Como vimos no último post da nossa série sobre as Lendas do WRC, se nos anos 1970 e 1980 o Campeonato Mundial de Rali foi dominado pelos europeus, a década de 1990 viu uma equipe japonesa levar o título de construtores pela primeira vez com a Toyota. Foi o início de uma nova era que teve, entre seus protagonistas, a Subaru com sua equipe de fábrica, a World Rally Team.
Quando relembramos a história da Subaru no WRC, a tendência é ir direto para a estreia do Impreza, em 1993. Contudo, a participação da equipe japonesa no Mundial de Rali data de 1980, quando a equipe Subaru Rally Team Japan entrou no Safari Rally, na África, com o Subaru Leone. A participação da equipe era esporádica, e o melhor resultado havia sido um terceiro lugar no Rali da Nova Zelândia em 1987, com o neozelandês Possum Bourne ao volante de um Leone RX Turbo — bastante parecido com o carro da foto abaixo:
O Subaru Leone RX no Safari Rally de 1996
Para piorar, em 1987 todas as atenções estavam voltadas para a Lancia, que naquele ano estreara com o Delta HF 4WD e, instantaneamente, tornou todos os outros adversários obsoletos.
Foi só em 1990, dez anos depois, que a Subaru deu o primeiro passo em direção a seus próprios títulos: naquele ano, em parceria com a preparadora britânica Prodrive, foi fundado o Subaru World Rally Team. Até então, as divisões europeia e japonesa da marca competiam em paralelo. Ainda era cedo para saber mas, com a união de recursos humanos, financeiros e técnicos, nasceu uma das maiores forças do WRC.
Antes da chegada do Impreza, a Subaru e a Prodrive desenvolveram uma versão de rali daquele que, na época, era o carro-chefe (literalmente) da marca: o Legacy de primeira geração. O chamado Legacy RS WRC não chegou a vencer nada mas, em uma das competições automotivas mais difíceis e concorridas do planeta, um punhado de pódios com o finlandês Markku Alén entre 1990 e 1992 era um excelente sinal. Contudo, o Legacy não teve chance de brilhar como poderia — por uma boa razão: em 1992, um novo Subaru chegou para fazer história nas ruas e nos estágios de rali.
Seu nome era Impreza, e ele era o carro perfeito em uma época na qual os carros de rali estavam ficando cada vez mais avançados, compactos, leves e potentes. Menor e mais moderno que o Legacy, o Impreza foi foco de toda a atenção da Prodrive.
Como você já deve saber, apesar de existirem versões mais mansas e de tração dianteira, o Impreza é conhecido de verdade pela versão WRX, com motor boxer turbinado e tração integral. Não fica difícil deduzir que ela foi criada a partir do especial de homologação para carro de rali do Grupo A do WRC, que estreou em 1993.
A receita — flat-4 de dois litros e turbocompressor — rendia cerca de 300 cv no carro de competição, enquanto a versão de rua (que você pode conhecer melhor aqui) tinha 240 cv.
A temporada de estreia do Impreza foi um ano de experimentações para a Subaru, que também colocou o Legacy e o pequeno hatchback Vivio para correr no WRC para ter certeza sobre qual escolher para as temporadas seguintes. Com um esquema de pintura azul e amarelo patrocinado pelos cigarros State Express 555, fabricados pela britânica BAT e muito populares na Ásia, a Subaru teve um excelente desempenho.
Vale lembrar que, na época, ter fabricantes de cigarros como patrocinadores era algo proibido pela FIA no WRC. Sendo assim, a Subaru foi ousada e decidiu batizar a equipe como “555 Subaru World Rally Team”, e dar aos carros o “sobrenome” 555. Desse modo, os numerais estampados nas laterais dos carros poderia ser interpretada das duas formas, abrindo uma brecha no regulamento. Contudo, este jeitinho não durou muito tempo e, em algumas etapas, a Subaru trocou os numerais por deltas estilizados que até poderiam ser lidos como 555.
