A vitória do Lancia 037 poderia sugerir que talvez a tração nas quatro rodas não fosse indispensável para vencer o WRC. A confirmação dessa hipótese, contudo, dependia de uma nova vitória de um carro movido apenas pelas rodas de trás. Mas não foi exatamente isso o que aconteceu na temporada seguinte. O Audi Quattro voltou a faturar o caneco e provou de uma vez por todas que a tração integral tinha vindo para ficar.
Apesar de ter consolidado a tração itnegral, o Audi Quattro era um carro anterior ao novo e revolucionário Grupo B. Essa nova categoria da FIA permitiu muito mais liberdade de desenvolvimento aos engenheiros, que estão sempre prontos para encontrar novas soluções para velhos problemas. O novo regulamento atraiu o interesse da Peugeot em voltar ao WRC e em 1984 eles entraram em cena com o carro que se tornaria o mais bem sucedido de sua espécie e iria reescrever os padrões da categoria, o Peugeot 205 T16.
Apesar do nome, o 205 T16 não tinha nenhuma relação com o hatchback compacto que a Peugeot havia acabado de lançar na Europa. Sim, ele tinha dimensões semelhantes e o mesmo formato do 205 de rua, mas por baixo da carroceria ele era uma máquina completamente diferente e projetada para vencer ralis. O que os engenheiros da Peugeot fizeram foi simplesmente combinar os pontos fortes do Audi Quattro com os princípios básicos de projeto de um carro de corridas: tração integral, motor central, entre-eixos curto e baixo peso.
O motor 1.8 turbo de 16 válvulas produzia cerca de 350 cv e ficava logo atrás do banco do piloto. Ele era conectado a um sistema de tração integral com distribuição de torque selecionável por meio de engrenagens epicíclicas. Com cilindrada menor que a do cinco-cilindros do Audi Quattro, o T16 pôde ser homologado com um peso mínimo mais baixo, o que resultou em um carro com melhor relação peso/potência.
O 205 T16 estreou no Tour de Corse de 1984, a quinta etapa da temporada, realizada entre 3 e 5 de maio de 1984, e venceu pela primeira vez no Rali dos 1000 Lagos, entre 24 e 26 de agosto com Ari Vatanen no comando do carro e Jean Todt no comando da equipe. Apesar de conseguir outras duas vitórias (em San Remo e o RAC Lombard), o 205 T16 ainda não tinha o mesmo ritmo do Audi Quattro. Ainda.
Para a temporada seguinte, 1985, a Peugeot deu ao 205 T16 upgrades mecânicos e aerodinâmicos ao seu supercarro em forma de hatchback. No motor a turbina KKK K26 de 64,5 mm foi substituída por uma Garret T31 de 65 mm capaz de produzir até 3 bar de pressão, o que resultou em 550 cv de potência máxima. No campo aerodinâmico o T16 Evo 2, como foi batizado, recebeu uma solução que havia sido banida da Fórmula 1: o efeito solo — algo necessário quando se tem um carro tão potente e com entre-eixos tão curto. Se você reparar, o 205 T16 de 1985 tinha um par de saias laterais semelhantes àquelas usadas pelo Lotus 78 e vários outros carros-asa da F1. Essas saias garantem a baixa pressão aerodinâmica sob o carro e direcionam o fluxo de ar para a traseira, formando o efeito de asa invertida.
Com essas modificações o 205 T16 Evo 2 chegou à temporada de 1985 tão rápido quanto o Audi Quattro A2. E que temporada o pequeno francês teve: com Ari Vatanen e Timo Salonen a Peugeot faturou sete das 12 etapas do mundial daquele ano, além de um segundo lugar no Rali Sanremo e no Tour de Corse. Com o resultado, Salonen levou o título de pilotos enquanto a Peugeot sagrou-se campeã de construtores com sua pequena maravilha.
No ano seguinte, 1986, os rivais já conseguiram reagir ao poder de fogo do Peugeot 205 T16 Evo 2 — a Lancia com seu Delta S4 e a Toyota com o Celica TCT —, mas a Peugeot conseguiu manter um ritmo forte e venceu seis das 13 etapas, com outros dois segundos lugares e manteve o troféu do WRC em sua sede por mais um ano. No campeonato de pilotos, Juha Kankkunen desbancou Markku Alén da Lancia Martini e levou o título.
Infelizmente aquele ano seria o derradeiro do Grupo B. Os carros cada vez mais leves e potentes tinham desempenho impressionante, mas também podiam se mostrar incontroláveis em certas situações. Foi preciso apenas duas dessas situações para levar a FIA a cortar o mal pela raiz: em Portugal o piloto Joaquim Santos perdeu o controle de seu Ford RS200 e acabou atropelando o público, matando três espectadores e ferindo outros 30. Mais tarde, no Tour de Corse, Henri Toivonen decolou com seu Lancia S4 em um barranco e o carro explodiu matando piloto e navegador. Diante desses acidentes, a FIA cancelou o Grupo B para 1987.
O fim prematuro da categoria tornou o Peugeot 205 T16 (e sua versão Evo 2) o modelo mais vitorioso de sua curta história. Foram 16 vitórias em 26 corridas e dois títulos de construtores e de pilotos em três temporadas. Após a extinção do Grupo B, a Peugeot dedicou-se a outros eventos de velocidade como o Rali Paris-Dakar — com o mesmo 205 T16 — e as subidas de Pikes Peak.
Como todo carro do Grupo B, o 205 T16 deu origem a 200 exemplares de rua, construídos para homologação do carro de rali. Em relação ao GTI convencional, o T16 tinha entre-eixos mais longo, balanços encurtados, suspensão double-wishbone nas quatro rodas e amortecedores Bilstein com curso longo. Isso o tornava mais suave que o GTI na estrada, além de ser muito mais preciso e estável nas curvas. O motor 1.8 turbo foi amansado para produzir apenas 200 cv — e também se tornou muito mais durável, acredite. A aceleração de zero a 100 km/h é feita em seis segundos cravados e a velocidade máxima é limitada em 210 km/h pela aerodinâmica com coeficiente 0,35.
Por ser exatamente um carro de corrida para as ruas — e nada além disso — o 205 T16 não é exatamente adequado para uso diário ou mesmo convencional. Ele é barulhento e a dirigibilidade do carro é comprometida pelo lag do turbo, que não enche antes de 3.000 rpm e precisa girar a 4.000 rpm para providenciar força total. Mas como estamos falando do carro mais vitorioso da categoria mais radical da história do WRC, ele tem todo o direito de ter suas manias irritantes.