O Lancer Evolution IV apresentou a primeira mudança de plataforma dos Evo (confira os posts anteriores com as histórias dos modelos: Evo I, Evo II e Evo III). Até então baseado na arquitetura CE9A, a novidade anunciada em junho de 1996 passou a empregar a plataforma CN9A (que também foi compartilhada com o Mirage), maior, mais reforçada e sofisticada que a anterior. As dimensões passaram a 4,29 m de comprimento, 1,69 m de largura e 1,395 m de altura, com entre-eixos de 2,5 metros.
Seguindo o legado dos Evo, a Mitsubishi manteve o foco 100% na brutalidade funcional. O para-choque com grade integrada ficou mais agressivo que nunca, escancarando ainda mais o intercooler entre os gigantescos faróis auxiliares, o aerofólio traseiro ficou mais alto e curvilíneo e, claro, as saias laterais continuaram presentes. Para ajudar na distribuição de peso sobre os eixos e arrefecer o ar do cofre do motor, nada como um capô de alumínio com um enorme respiro, solução presente desde o primeiro Evolution…
As modificações, porém, iam além do que se podia ver: o novo Evo era 45% mais rígido à torção que os outros Lancer graças aos pontos de solda adicionados nas junções das longarinas com a carroceria (técnica de competição conhecida como stitch welding) e reforços estruturais localizados nas torres de suspensão, na base do para-brisa e na parte superior do monobloco.
Maior e mais rígido estruturalmente, o novo Evo ficou cerca de 90 kg mais pesado. Para compensar os quilos a mais, a Mitsubishi trouxe mais músculos ao motor 4G63, de 1.997 cm³: se sua taxa de compressão baixou sensivelmente, de 9:1 para 8,8:1, assegurando menor risco de pré-detonação, o novo turbocompressor do tipo twin-scroll garantiu um aumento de pelo menos 10 cv, elevando a potência declarada de 270 para 280 cv (lembrando que este era o valor declarado para qualquer esportivo fabricado no Japão na época, graças a um acordo entre os fabricantes – na prática, o Evo IV passava dos 300 cv) a 6.500 rpm, enquanto o torque subiu para 36 mkgf já a 3.000 rpm.
Outras modificações no motor incluíam um radiador maior, intercooler com capacidade 15% maior, volante aliviado, comandos de válvulas com geometria mais agressiva, novos pistões forjados e a junta do cabeçote passou a ser de aço inox em vez de aço carbono. Uma novidade bacana foi o sistema de injeção secundária de ar no coletor de escape, que entrava em ação tanto em rotações baixas para ajudar a acelerar os rotores da turbina quanto durante desacelerações para manter o turbo cheio, reduzindo assim o retardo de aceleração conhecido como turbo lag.
A cereja do bolo é uma mudança engenhosa que fica, ao mesmo tempo, escancarada e quase imperceptível: o motor transversal foi invertido em 180° para otimizar a distribuição de massas e reduzir o esterçamento por torque (torque steer) nas arrancadas!
O Evo IV tinha uma nova transmissão manual de cinco marchas, com alavanca de curso ainda menor e novo escalonamento. Seus compradores podiam escolher entre uma relação final de diferencial mais curta (4,875:1 – boa para provas no cascalho e street racers ilegais) ou mais longa (4,529:1 – para estágios disputados no asfalto, estradas e clientes menos alucinados, digamos assim).
Falando em diferencial, era no traseiro que estava uma das maiores novidades do Lancer Evolution IV: o AYC — sigla para Active Yaw Control, ou “Controle Ativo de Guinada”. Combinando as informações captadas por acelerômetros com as de sensores nas rodas e no sistema de direção, a central eletrônica identificava a atitude do carro nas curvas e alterava o mapeamento de distribuição de torque entre as rodas traseiras, aumentando a sua estabilidade e capacidade de tracionamento e deixando a dinâmica mais neutra. Desde então, este sistema evoluiu a cada nova geração do esportivo e está presente até mesmo no atual Evo X.
A suspensão traseira recebeu um novo arranjo multilink e a dianteira foi completamente reprojetada, de forma a baixar o seu centro de rolagem. Barras estabilizadoras com 23 mm na frente e 21 mm atrás arrematavam o conjunto e ajudavam a conter a baixa rolagem de carroceria.
