Muita gente reclama da dificuldade de pronunciar o nome do maior fabricante de supercarros da Suécia, a Koenigsegg. Pode até ser difícil mesmo, mas o que levou tempo e custou um bocado de esforço foi o surgimento da empresa, que começou bem antes de que se poderia imaginar, segundo seu fundador, Christian Von Koenigsegg.
Christian diz tudo teve início depois de ele, ainda menino, com seus 5 anos, assistir à animação sueca Flåklypa Grand Prix, mais conhecida, em inglês, como Pinchcliffe Grand Prix. Não deve ter sido muito popular fora da Europa, já que não o conhecemos, mas você talvez já o tenha assistido. Confira vendo o trailer abaixo:
Resumindo, a animação conta a história de Reodor, um consertador de bicicletas que constrói seu próprio carro de corrida. Flåklypa é a cidade onde ele vive e onde ocorre a competição. Alerta de spoiler (pule as próximas linhas se quiser assistir o desenho): ele ganha a corrida com o carro, chamado de Tempo Gigante.
Tudo isso é contado pelo próprio Christian no site da Koenigsegg. O fundador da empresa abriu um espaço por lá, (me pergunta qualquer coisa, em português), para o qual eles esperavam umas 15 perguntas, no máximo. Receberam 200 e dividiram as respostas em três partes. Logicamente, não para todas!
Voltando à animação, ela inspirou Christian a desmontar tudo o que encontrava pela frente. As primeiras vítimas foram carrinhos de controle remoto, que ele desmontava e aperfeiçoava, quando ele tinha 5 ou 6 anos. Com 7 anos, ele ganhou do pai um kit de solda e um de montagem de um carro de controle remoto.
Videocassetes e gravadores de fitas cassette também entraram na dança. Christian se gaba de ter sido capaz de consertar alguns aparelhos ainda menino, com 8 ou 9 anos. Foi com eles que o empresário teria aprendido como coisas mecânicas interagiam com as eletrônicas. De modo intuitivo, segundo ele. “Eu não li nada a respeito. Só aprendi que isso faz uma faísca, aquilo traz resistência, que significa menos potência, coisas deste tipo”, diz ele em seu site.
Com 8 anos, Christian ganhou sua primeira moto, velhinha e enferrujada. Arrumou a encrenca e passou ela pra frente. Ganhou um dinheirinho na jogada e já comprou outra moto. Menino empreendedor desde pequeno.
Com 12 anos, Christian pôs as mãos em sua primeira mobilete, uma Suzuki K50. Foi a primeira que ele preparou, do jeito mais tosco que você poderia imaginar. Para aumentar a taxa de compressão, ele ralou o cabeçote no chão do porão de sua casa. Ele não tinha as ferramentas necessárias para o serviço e deu sua improvisada, o jeitinho sueco. No fim das contas, diz ele, a coisa deu certo: a K50 andava mais do que quando ele a comprou.
Essa virou a semente de seu negócio: ele comprava mobiletes, ajeitava o visual, envenenava a criança e revendia, logicamente por um preço mais alto. Aos 15 anos, Christian tinha cerca de 12 mobiletes para vender e uma reputação de preparador.
O empresário também chegou a preparar barcos. Com 13 anos, pegou um Spitfire, um barco de cerca de 2,5 m de comprimento e algo entre 5 cv e 15 cv. Christian o prepapou para chegar aos 35 cv. Depois, passou o barco adiante e reforçou as economias.
No meio tempo, Christian desenhava. Seus primeiros projetos foram feitos em computadores realmente pioneiros, como um Commodore 64 e um Amiga 1000. Todos eram de carros com motores centrais e havia até alguns que flutuavam, à moda Jetsons.
Para concretizar os planos, era preciso fazer caixa. Ou você estava achando que o cara pediu “paitrocínio” para colocar a coisa toda para andar? Negativo: a grana era em boa parte de Christian, de um sócio, Mikael, e do governo sueco, a quem eles pediram um empréstimo de 1,5 milhão de coroas suecas. E conseguiram. A empresa foi fundada em 12 de agosto de 1992.
O dinheiro de Christian veio das mobiletes e da Alpraaz, uma empresa de comércio exterior. O empresário aproveitou a queda da Cortina de Ferro para vender coisas bem básicas naqueles países. Canetas, por exemplo. Sacolas plásticas também. Ele conta que descobriu um lote de sacolas que seriam inutilizadas porque houve um erro de impressão no logo da loja. Ele comprou e revendeu para o Leste Europeu. “Eles não ligavam se estava certo ou não. Eles só precisavam de sacolas”, diz ele. Antes de provar talento com seus carros, ele passou no teste de fogo dos negócios.
