Todo mundo lembra dos carros que competiram no Grupo B: verdadeiros monstros com potência bem maior do que a declarada, visual intimidador, ronco barulhento e muito, muito rápidos. De cara, vários nomes vem à mente: Lancia Delta S4, Audi Quattro S1, Ford RS200, Peugeot 205 T16… mas quase ninguém lembra do MG Metro 64R.
Talvez seja porque ele era mais obscuro mas, para nós, isto só o torna mais legal. E há ainda o fato de seu motor ter ido parar no cofre de um dos supercarros mais incríveis do planeta, o Jaguar XJ220. Vamos contar esta história direito?
O Austin Metro foi um carro muito popular no Reino Unido ao longo dos 18 anos em que foi produzido. Criado para ser um substituto para o já veterano Mini, o Metro acabou sendo vendido junto dele, em uma posição superior do mercado, mas acabou saindo de linha três anos antes. O Metro deixou de ser produzido em 1997 e o Mini, em 2000.
Se você procurar entender a história do Metro, vai ver que ele já foi chamado de Austin Metro, MG Metro, Rover Metro e Rover 100. Isto aconteceu porque todas estas marcas faziam parte da mesma companhia, a British Leyland, que costumava vender o mesmo carro com emblemas diferentes para separar as versões.
Por exemplo, o Austin Metro era equipado com um motor de um litro e 41 cv, enquanto o MG Metro – que era vendido como uma versão esportiva – tinha um motor 1.3 de 79 cv com cabeçote retrabalhado, válvulas maiores e um carburador mais parrudo.
De qualquer forma, o Metro era a melhor opção que a Austin tinha quando decidiu competir no WRC, motivada pelo conjunto de regras bastante permissivo e pelos benefícios que uma boa campanha no Mundial de Rali poderiam trazer à imagem da marca. A decisão foi tomada, principalmente, por John Davenport, chefe da divisão de competição da Austin.
Para Davenport, não havia dúvidas de que o carro de rali da Austin deveria ser baseado no Metro. A principal razão era seu tamanho: ele não era diminuto como o Mini, mas ainda era menor que boa parte da concorrência e isto, em tese, o tornaria mais ágil. Como ele mesmo disse no lançamento do Metro 64R em 1984, “um carro pequeno faz a pista parecer maior”. Até lá porém, o carro passou por um longo e trabalhoso processo de desenvolvimento, que começou em 1982.
A primeira dificuldade era a falta de um motor apropriado para competir no WRC. Havia o Rover V8, um V8 (jura?) de 3,5 litros que rendia até 190 cv no Rover SD1. Contudo, não demorou para que seu uso fosse descartado, pois ele era grande e pesado demais. Era preciso criar um novo motor, e rápido. O que fazer, então?
A resposta estava, literalmente, estampada nos carros da equipe Williams de Fórmula 1. A Austin patrocinava a Williams nos anos 1980 e não foi difícil conseguir uma ajudinha técnica de Patrick Head, chefe do departamento desenvolvimento da Williams para projetar rapidamente um motor temporário. Este seria usado até que o novo motor, projetado por David Wood, da Cosworth, ficasse pronto.
Head decidiu que o V8 da Rover poderia, sim, ser utilizado – mas com dois cilindros a menos. O resultado foi um V6 de 2,5 litros com virabrequim feito sob medida, carburadores Weber e 250 cv. Não era muito, mas era o bastante para testar a dinâmica do carro que, a exemplo da maioria dos rivais, tinha motor central-traseiro e tração integral.
O primeiro protótipo funcional ficou pronto 1983 e passou por uma bateria de testes de 12 meses antes de ser apresentado oficialmente, no início de 1984. Àquela altura, ele já tinha até nome: MG Metro 6R4. A escolha pelos emblemas da MG se deu, provavelmente, pelo caráter mais esportivo da marca, enquanto 6R4 significava que ele tinha um motor de 6 cilindros, era um carro de rali e tinha tração nas 4 rodas.
O carro competiu em vários ralis nacionais durante aquele ano, para que a equipe pudesse aperfeiçoar sua receita. No processo, o carro recebeu novos elementos aerodinâmicos (mais notavelmente, a grande asa traseira), entre-eixos mais longo e, no fim do ano, seu motor definitivo: um V6 de três litros, todo em alumínio, com cabeçotes de quatro válvulas por cilindro (por isso, batizado de V64V) e a capacidade de entregar 250 cv na versão de rua para homologação e até 410 cv na versão de competição.
Uma curiosidade: este foi o primeiro motor na história do WRC a ser desenvolvido especificamente para competir em ralis – normalmente, os carros usavam versões modificadas de motores que já existiam.
Mas esta não era a única diferença em relação aos rivais: quase todos eles usavam motores de quatro cilindros turbinados, enquanto o Metro 6R4 tinha um V6 aspirado. Bastante potente e imune ao chamado turbo lag, o 6R4 prometia ser extremamente competitivo. Só que isto não aconteceu.
Como já vimos, não demorou muito para que as outras equipes encontrassem meios de compensar o turbo lag (o Lancia Delta S4, por exemplo, usava um turbo e um compressor mecânico). Além disso, depois de uma estreia promissora, com um terceiro lugar no RAC Rally do Reino Unido, em 1985, o Metro 64R não conseguiu vencer mais nada. Na verdade os carros não conseguiram nem chegar ao final das etapas em que competiram, quase sempre por problemas no motor.
Para piorar a situação, uma sequência de acidentes fatais fez com que a FIA acabasse com o Grupo B naquele ano, efetivamente jogando no lixo todo o trabalho de desenvolvimento em cima do Metro 64R. E, diferentemente da Lancia, que já um carro praticamente pronto – o Lancia Delta HF Integrale – e, com ele, dominou o WRC nos anos seguintes, a Austin decidiu simplesmente abandonar a competição de uma vez.
Contudo, o legado do 64R continua vivo – e em um lugar inesperado. Em 1987, todos os direitos sobre o design do motor V64V usado no carro de rali foram vendidos para a Tom Walkinshaw Racing, equipe de corrida envolvida de maneira muito próxima com a Jaguar.
Quando o supercarro XJ220 começou a ser desenvolvido, no fim dos anos 1980, o projeto foi aproveitado na forma de um V6 biturbo de 3,5 litros e 550 cv. Com este motor, o XJ220 foi, por alguns meses, o carro mais rápido do mundo, em uma história que já contamos aqui.