Quantas histórias do automobilismo não te fizeram pensar: “Isso rende um filme”. Pois parece que os diretores finalmente estão dando atenção para essas histórias.
O filme “Rush – No Limite da Emoção” (Rush, 2016) trouxe ao grande público a rivalidade entre James Hunt e Niki Lauda, sendo aclamado não só por entusiastas. O sucesso de Rush abriu caminho para outros filmes: Ford Vs. Ferrari é mais uma história das pistas que está fazendo sucesso nos cinemas e, de certa forma, acabou ofuscando uma outra obra cinematográfica sobre o automobilismo, o curta “Le Mans 1955”, do diretor belga Quentin Baillieux, que retrata a maior tragédia da história do automobilismo.
A edição de 1955 da 24 horas de Le Mans era a chance de a Mercedes-Benz conseguir mais uma vitória na prova e consagrar o novo 300SLR, derivado do monoposto W196 que já havia vencido a Mille Miglia com Stirling Moss e Denis Jenkinson (que inventou o papel de navegador nesta prova).
O principal rival para o Mercedes seria o Jaguar D-Type, que tinha aerodinâmica apurada e inovadores freios a disco nas quatro rodas. A Mercedes estava na disputa pela liderança contra a Jaguar, mas a emoção da corrida foi interrompida na 35ª volta por um acidente dramático com o piloto Pierre Levegh da Mercedes.
O filme retrata essa corrida pelo ponto de vista do piloto americano John Fitch, que revezava a pilotagem do 300SLR com Pierre Levegh. O primeiro ponto de destaque no curta é o estilo da animação, minimalista, simples, mas que consegue transmitir a emoção dos personagens.
Os carros estão bem representados, tanto os de corrida quanto os caminhões de apoio, com destaque para o Renntransporter da Mercedes. Os sons são bastante detalhados, do contato dos pneus com o cascalho, o ronco dos motores de corrida e o vozerio dos espectadores dão a sensação de envolvimento com a cena trágica. A trilha orquestrada está no mesmo nível, durante as cenas de corrida a música dita o ritmo e a urgência da competição.
A opção pelo ponto de vista de John Fitch não se deveu apenas ao fato de ele ser o parceiro de Levegh na prova, mas também porque o americano passava por um drama pessoal pois estava sempre à sombra de pilotos mais famosos e se considerava velho demais para correr — anda que, na época, tivesse 38 anos.
O acidente é tratado de forma respeitosa, não é mostrado na tela, apenas vemos o resultado. O diretor quis mostrar como a competição e o orgulho podem distanciar as pessoas de seu lado humano. Fitch representa o lado impactado pela tragédia do acidente enquanto o diretor da equipe esquece o acidente quando vê que um de seus carros tem chances de ganhar a corrida. O curta usa os olhos dos personagens para transmitir os sentimentos para o espectador, os diálogos após o acidente são poucos porém fortes e marcantes.
O filme traz licenças poéticas para manter a narrativa, a mais perceptível é a responsabilidade de sair da corrida ficar sobre o diretor da equipe, na realidade foi a chefia da Mercedes que precisou ser convencida. Mas essa licença poética ajuda a mostrar a divisão entre o lado racional de Fitch e a passionalidade de conseguir a vitória. O curta consegue trazer fortes emoções em seus 15 minutos de duração, da euforia da corrida à melancolia do acidente.
Le Mans 1955 foi premiado no Festival Internacional de Cinema de St. Louis como melhor curta-metragem de animação. Com isso, o filme é elegível para concorrer ao Oscar nessa mesma categoria. Felizmente ele está disponível na íntegra no YouTube, com dublagem em inglês e legendas em português.