A condição para o empréstimo era que eles se instalassem em uma cidade com desemprego alto. Era para terem fincado base em Olofström, onde eles ocupariam um prédio de 1.500 m². Enquanto esperavam o prédio vagar, eles alugaram uma oficina de 400 m². Em 1994, veio o primeiro revés: Mikael saiu da sociedade. “Ele era meu sócio na Alpraaz e ficou comigo nos dois primeiros anos da Koenigsegg, mas acabou decidindo que aquilo não era para ele. O Mikael não era tão fã de carros quanto eu e a falta de receitas regulares, assim como as incertezas para sua família, provavelmente pesaram muito. Entendo perfeitamente o lado dele”, diz Christian.
Em 1996, Christian viu seu primeiro carro sair da linha. Ele tinha um motor Audi V8, ebm como o transeixo da marca alemã. O problema do fornecedor de motores estava aparentemente resolvido.
“Eu não tinha a ambição de fabricar meus motores do zero, naquela época, mas também não queria um motor comum da Audi. Eu queria prepará-lo, levá-lo a 550 cv, 600 cv… Fui até a Audi, disse ‘oi, sou o Christian e quero fazer esportivos; vocês podem me vender os motores?’ e eles foram muito receptivos até eu dizer que ia prepará-los. Conversamos muito e eles tinham interesse em vender os motores, mas não em alguém que os modificasse. Quase demos um jeito , comprando de um fornecedor na Dinamarca, mas a Audi descobriu e barrou o negócio. Tínhamos o protótipo, baseado em um motor e ajustado para ele, mas não tínhamos fornecedor de motor. Foi quando procurei o Carlo Chiti”, diz Christian.
Chiti era um engenheiro de motores de mão cheia. Dono da Motori Moderni, ele construía motores para a Minardi, na época, com a ajuda da Subaru. “Eles tinham esse boxer de 12 cilindros, que quase não tinha competido. Eles tiveram problemas com o peso e para fazer os difusores funcionarem com o layout do carro de F1 quando o motor era instalado. Não funcionou na F1, mas eles tinham tido sucesso com a Alfa Romeo na DTM. Tinham seu valor, e valia a pena conversar com eles”, diz Christian.
“Quando conversamos, eles disseram que poderiam mudar o motor, que era 3.5, para nos. Ele já havia sido usado em corridas de barco com dois turbos, então sua durabilidade era confiável. Montaram um 3.8, reduziram a rotação máxima de 12.000 rpm para 9.000 rpm, colocaram comandos de válvula diferentes, aumentaram o curso, puseram coletores de admissão mais longos… Ficou com 580 cv a 9.000 rpm. Ainda tenho os testes de dinamômetro dele.”
Quando chegou a hora de expandir, em 1997, a Volvo, que também tinha operações em Olofström, acabou precisando do prédio que seria da Koenigsegg. Com isso, Christian e sua equipe saíram da cidade e foram para Ängelholm, cidade em que Christian costumava passar as férias quando era criança. “Nós tínhamos uma casa de veraneio lá perto, em Förslöv. E a cidade era conhecida, ficava perto da minha cidade natal, Estocolmo, mas tinha menos pessoas, estradas mais tranquilas e era mais próxima do resto do mercado europeu. Era a ideal para este tipo de operação”, diz Christian.
Por coincidência, a empresa se instalou em uma antiga concessionária, um dos lugares preferidos de Christian quando passeava pela cidade na infância. “Eu costumava vir de mobilete e enfiava a cara no vidro para admirar todos os carros que eles tinham. Alugamos metade dela, depois tudo e finalmente compramos a propriedade.”
Mas nem tudo corria de forma suave. “Quando desenhamos o monocoque do nosso carro, ele foi desenhado para o motor da Motori Modernii. Foi o primeiro que instalamos. Os pontos de apoio são os mesmos que usamos até hoje no Agera. Infelizmente, Chiti morreu naquela época e eles pediram falência. Recebemos dois motores deles (que ainda temos) e ficamos, de novo, sem fornecedor.”
