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Kharkovchanka: uma casa sobre rodas de 1.000 cv para explorar a Antártida

Você deve lembrar que, há alguns meses, fizemos uma matéria sobre o Snow Cruiser, uma verdadeira fortaleza sobre rodas feita pelos americanos para servir como moradia e transporte durante a exploração do Continente Antártico na década de 1940. Curiosamente, apesar de suas dimensões colossais – 17 metros de comprimento, 6 metros de altura e 34 toneladas, o Snow Cruiser desapareceu após ser abandonado pela equipe – os EUA estavam entrando na Segunda Guerra Mundial e o orçamento para o projeto foi cortado.

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Mas os americanos não foram os únicos a construir um veículo absurdamente grande para morar e se locomover na Antártida: os soviéticos também o fizeram. E, ao menos nesta disputa, eles se saíram melhor. Não que tenha sido uma disputa de fato – o Kharkovchanka, como foi chamado o veículo (ele era construído em Karkhov, na Ucrânia), só foi construído em 1958, quase duas décadas depois que o Snow Cruiser desapareceu na Antártida. Mas, diferentemente do veículo americano, que tinha algumas falhas de projeto difíceis de resolver sem uma reformulação completa, o Kharkovchanka fez muito bem seu trabalho. Tanto que mesmo agora, mais de meio século depois, algumas unidades continuam operacionais.

A ideia de construir os Kharkovchanka surgiu justamente depois da Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, a União Soviética mergulhou de cabeça na ideia de montar uma expedição permanente na Antártida – e, talvez, mostrar aos norte-americanos como se fazia uma fortaleza sobre rodas para viver no gelo.

Para isto, em vez de criar um veículo do zero, usando uma plataforma própria e motores a diesel e elétricos (o que, efetivamente, fazia do Snow Cruiser americano um híbrido), os soviéticos optaram por usar uma base já bem conhecida e de eficácia comprovada: o AT-T, trator de artilharia soviético que, por sua vez, usava como base a plataforma do tanque T-54, que serviu durante a Segunda Guerra Mundial.

O AT-T tinha exatamente o mesmo chassi e o mesmo conjunto mecânico do T-54 – ou seja, ele era movido por um V12 de 39 litros (!) capaz de entregar algo entre 500 cv e 800 cv, dependendo da versão. Diferentemente do tanque, o AT-T tinha motor e câmbio (uma caixa sincronizada de cinco marchas à frente e uma à ré) na dianteira e uma cabine de caminhão. Ele foi o primeiro veículo utilizado na expedição soviética à Antártida, em meados da década de 1950. E ele não se saiu mal – diferentemente do Snow Cruiser, que tinha enorme pneus de borracha lisos, o AT-T movia-se sobre lagartas e possuía uma capacidade de tração muito maior.

Ele só tinha alguns problemas: sua função principal era rebocar trailers e contêineres de carga pela neve da Antártida – e isto era um problema por si só, já que os trailers não tinham tração e frequentemente atolavam na neve. A adoção de lagartas mais largas ajudava parcialmente a reverter esta situação, mas não era o ideal.

O ideal seria construir um veículo que não precisasse puxar nada, armazenando tudo o que a equipe de exploração necessitasse para sua sobrevivência e seu trabalho a bordo. E foi assim que surgiu o Kharkovchanka – um projeto que levou apenas três meses da concepção ao início da fabricação.

O briefing era desafiador: construir uma espécie de ônibus capaz de acomodar com relativo conforto seis pessoas, mais seus equipamentos, uma sala de controle, cozinha, banheiro e uma sala de reuniões. Tudo isto em um único veículo. Pense no Kharkovchanka como um motorhome ultra-especializado.

Por esta razão, optou-se por algo parecido com um ônibus, aproveitando o espaço da melhor forma possível, montada sobre um chassi esticado de AT-T, com cerca de nove metros de comprimento. Tudo isto pesava 35.000 kg, exigindo um motor mais forte – o motor V12 de 39 litros recebeu dois turbocompressores e um supercharger para chegar aos 995 cv. E a sobrealimentação ainda ajudava o propulsor a ter desempenho menos sofrível em altitudes elevadas, onde o oxigênio rarefeito prejudica a combustão.

Com lagartas de um metro de largura, o Kharkovchanka era capaz de atingir os 30 km/h – não era preciso mais do que isto no ambiente Antártico, onde conseguir se locomover já era uma grande conquista. E, na verdade, a velocidade de operação era, em média, de 5 km/h – pouco mais que uma pessoa caminhando.

Por dentro, uma área de 28 m³ (o mesmo que um apartamento pequeno), com tudo interligado – no quarto, por exemplo, havia uma escotilha de acesso ao motor – e era preciso trabalhar nele constantemente, porque as condições severas (a temperatura chegava a baixar de -75°C) as falhas mecânicas eram frequentes. Consumo excessivo de combustível, lubrificação deficiente e também falhas no sistema de aquecimento central tornaram a viagem extremamente difícil – oito camadas de lã de carneiro embutidas na carroceria não eram suficientes.

Por conta disto, do desembarque à Antártida em 10 de janeiro 1959 até o fim da primeira expedição, com a chegada e instalação no Polo Sul, passou-se um ano inteiro viajando inexploradas, que jamais haviam sido sequer sobrevoadas, e que mudavam constantemente – a paisagem e a geografia da Antártida mudam constantemente. A chegada ao Polo Sul geográfico aconteceu só em 26 de dezembro daquele ano.

Uma base dos Estados Unidos havia sido construída recentemente. Ignorando a rivalidade entre EUA e URSS e a Guerra Fria, os exploradores norte-americanos deram as boas vindas aos soviéticos, mostraram a eles o local, e hastearam uma bandeira norte-americana ao lado de uma bandeira soviética – em uma rara demonstração de cooperação entre os dois impérios.

No total, três unidades do Kharkovchanka foram construídas, mas só uma delas sobrevive – o unidade nº 22, identificada pela pintura; enquanto os restantes possivelmente acabaram servindo como doadores de peças para mantê-lo funcionando por mais tempo. Ele foi utilizado pela base russa Vostok na Antártida para exploração por décadas, sendo aposentado apenas em 2010. Depois disto, a Rússia enviou um pedido ao Tratado da Antártida para tornar o Karkhovchanka-22 um monumento histórico à exploração soviética do continente gelado, como um atestado às capacidades dos engenheiros e cientistas da antiga União Soviética e suas contribuições para que a humanidade conhecesse melhor aquela região remota.

Sugestão do leitor Daniel Cruz