Entre 1996 e 1999, o finlandês Tommi Makinen venceu quatro títulos consecutivos no WRC com os Lancer Evo III, IV, V e VI. Estas conquistas ganham sabor ainda mais especial quando nos damos conta de que, entre seus rivais, havia não apenas outros carros extremamente velozes como Ford Escort Cosworth RS e Focus RS, Subaru Impreza WRX e Toyota Celica GT-Four; como também pilotos absolutamente fenomenais, como Richard Burns, Marcus Grönholm, Carlos Sainz, Juha Kankkunen e Colin McRae.
Contudo, há outro elemento em comum nestes quatro títulos além do violino principal, o Lancer Evo, e do solista, Makkinen: o maestro britânico John Easton, chefe de equipe da Mitsubishi Ralliart. Graças a uma vida inteira dedicada ao rali – com direito a ser mecânico-chefe dos mortíferos 205 T16 do Grupo B –, Easton pôde extrair o melhor de seus pilotos, mecânicos e engenheiros e conduzir a Mit ao topo em uma era lendária do WRC.
Mais do que isso, quando a marca se retirou da competição, em 2004, John seguiu dedicado à sua história com os Evo e criou os modelos de produção mais monstruosos da história, o que inclui o mítico Lancer Evo VIII FQ400 (411 cv – mais de 205 cv por litro!), do mesmo ano. E mais: alguns anos depois, ele criou a , preparadora independente especializada em Evos de rali (Grupo N e R4) e que também oferece componentes exclusivos para Evos de rua.
Sua história explica e justifica a série de despedida Lancer Evo X John Easton, encomendada pela Mit brasileira ao ex-chefe de equipe da Ralliart. No evento de lançamento, realizado no autódromo Velo Città, em Mogi-Guaçu (SP), Easton esteve presente e nos cedeu uma rápida entrevista, pouco antes de embarcar de volta para a Grã-Bretanha. É o que vocês irão acompanhar neste post.
Currículo de John Easton:
1980 – Talbot Motor Company – Aprendiz
1984 – Peugeot Talbot Motorsport – Mecânico-chefe: 205 T16 Grupo B e Grupo A
1989 – Nissan Motorsport Europe – Mecânico-chefe e Engenheiro-chefe nas competições do GpC, WRC, F2, Rally e Touring Car
1996 – Mitsubishi Ralliart – Diretor de Equipe no WRC, quatro títulos de pilotos, um título de construtores
2003 –Mitsubishi Motorsports (MMSP Ltd) – Diretor de Operações
2007 – MML Sports Ltd – Diretor
John, você teve o privilégio – e os créditos – por ter vivido duas das eras mais importantes da história do rali: os anos dourados do Grupo B, no meio da década de 80 e o tetracampeonato da Mitsubishi no fim dos anos 90. Você pode falar um pouco sobre as diferenças destas eras?
Peugeot 205 T16 do Grupo B, carro que marcou o começo da carreira de Easton
Foram duas épocas muito especiais e muito diferentes, sem dúvida alguma. Os carros do grupo B eram mais esporte-protótipos que automóveis, podiam ser desmontados em minutos, havia materiais compostos em todos os cantos, eram monstruosidades em termos de potência e tecnologia, mas ao mesmo tempo, eram rudimentares em vários aspectos. A pilotagem era extremamente física, nada de direção hidráulica ou elétrica, os motores eram muito ariscos porque a faixa ótima de uso era bem estreita, o lag do turbo era monstruoso e a diferença de velocidade em retas e curvas era muito grande e isso deixava os riscos imensos.
Lancer Evo VI no rali da Grã-Bretanha de 1999, com Tommi Makinen ao volante. O finlandês se sagraria tetracampeão pela Mit no fim daquele ano
O mais chocante é pensarmos no quanto que a tecnologia evoluiu: nos anos 90, o regulamento do WRC já apresentava uma enorme lista de limitações, o que reduziu a potência dos carros pela metade, em média. Mesmo assim, nos anos do tetracampeonato da Mitsubishi, os tempos cravados nos estágios já eram bem mais baixos do que as lendas do Grupo B. Com a metade da potência!
Quais foram as evoluções que mais contribuíram para esse ganho de performance?