“No começo de 1997, ganhei o leilão de parte da massa falida da Motori Moderni. Peguei todo o ferramental, os desenhos, os moldes de fundição e algumas peças avulsas dos motores. Achamos que daria para produzir o motor, mas, quando tudo chegou aqui, foi um pesadelo.”
“Não havia desenhos por computador. Tudo era desenhado à mão. O ferramental era velho, feito de madeira, e estava bem malhado. Teria dado certo? No começo, sim. O motor ficava sob o centro do eixo traseiro, o que nos dava um centro de massa superbaixo. Não havia qualquer vibração, tanto que nós o integramos ao monocoque. Ele era largo, baixo e sólido, então agia como parte do chassi. Ainda ligamos nosso V8 ao chassi, mas ele não é tão suave”, diz Christian. “O problema é que ele nunca teria nos levado onde estamos hoje. Seria bom para 750 cv com turbo e olhe lá. O motor que escolhemos, em 1998, nos permitiu chegar muito mais longe.”
A Koenigsegg estava ficando sem opções. “Eu conhecia uma empresa de compressores mecânicos nos EUA. Eles pegariam um motor Ford V8, preparariam e deixariam do jeito certo para o homologarmos para as vendas. Compramos o motor e o colocamos em nosso protótipo. Só que ele usava gasolina de competição, com taxa de compressão muito alta, comando de competição etc. Ele estourava os anéis. De novo nos vimos com um motor que não servia, mas tínhamos de fazê-lo funcionar. Mudar de motor pela quarta vez não era opção: tínhamos de adaptar. Abrimos o motor e perguntamos: o que ele tem de errado?”, diz o empresário.
Era um bocado de coisa, como pistões planos, taxa de 11,5:1, 1 bar de pressão do compressor… “Começamos a mudar as coisas para fazer o motor funcionar como precisávamos, atendendo a emissões, dirigibilidade etc. Compramos as peças Ford mais adequadas e projetamos bielas, pistões, anéis de pistão e rolamentos. Mudamos a ECU, pusemos outro compressor, instalamos nosso próprio sistema de filto de ar, escapamento, volante de motor, embreagem, cárter seco e intercooler. Conseguimos nossa primeira patente com o catalisador “Rocket”, que criava um overflow natural sobre o pré-catalisador para reduzir a pressão de retorno em rotações altas. Isso nos deu 150 cv extra comparado às soluções homologadas anteriores.”
“Resumindo, começamos a projetar nossas próprias coisas e a construir os motores do zero aqui na fábrica. Algumas pessoas acham que compramos motores da Ford e pusemos no nosso carro, mas isso nunca aconteceu. Usamos peças Ford modificadas, aliadas a nossas próprias peças, nestes primeiros motores. No fim, entramos no Livro de Recordes Guinness com o carro de produção em série mais potente do mundo, com 655 cv, em 2002, quando lançamos nosso primeiro modelo”, diz Christian.
Era um belo começo, não fosse mais um problema, à moda Joseph Klimber.
Em 2003, uma nova pedra no sapato, das grandes: um incêndio destruiu o prédio. Deu tempo de salvar os protótipos, mas todos os registros foram devorados pelas chamas. Inclusive os desenhos de infância de Christian, que estavam no escritório da empresa. “Por sorte, salvamos os carros que estávamos construindo, além da maior parte de nossos equipamentos, mas foi uma época extremamente difícil. Pensamos até em reconstruir a empresa ali, mas teria levado muito tempo e nós havíamos acabado de iniciar a fabricação dos carros. Tínhamos de tocar o barco da melhor maneira ou anos de trabalho teriam sido completamente perdidos”, diz o empresário.
Mas, no fim, deu tudo certo. Tanto que o Koenigsegg teve até a chance de tirar a prova dos nove contra uma réplica do Tempo Gigante, o carro que, no fim das contas, ajudou a inspirar sua criação.
Não sabemos se é tino comercial ou uma homenagem à origem de sua ideia, mas Christian hoje vende, em sua loja virtual, . “O plano que eu tinha de fabricar carros era o oposto do que as pessoas normalmente pensam que é uma ideia inteligente de negócios. Ninguém estava pedindo. Parecia impossível. Era caro. Ninguém havia vindo do nada e tido sucesso antes neste campo. Era uma ideia estúpida. Um plano impossível. E era por isso que eu gostava dela. Queria provar a mim mesmo e a todo mundo que qualquer coisa é possível se você coloca sua mente, coração e alma nela. Eu realmente acreditava nisso. E ainda acredito”, diz Christian. Vai um DVD?