“Simplifique e adicione leveza” é uma daquelas frases icônicas que todo entusiasta de carros conhece. Colin Chapman queria dizer que, em muitos casos, pode ser melhor simplesmente reduzir o peso de um automóvel do que dar mais potência a ele. E ele seguiu o próprio conselho, criando no fim dos anos 50 o Lotus Seven – um carro de pista inspirado nos monopostos de corrida da época que consistia em uma estrutura tubular, para-lamas, uma cobertura para o motor, um pequeno para-brisa e os comandos para o motorista. E também de faróis, lanternas e uma pequena gaiola de proteção para evitar maiores consequências caso o carro capotasse, por exemplo.
O Lotus Seven pesava cerca de 500 kg e vinha um quatro-cilindros Ford de 1,3 litro que, preparado pela Cosworth, entregava 86 cv. Caso você quisesse algo mais potente, poderia optar por uma versão de 1,5 litro e 106 cv deste mesmo motor. Com braços triangulares sobrepostos na dianteira e braços arrastados com um eixo rígido na traseira, o Seven era um carro bem mais rápido do que seus números sugeriam, e oferecia uma experiência de condução pura e orgânica que só melhorava à medida em que o piloto pegava experiência.
Não foi à toa que logo de cara o Seven foi um sucesso entre os track rats britânicos como kit car: os caras compravam a estrutura, montavam e colocavam nela o motor de sua escolha. Na verdade o sucesso foi tanto que, quando a Lotus deixou de fabricar o Seven, em 1973, outra empresa britânica, a Caterham, comprou os direitos sobre o projeto e seguiu com a produção – e até hoje o negócio vai bem, obrigado.
Na verdade, nos últimos anos surgiram dezenas de carros inspirados pelo Lotus Seven. E não estamos falando apenas das réplicas, mas de projetos próprios como o Ariel Atom e o KTM X-Bow, que podem ser completamente diferentes visualmente e do ponto de vista técnico (por exemplo, o Seven tem motor dianteiro, enquanto o Atom tem motor central-traseiro), mas possuem o mesmo o objetivo: proporcionar uma pilotagem pura, irrestrita e envolvente.
Outra coisa que estes carros têm em comum é o esmero com o projeto. Por mais que sejam carros minimalistas, contando apenas com o essencial para garantir momentos de adrenalina ao volante, eles não foram feitos simplesmente colocando rodas, motor, volante e bancos em uma armação de metal. O mesmo, porém, não pode ser dito das criações da americana Krowrx, que fica em Calera, no Alabama.
Você deve ter visto foto do Krowrx X-Tegra no Facebook ou no Instagram e pensado “cara, isto parece uma cadeira elétrica!”, mas também deve ter ficado com vontade de experimentar. E, em um primeiro momento, a gente também ficou. Mas… o buraco é mais embaixo.
No papel a ideia parece sensacional: pegar um carro bacana, como um Honda Integra (reconhecido por ser um dos carros de tração dianteira mais legais de guiar já feitos), arrancar a carroceria, substituí-la por uma gaiola e criar, assim, um “carro-exoesqueleto” na pegada do Lotus Seven e do Ariel Atom. Afinal, simplificar e adicionar leveza pode ser uma maneira mais eficiente de deixar um carro mais rápido, mais orgânico e essas coisas todas que mencionamos há pouco.
Os caras cobram algo entre US$ 4.000 e US$ 6.500 (por volta de R$ 13.000-22.500, em conversão direta) para isto. A carroceria é removida e, de acordo com a Krowrx, é preciso ter muito cuidado para não depenar demais o carro. O que sobra: assoalho, parte do monobloco e o conjunto mecânico, que na maioria das vezes é deixado intacto. Eles dizem que podem fazê-lo com virtualmente qualquer carro, e no caso do X-Tegra, o resultado é uma redução de peso bem expressiva: de pouco menos de 1.200 kg para pouco menos de 600 kg. O peso cai pela metade.
A companhia diz que, por conta disto, na maioria das vezes upgrades mecânicos são dispensáveis. No caso do Integra, o motor B18 de 1,8 litro e 140 cv (sem V-TEC) permaneceu quase totalmente stock, apenas com o volante aliviado, enquanto a única mudança na transmissão foi a instalação de uma embreagem reforçada. Os freios são originais de fábrica, e suspensão foi um caso curioso: depois de instalar molas e amortecedores melhores, o carro ficou duro demais por ser muito leve. Então, a Krowrx fez um downgrade e instalou um kit mais barato e mais macio. Segundo eles, o carro ficou melhor por causa disso.
Novamente, sem muita reflexão, parece uma receita bem empolgante. Afinal é praticamente uma moto, só que com quatro rodas, um volante e um par de bancos concha. Você não precisa de muito mais do que isto para ter um carro rápido e divertido na pista, certo?