Sem dúvida foi a evolução tecnológica dos amortecedores e dos pneus. A forma como eles passaram a copiar o piso e tracionar em situações tão extremas e variadas seria assunto de ficção científica se fosse mostrado uma década antes. Com esse salto tecnológico a velocidade média dos carros ficou muito mais uniforme, os tempos começaram a cair em fatias largas a cada ano.
Pensando na escala mais do fine tuning, o refinamento dos sistemas dos diferenciais também foi essencial. Especialmente em condições dinâmicas limítrofes, eles ditam muito sobre como vai ser a atitude do carro nas entradas e saídas das curvas. Nós experimentamos todo tipo de ajuste, material nos discos de fricção, experimentamos sistemas ativos, sistemas sensitivos ao acelerador, tudo em vários tipos de terreno e condições climáticas. Foi uma época bastante divertida. E muito desse laboratório todo acabou indo parar nos Evos de rua.
A Fórmula 1 sofreu evolução parecida no mesmo intervalo de tempo, entre os anos de 1980 e de 1990. Junto com a mudança dos carros, veio uma mudança do perfil do piloto, dos requerimentos e até as funções que ele precisa desempenhar para ser um top driver. Isso aconteceu no rali?
Comparar categorias nunca é um exercício fácil e, você sabe, vivi minha vida toda dedicada ao rali – não sou exatamente um insider da Fórmula 1. Mas acho que no rali as coisas se mantiveram mais ou menos como eram. Claro, veio a direção hidráulica, câmbios sequenciais, toda a eletrônica embarcada, mas no fim das contas, o WRC continua sendo extremamente dependente das mesmas características: velocidade, consistência, poucos erros, sensibilidade crítica para ajudar no desenvolvimento e acerto dos carros. Em termos de competição, o WRC não recorreu a recursos técnicos para aumentar a competitividade (N.E.: possivelmente se referindo aos pneus de desgaste induzido, obrigatoriedade de uso de vários tipos de pneu numa mesma prova, KERS e asas de geometria variável, todos presentes na F-1 com este fim) e a essência continua a mesma, o piloto, o carro e o cronômetro. E os estágios, claro, houve melhorias em termos de segurança, mas uma coisa não mudou: um pequeno erro pode resultar em uma catástrofe. Árvores, rochas, saltos, valas, temos áreas de escape bastante complicadas (risos).
Você teve o privilégio de trabalhar e/ou conviver com alguns dos pilotos mais lendários da história, como Ari Vatanen, Tommi Makinen, Timo Salonen, Juha Kankkunen, Richard Burns e Colin McRae. Qual deles foi o que mais te impressionou?
Sem dúvida foi Tommi Makinen. Quero dizer, sim, todos estes que você falou são pilotos fabulosos e acho que seria difícil dizer quem venceria uma prova disputada em situação de absoluta igualdade de equipamento. Mas Makinen… ele tinha algo diferente, um talento natural, algo que era quase como uma força da natureza.
Lembro quando o acompanhava nos testes de desenvolvimento, era uma insanidade. Estar a bordo de um carro de WRC com estes caras já é uma loucura. Tudo no cenário é um borrão, mas são borrões bem duros (risos), como árvores, rochas, penhascos, e tudo esta passando tão perto, centímetros, milímetros da carroceria. Muitas vezes raspando aqui e ali. E Tommi conversava comigo como se estivéssemos no sofá de uma sala assistindo televisão, muitas vezes com o rosto virado pra mim!
Makinen não era o cara mais técnico em termos de perfil, então ele não chegava com um diagnóstico pronto, digamos. Mas ele tinha uma fluidez, um talento natural e uma sensibilidade para captar coisas no comportamento do carro que eram impressionantes. Na época nosso carro usava um diferencial central sensitivo ao torque do motor e isso o deixava bastante arisco nas transições. Tommi usava e abusava da técnica de frenagem com o pé esquerdo, mas ele tinha sensibilidade não só para manter o turbo sempre cheio como para ter um equilíbrio no carro que eu não lembro de ter visto com outro piloto.
Qual é o seu carro de corrida favorito, de todas as categorias?
Minha vida é o rali, então pra uma pergunta destas eu não tenho como sair do universo do WRC. É o Lancer Evo VI, sem dúvida. Ele me cativou logo de cara pelo design, era um Evo corpulento, com aqueles para-lamas alargados, entradas de ar gigantescas – dava pra ver o intercooler a uma milha de distância (risos). E foi um carro com o qual conseguimos um desempenho impressionante, tanto que disputamos duas temporadas seguidas com basicamente o mesmo carro, exceto algumas evoluções naturais do projeto.
