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Car Culture

JDM não é o que você pensa – e tem muito além da sigla

Estamos acelerando rapidamente para 2025. A esta altura da viagem, já passamos por blogs, fóruns, meia-dúzia de redes sociais da moda, passamos pelos vídeos longos e chegamos aos vídeos rápidos. Tempo e atenção são os produtos mais valiosos do mercado. Talvez por isso nós mesmos, que somos o produto da internet, tenhamos uma certa pressa na comunicação.

Some isso ao fato de digitarmos em pequenas telas e não mais em grandes teclados (e também ao fato de ninguém configurar corretor automático), e o resultado são algumas siglas, abreviações e abreviaturas novas e populares e, ainda que sejam muito claras aos interlocutores, são um tanto imprecisas ou mesmo erradas sob diversos aspectos. Você certamente usa o zap para marcar a revisão na ccs, pq o PC de bordo avisou que está na hora, não é mesmo?

Pois é… zap é corruptela de “whatsapp”, uma abreviação do nome do aplicativo. Já css é uma abreviatura extrema, que flerta com o incompreensível, de “concessionária”. E PC de bordo não existe e nunca existiu. Se um computador é de bordo, ele não pode ser PC, porque PC é “personal computer”, um computador pessoal. A menos que seja o seu computador pessoal, embarcado — aí sim. Mas isso é chatice de preciosista. Não tem problema usar esse tipo de comunicação se a mensagem for compreendida. O problema é não saber por que se usa, ou não saber usar o modo formal. Aí o bicho pega.

Uma das siglas que cai nessa categoria de “coisas que a gente usa errado, mesmo sabendo que é errado, mas facilita a vida e todo mundo entende e tá tudo certo” é a famigerada JDM. No Brasil, JDM virou uma sigla usada para designar qualquer carro de origem japonesa — mesmo que ele não seja vendido no Japão. Porque JDM significa “Japanese Domestic Market” ou “mercado interno japonês”, em uma tradução livre feita por mim mesmo — e muito precisa, se me permitem a falta de modéstia.

O que significam os símbolos e adesivos mais comuns da cultura JDM?

Quer dizer: JDM são carros feitos para o Japão, com especificações que atendem às regras e acordos locais. Existe uma discussão sobre a nacionalidade dos carros: há quem diga que somente carros de fabricantes japonesas podem ser JDM, mas tecnicamente qualquer carro que tenha sido especificado para o mercado japonês, independentemente da origem da fabricante, pode ser considerado um JDM. Isso se levarmos a sigla ao pé da letra, claro.

A confusão provavelmente se deve ao fato de as fabricantes japonesas terem uma linha específica para o mercado interno. Há modelos vendidos somente internamente, que nunca rodaram além das águas que circundam o arquipélago nipônico.O Toyota Century por exemplo, é um deles, e os Nissan GT-R baseados no Skyline também. Outro exemplo são os kei cars como o Autozam AZ-1, o Suzuki Cappuccino e o Honda Beat. Todos eles foram feitos pelos japoneses apenas para seu mercado interno, sem nunca ter a pretensão de vendê-los fora do país.

Só que há dois fatores quase sempre ignorados (e digo “quase” só por que não posso cravar com certeza) nessa conversa de JDM. O primeiro são as características, leis e acordos locais do mercado e da indústria japonesa. E o segundo são os “Ex-Japan Imports” e o tal do “Grey Market”.

Uma característica da indústria automobilística japonesa é a eficiência de produção. Não é a toa que o método conhecido como “Toyotismo” superou o revolucionário “Fordismo”. O sistema é mais eficiente e, por isso, é capaz de reduzir custos (ao menos internamente). Assim, é possível oferecer variações de automóveis sem aumentar o custo para o consumidor.

É por isso que as linhas japonesas são tão amplas. Além disso, o Japão tem o sistema de transporte coletivo mais eficiente e extenso do mundo, além de ter popularizado o uso de bicicletas e motocicletas desde o início do século 20. Some isso à viabilidade financeira e você pode preencher mais nichos com diferentes produtos — e isso inclui os kei cars, talvez o mais famoso símbolo do mercado japonês.

Note que as enormes linhas de produtos das fabricantes locais são compostas por variações de plataformas ou mesmo carrocerias diferentes para um mesmo projeto — algo como a Honda fez aqui com o Fit e o WR-V, fazendo deles, na prática, dois carros distintos. Aplique isso a todos os segmentos e você tem dezenas de modelos “diferentes”.

Depois temos as regulações e os acordos da indústria. Tal como a Anfavea no Brasil, o Japão tem a JAMA — Japanese Automakers Association. Ela reune 14 fabricantes de carros, utilitários, ônibus e motocicletas e define algumas regras na base do “acordo de cavalheiros”, em uma espécie de auto-regulação. Em 1988, por exemplo, a JAMA decidiu que nenhum carro teria mais de 280 cv e velocidade máxima superior a 180 km/h por questões de segurança. Em 2004 eles abriram mão da restrição de potência, mas mantiveram o limite de 180 km/h.

Depois há as especificações impostas pelo governo, como acontece em qualquer país. Não vou entrar em detalhes porque estas leis estão sempre mudando nestes tempos de emissões — mas um exemplo é que todo carro novo vendido no Japão precisa ter acendimento automático dos faróis desde 2020.