Bem, precisa sim. E Matt Farah, do The Drive, sentiu isto na pele. Literalmente.
Em uma sessão de cerca de dez minutos em Road Atlanta, com suas 12 curvas e muitos trechos de alta e média velocidade, Farah constatou que o projeto é extremamente amador e funciona mais como um brinquedo para quem quer dirigir uma moto de quatro rodas do que um carro para participar de track days de forma séria.
Para começar, ele confirmou algo de que suspeitamos fortemente ao olhar as fotos do X-Tegra: a gaiola de proteção serve mais para manter o “carro” inteiro e como artefato estético (uma espécie de wire frame seguindo a silhueta original do Integra) do que efetivamente para proteger os ocupantes. Farah, um cara robusto, fica com partes do corpo para fora e diz que a cada curva a sensação é de que ele pode morrer a qualquer momento.
Matt também diz que, apesar de parecer um contrassenso em um carro com metade do peso do original, o X-Tegra não é rápido. Pelo contário: Farah teve de dar passagem para muita gente em dez minutos, incluindo um Nissan Juke.
Isto porque, bem, a aerodinâmica do carro é totalmente falha. Não dá para amenizar as palavras aqui: é um projeto juvenil e meio amador, que dá mais importância à experiência sensorial pura (que também pode não ser tão legal assim, porque os outro carros e as rodas da frente jogam coisas na sua cara e na sua boca o tempo todo) e ao shocking factor do que à parte técnica.
Veja só: o que o Lotus/Caterham Seven, o Ariel Atom e o e o KTM X-Bow têm em comum, olhando por fora? Painéis fechados na dianteira e componentes aerodinâmicos. O Seven é o mais old-school, cobrindo o motor dianteiro com superfícies planas, dando um mínimo de proteção lateral e oferecendo até um pequeno porta-malas na traseira; e ele tem para-lamas. O Ariel Atom é o mais minimalista, com formato de cunha e alguns painéis de compósito formando um “bico” na dianteira; além de asas na dianteira e na traseira em alguma versões. Já o KTM X-Bow tem até uma espécie de para-choque, além de painéis na lateral e na traseira. E os dois têm para-lamas.
Sem qualquer tipo de cobertura para a estrutura e o conjunto mecânico, o X-Tegra tem um problema sério: a sustentação aerodinâmica da dianteira formada pelo fluxo de ar direto na parede corta-fogo – que também gera um enorme arrasto, pois como Farah, comenta, “é como dirigir um para-quedas”.
Outro ponto é que os exemplos que citamos possuem um habitáculo projetado pra escoar o ar em volta do piloto. O cara recebe vento, mas não da forma que acontece neste esqueleto de Integra. É algo muito mais direto, que gera muito mais desconforto, ruído e pode ser até perigoso. Falta, no mínimo, um defletor aerodinâmico na base da área do para-brisa.
Além disso, há a questão da rigidez estrutural. Se você olhar o Ariel Atom de lado, vai ver que as duas barras longitudinais principais da estrutura são ligadas por barras menores inclinadas, formando triângulos. É assim porque uma estrutura tubular triangulada (treliça) é muito mais rígida e resistente do que uma estrutura quadrangular. Isto porque a barra na diagonal ajuda a minimizar bastante a torção. No caso de um tombamento, por exemplo, esta armação provavelmente não resistiria ao peso dos componentes mecânicos e entraria em colapso. E a rigidez à torção nas curvas também fica seriamente prejudicada.
E ainda há uma contradição conceitual: pegar um carro de tração dianteira para fazer um conceito desses beira o nonsense. Não apenas pelas óbvias vantagens da tração traseira para um carro de tração traseira, mas também pela questão da distribuição de peso. O motor B18 do Integra pesa cerca de 180 kg sozinho. O X-Tegra tem 600 kg, e nenhuma carroceria. Certamente muito mais que 60% do peso total do carro estão concentrados na dianteira, o que na pista contribui bastante para o subesterço (saídas de frente) e desequilibra bastante a dinâmica de um FWD.
Este outro projeto, feito sobre um Mazda MX-5 Miata e, por isto, com tração traseira, não é menos pior em termos de estrutura. Repare que nas laterais do cofre só tem um tubo, e a parede interna do para-lama dianteiro mal está conectada a esse tubo. A única coisa que existe é uma chapa ligada à torre do amortecedor.
Há um “para-brisa” de plástico… que não é permitido nas ruas dos EUA
E veja só a contradição: em um carro totalmente aliviado como este, qual é o sentido em deixar o painel de instrumentos completo?
Em resumo, por mais bacanudos que sejam de olhar, os carros da Krowrx não nos parecem projetos para levar a sério. Talvez sejam divertidos de dirigir por aí, atraindo olhares e sentido o vento bater. Mas na pista ele é é assustador, perigoso e nem é rápido. Não é nosso tipo de cadeira elétrica.