E o que vc dirige hoje?
Bem, eu já tive muitos brinquedos, vários Evos, mas minha carta de motorista não estava gostando nada de toda essa performance combinada à minha empolgação ao volante (risos). Então pra uso diário eu me contento com um X-Type de alguns anos de uso.
Fale um pouco sobre o nascimento de sua empresa, a preparadora MML Sports.
Bem, eu era o diretor de equipe da Ralliart na época dos títulos de Makinen e, em 2003, virei diretor de operações da Mitsubishi Motorsports. Quando a Mitsubishi anunciou que abandonaria o WRC, em julho de 2004, eu tinha acesso a todo o ferramental, tinha o conhecimento, a logística e muitos profissionais de ponta. Depois de algum tempo, decidi que tinha de levar aquilo adiante de alguma forma. Montei o business case para a Mitsubishi, eles gostaram bastante, eu adquiri as operações da Ralliart Europe e assim nasceu a MML Sports. Tecnicamente é uma empresa 100% independente da Mit, mas a história da minha carreira, da minha vida e de tudo o que a MML Sports faz está ligado ao que conquistamos naqueles anos, então existe um elo muito forte.
Os Evo FQ (séries especiais mais potentes que surgiram a partir do Evo VIII, desenvolvidas pela MML Sports) são prova disso. Por sinal, ouvimos dizer que o Evo X FQ440 se esgotou em menos de doze horas…
Lancer Evo VIII FQ400: 411 cv em 2004. Por muito tempo, o dois-litros de produção com a maior potência específica do mundo – uma década antes do Mercedes A45 AMG. Falaremos deste e de vários outros Evos monstruosos no Rest in Power!
Foi bastante rápido. Bem, este é um carro rápido (risos). Agora, uma coisa interessante: por causa de restrições de regulamentos presentes em categorias como o Grupo N, que exigem um alto índice de originalidade em vários componentes, o Evo sempre foi superdimensionado. Assim, as equipes podiam caprichar na preparação sem correr o risco de quebras e sem quebrar as regras. O FQ 440 é o melhor exemplo disso. Nós temos lá uma série de componentes, como um turbo de maior capacidade, mapeamento da ECU feito com extrema atenção, coletores de escape e admissão da Janspeed, injetores de alto fluxo e claro, embreagens para suportar tudo isso (N.E.: de acordo com John, a embreagem original do DSST aguenta até cerca de 400 cv). Mas o bloco e seus componentes internos (virabrequim, bronzinas, prisioneiros, pistões, anéis, etc) são originais. Se fôssemos preparar um Subaru WRX STi da mesma maneira, teríamos de fazer um bom trabalho lá dentro (se referindo ao miolo do bloco).
Já que falamos nisso, acho que o pessoal fã de preparação iria gostar de saber o modelo da turbina HKS que você escolheu para o FQ440…
Ah, bem, nada demais. Uma HKS normal (sorriso irônico).
Normal? Não é muito vago?
Hum, bem (rindo), posso dizer que ela é do tipo ball bearing, roletada.
Falando agora do Evo X que leva o seu nome. No Brasil nós temos o Lancer Evo RS de competição, que também empurra 340 cv. Estamos falando do mesmo mapeamento?
Não. Um carro de rua precisa de uma curva de torque diferente da de um carro de competição. O mapeamento da RS foi útil para começarmos a estudar como a ECU reagia à gasolina brasileira. Também é preciso lembrar que o RS utiliza um câmbio sequencial de corrida, completamente diferente do DSST de dupla embreagem do Evo X de rua, incluindo aquele (apontando para o Evo X John Easton). Por sinal, este foi outro elemento retrabalhado: o intervalo de troca foi reduzido em alguns milissegundos, ao mesmo tempo em que recalibramos a programação que limita o torque do motor quando o câmbio está frio, para ajudar a preservar o câmbio e a embreagem. Alias, uma curiosidade: por causa do clima, no Brasil, o Evo X de vocês possui uma radiador de óleo – na Inglaterra, nossos Evos possuem um sistema de aquecimento de óleo!
Mitsubishi Lancer Evolution X John Easton, série especial de despedida feita para o Brasil