Como de costume, havia duas versões do Lancer Evolution IV disponíveis: GSR e RS, sendo que esta última era a versão “depenada de fábrica”, voltada a quem queria modificar o carro – para as ruas, para as pistas ou para ralis. Sendo assim, enquanto ambos receberam freios ABS de série, apenas o GSR tinha freios com discos ventilados maiores e rodas OZ de liga leve de 16 polegadas, calçadas com pneus 205/50. O RS mantinha os discos menores do Evo III e vinha rodas de 15 polegadas, além de não contar com o AYC de série.
Havia, porém, cinco pacotes que ofereciam as rodas e os freios do GSR e o sistema de controle de guinada, além de opcionais como diferencial dianteiro de deslizamento limitado e uma transmissão com escalonamento esportivo – o famoso close ratio.
O interior tinha um novo volante para cada versão (sendo que apenas o GSR tinha airbag duplo) e instrumentação com fundo branco, além de bancos Recaro do tipo concha com forração colorida no centro. Sem frescura, all business…
O novo Evo foi muito elogiado, com destaque para a entrega linear de potência, pelo turbo lag virtualmente inexistente e pelo comportamento dinâmico proporcionado pelo AYC — ainda que os entusiastas mais experientes e tradicionalistas tenham apresentado alguma resistência inicial. Na prática, o sistema permitiu que o Evo fosse mais acessível a quem não tinha tanto tempo de pista, deixou o carro mais seguro no limite de aderência e ajudou até mesmo os profissionais a obter ritmo mais consistente.
Com a boa recepção da imprensa e, consequentemente, do público, o Evo IV teve mais 2.000 unidades produzidas ainda em setembro de 1996. Os primeiros 6.000 exemplares fabricados para fins de homologação foram vendidos em três dias — 107 deles para outros países. No total, 90% dos Evo IV fabricados eram GSR.
WRC: separados por apenas um ponto
Agora, o que era mais importante — vender carros ou vencer o WRC? Os dois objetivos eram complementares e, por isso, a Mitsubishi deu início aos testes com o Evo IV de rali já em 1996 — quando o Evo III ainda era usado pela equipe de fábrica. A homologação do Evo IV de competição, um dos primeiros a adotar transmissão sequencial, foi concedida no dia 1 de janeiro de 1997.
Foi uma temporada desafiadora, pois foi a primeira em três anos a abandonar o sistema rotativo de eventos usado desde 1994, no qual alguns ralis ficavam de fora do calendário em um ano e apareciam no ano seguinte. Sendo assim, a temporada de 1997 do WRC teve 14 etapas — para se ter uma ideia do grau de exigência, a de 1995 teve só oito.
O Lancer Evo IV levou o lendário Tommi Mäkkinen ao título mundial de pilotos – o segundo consecutivo -, mas você está engando se pensar que foi fácil: imprevistos nas três primeiras etapas (Monte Carlo, Rali da Suécia e Safari Rali) adiaram sua primeira conquista apenas para o Rali de Portugual, e o atropelamento de uma vaca no rali Tour de Corse (França) quase acabou com as suas chances na temporada – veja aos 2:51 do espetacular vídeo abaixo.
Aumente o volume no talo e se prepare para muitas, mas muitas derrapagens controladas!
Mas com ritmo excepcional, presença constante no pódio e quatro vitórias, o finlandês voador pôde terminar o ano com um heróico e singelo ponto de vantagem sobre a lenda escocesa, Colin McRae. A briga com a Subaru só aumentaria nos próximos anos, como veremos nos próximos capítulos do Rest in Power!
[ Fotos: Nicholas Cha, Alex Kamsteeg ]
[ Agradecimentos: Eric Darwich – consultor Mitsubishi Motors Brasil ]
Ficha Técnica — Lancer Evolution IV
Motor: quatro cilindros em linha, transversal, 1.997 cm³, turbo, 16V, cabeçote com duplo comando de válvulas, injeção eletrônica, gasolina
Potência: 280 cv a 6500 rpm
Torque: 36 mkgf a 3.000 rpm
Transmissão: manual, cinco marchas, tração integral
Suspensão: Dianteira do McPherson e traseira do tipo multilink
Freios: Discos na frente e atrás
Pneus: 205/60 R15 nas quatro rodas
Dimensões: 4,29 m de comprimento, 1,69 de largura e 1,395 de altura e 2,5 de entre-eixos
Peso: 1.349 kg (GSR) / 1.247 kg (RS)