Isso deve deixar claro o que é um veículo JDM e como um BMW ou até mesmo um Gurgel poderiam ser JDM, tecnicamente. Mas isso ainda não explica a popularização do termo JDM e sua aplicação fora do contexto original. Para entender isso, vamos dar uma olhada no tal do “Ex-Japan Imports” e no conhecido “Grey Market”.

Começando pelo último, o Grey Market (literalmente “mercado cinza”) é simplesmente a importação independente de carros novos — sejam eles oferecidos ou não pelos canais oficiais em um determinado país. O Mustang foi um “grey market car” no Brasil de 1964 até 2018, pois era importado extra-oficialmente. O mesmo vale para os Lamborghini que vieram antes da operação oficial, nos anos 2000 ou mesmo os Acura NSX , Toyota Supra e Dodge Stealth vendidos por aqui nos anos 1990.

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No caso dos carros japoneses, o “grey market’ é um tanto limitado por uma razão muito óbvia: o volante no lado direito do carro. Isso limita a importação independente a apenas 30% do mercado global – na prática, África do Sul, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, Índia e Tailândia são os maiores mercados de carros de com o volante à direita.

A Oceania tem a vantagem da proximidade geográfica do Japão, então alguns carros exclusivos para o mercado interno, . O Reino Unido também teve alguns exemplares desses esportivos exclusivos do mercado japonês — , mesmo sem nunca ter sido oferecido oficialmente naquele mercado. Foi assim que eles começaram a ficar conhecidos fora do Japão. Eram carros “grey market” que não tinham especificação europeia, mas “JDM-spec” (spec é abreviação de “specification”, caso você nunca tenha percebido).

Essa é uma realidade distante da nossa, porque além da questão econômica (nosso dinheiro nunca valeu grande coisa, afinal…), temos a proibição de veículos importados usados e de veículos novos com o volante no lado direito. A gente até tem “grey market”, como mencionei mais acima, e ele pode valer para carros japoneses (também como mencionei mais acima), mas não dá pra trazer um carro JDM novo simplesmente por que você não pode licenciá-lo no Brasil.

O mesmo vale para os EUA. Ou quase o mesmo, porque eles não têm restrição total de importação de usados — aquele limite de 25 anos é para carros que não atendem à legislação americana, que é diferente do resto do mundo porque os EUA não fazem parte do acordo firmado entre os países no Fórum Mundial para Harmonização de Regulamentação de Veículos. É por isso que eles têm seta vermelha e cores específicas para fluidos. Por isso também o “grey market” americano é limitado: poucos carros estrangeiros atendem as normas americanas. Nos EUA, a denominação popular para os carros japoneses era, até pouco tempo atrás, “import” — algo que veio da “Import Scene”.

Aqui a história parece fazer um desvio para explicar a Import Scene, mas prometo que ele faz sentido. A Import Scene começou nos anos 1970 quando os carros japoneses começaram a chegar aos EUA, embalados pela economia de combustível em um mundo pós-crise do petróleo. Os jovens asiáticos, já nascidos na América, mas descendentes dos imigrantes e ainda influenciados pela cultura de seus pais e avós, fizeram com estes carros a mesma coisa que os jovens americanos faziam com carros americanos: preparação e customização, porém muito influenciados pelo que estava acontecendo no Japão.

À medida em que os carros japoneses foram se popularizando nos EUA e o público geral começou a descobrir o potencial dos carros, a cena ganhou força a ponto de, na metade dos anos 1990, surgirem as primeiras corridas exclusivas para “imports” — ainda que àquela altura os carros alemães também já fossem importados e desejados como carros executivos e de luxo. Foram essas corridas que chamaram a atenção da revista Vibe, que publicou uma matéria sobre a cena. Essa matéria deu origem ao roteiro de “Velozes e Furiosos”, de 2001.

Toretto do mundo real: conheça o cara que inspirou o primeiro “Velozes e Furiosos”

E aqui as histórias se juntam: Velozes e Furiosos foi a obra cultural que levou para o mundo o que estava acontecendo havia quase 30 anos nos EUA. Na mesma época os entusiastas já vinham conhecendo os carros japoneses “JDM” nos games da série Need For Speed e Gran Turismo. Foi o que chamamos de “universos colidindo”: os Imports dos EUA com os JDM dos games. Tudo virou uma coisa só: Import virou JDM que virou sinônimo de carro japonês.

E ainda tem outro fator que pode ter colaborado para isso: o Ex-Japan Imports. São os carros japoneses, vendidos no mercado interno, que são exportados usados para países “em desenvolvimento”, que não têm indústria local como o Paraguai, o Suriname, o Quênia, a Armênia ou Jamaica, ou ainda para países onde se usa a mão inglesa, como Austrália, Irlanda, Nova Zelândia, África do Sul, Singapura, Tailândia.

O Japão exporta mais de 1,5 milhão de carros todos os anos, e isso se deve ao fato de o custo de manutenção e licenciamento do carro no Japão aumentar significativamente à medida em que ele envelhece. Com o custo baixo para se comprar um carro novo e a alta depreciação devido ao custo das taxas impostas aos carros mais antigos, não há demanda para estes carros no mercado japonês, então eles são exportados — e são conhecidos como “JDM” ou “J-Spec”.