Com destaque para um talentoso jovem escocês chamado Colin McRae — que chegou em terceiro na Suécia e venceu na Nova Zelândia naquele ano — a Subaru conseguiu o terceiro lugar no campeonato de construtures naquele ano. Para se ter uma ideia, seu desempenho foi melhor que o de companheiros de equipe consagrados, como os finlandeses Ari “Dear God” Vatanen e Hannu Mikkola.
Apesar de o Legacy ainda ter sido o destaque da temporada, a Subaru foi sábia e levou adiante o desenvolvimento do Impreza que, como já dissemos, era menor e mais leve — ou seja, mais apropriado para combater rivais fortíssimos, como a Toyota e seu Celica Turbo AWD. Além do entre-eixos 160 mm mais curto, o carro era o primeiro a contar com diferenciais ativos, que usavam sistemas eletrônicos para distribuir o torque entre os eixos dianteiro e traseiro de acordo com as condições de aderência do piso — detalhe que dava ao Impreza alguns segundos de vantagem a cada estágio.
Os anos de 1994 e 1995 viram um crescimento exponencial da Subaru como uma das favoritas aos títulos. Em 1994, Colin McRae e seu novo companheiro de equipe, o espanhol Carlos Sainz, conseguiram as primeiras vitórias do Impreza — na Grécia (Sainz), na Nova Zelândia e na Grã-bretanha (McRae). Com 140 pontos, a Subaru garantiu o vice-campeonato muito próxima da Toyota, que acumulara 151 pontos.
No ano seguinte viria o primeiro título — em uma temporada disputadíssima e polêmica. A Toyota até poderia ter vencido naquele ano se não tivesse sido flagrada, no fim do ano, usando turbocompressores ilegais, com um restritor especial que poderia ser desativado e permitir que mais ar entrasse no motor, aumentando seu rendimento. Assim, todos os esforços da Toyota naquele ano foram em vão.
Colin McRae e seu navegador Nicky Grist
Para completar, o desempenho da Subaru foi brilhante naquele ano, com cinco vitórias em oito etapas, sendo três de Sainz e duas de McRae — que sagrou-se campeão entre os pilotos. Logo atrás deles, porém, outra rival começava a ganhar destaque: a Mitsubishi Ralliart que, com o Lancer Evolution, venceu duas etapas. Vamos entrar em detalhes no próximo capítulo desta série.
A boa fase de McRae garantiu que, em 1996, ele se tornasse o piloto principal da Subaru. E o escocês voador honrou sua posição, sendo o responsável por todas as três vitórias da equipe naquele ano e garantindo o segundo título de construtores em sequência. Por outro lado, entre os pilotos, Tommi Mäkinen, da Mitsubishi, reinou absoluto, levantando a taça de campeão.
O ano de 1997 trouxe uma mudança importantíssima: a introdução de uma nova categoria no WRC: a World Rally Car, que dispensava a obrigatoriedade da produção de especiais de homologação, reduzindo custos, atraindo novas equipes (como a Hyundai) e trazendo de volta antigos competidores (como a Peugeot e a Citroën). O Grupo A ainda existia, mas a maioria dos fabricantes decidiu aderir ao novo regulamento, incluindo a Subaru.
McRae ainda era o piloto principal da Subaru e, novamente, carregou a equipe nas costas: das sete vitórias da equipe, cinco foram dele. E, novamente, a Subaru ficou com o título de construtores e Tommi Mäkinen, da Mitsubishi, com a taça dos pilotos — na verdade, o finlandês foi campeão do WRC entre 1995 e 1998 — recorde que só foi superado pelos nove títulos consecutivos de Sébastien Loeb entre 2004 e 2012.
Foi nesta época que a rivalidade entre Subaru e Mitsubishi alcançou proporções estratosféricas — vamos conhecer o outro lado da história no próximo post. De qualquer forma, o desempenho matador de Colin McRae com os carros azuis foi um dos melhores de toda a história do WRC. Não é por acaso que a combinação de cores tradicional do Impreza WRX é azul com rodas douradas, um aceno aos dias de glória da Subaru no Campeonato Mundial de Rali.