante, a caixa de pedais (feita sob medida), a alavanca de câmbio adaptada em um console do lado direito e a gaiola de proteção exposta – que, de acordo com o criador da obra, é crucial para manter a integridade estrutural de um carro que passou por uma modificação tão radical.
O banco é fixo, o painel é digital e a caixa de pedais é o que se move para ajustar-se a diferentes pilotos. Para-lamas, para-choques e o teto rígido removível são de fibra de carbono. No total, o carro pesa 1.156 kg Segundo Matt, conduzir o Boxster com o banco no meio é análogo a pilotar um protótipo Le Mans, e uma experiência que não pode ser reproduzida com um carro “normal”.
Um dos poucos problemas do carro é a comunicabilidade do sistema de direção, que tem o peso correto e uma boa relação, mas pouco feedback. É compreensível, visto que este é um projeto em desenvolvimento e teve o sistema de direção todo redimensionado para a posição central do piloto.
Agora, apesar de ser um projeto pessoal de Bisi, o Boxster “center-drive” poderá ser conduzido por outras pessoas, se tudo correr bem: o Clube de Proprietários de Porsche da Califórnia está conversando com Bisi para montar mais alguns exemplares e dar início a uma categoria monomarca independente. Para isto ele terá de aperfeiçoar a receita, mas pelo visto está no caminho certo.