O Leo Contesini sempre diz que “não se pode comprar um carro legal como primeiro carro”. Afinal, além de te ensinar a dirigir no mundo real, seu primeiro carro também vai te ensinar a ser dono de um carro, com tudo o que isto implica: impostos, taxas e manutenção. Com seu primeiro carro, é quase certo que você vai fazer muita besteira. Então, que sejam básicas, barato, econômico e simples de manter. Assim, as besteiras não vão te dar muito prejuízo.
Hoje, após 11 anos com carteira de motorista, posso dizer com certeza que escolhi o melhor primeiro carro possível. Mas agora é hora de seguir em frente.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como , , e muito mais!
Na maior parte das vezes em que menciono meu Fiat Uno Mille Way Economy 2008, 1) escrevo o nome completo do carro e 2) me derreto em elogios. Porque, de fato, o carro é sensacional. Embora não tenha sido meu primeiro carro – e nem o primeiro Uno, for the record – foi com ele que me amadureci como motorista.
Nos últimos cinco anos, coloquei mais de 50.000 km no hodômetro, a maior parte deles em rodovias. Manutenção sempre em dia, tanque sempre cheio e, quando possível, uma boa lavagem. Ele não exige mais nada além disto – e entrega de volta não apenas uma experiência de condução orgânica e sem interferências: também entrega, consistentemente, uma média de 14 km/L no consumo rodoviário quando o pé direito está um pouco mais leve. Ao mesmo tempo, em uma condução mais animada, a falta de isolamento acústico e o projeto antigo amplificam a sensação de velocidade e proporcionam uma conexão muito maior entre carro e ser humano. O Uno é direto, simples e divertidíssimo – mesmo que tenha só 66 cv em seu motor Fire de 999 cm³.
Acontece que, por mais que o Fiat Uno seja um carro muito bacana para um motorista sem experiência, que quer manter os gastos ao mínimo possível e que não se importa muito com itens de conforto e conveniência, meus 11 anos como motorista dizem que há mais do que isto na relação de um entusiasta com seu carro. Em especial com o Uno, que permaneceu praticamente o mesmo por mais de 30 anos de Brasil.
Parte disto, aliás, tem mesmo a ver com seu anacronismo. Como ferramenta de trabalho, ele não poderia ser mais competente – aguenta condições adversas sem reclamar, tem baixo custo de manutenção e é um carro compacto e ágil. É um meio de transporte muito prático e acomoda bem mais carga do que aparenta. Já viajei com cinco pessoas, mais bagagem, por 1.200 km, subindo a serra de Ubatuba (SP) e ele nem titubeou – e, entre os passageiros, houve quem duvidasse da capacidade do vermelhinho.
Com meu Fiat Uno, eu aprendi a dirigir. Claro, terminei o curso de direção, lá em 2009, habilitado. Mas só fui me tornar um motorista anos depois de conseguir meu primeiro carro, e só após colocar alguns milhares de quilômetros no hodômetro. A isto, só tenho a agradecer ao valente Fiat Uno.
Contudo, enquanto automóvel, acredito que o Uno já tenha me oferecido tudo o que pode oferecer. Já conheço cada milímetro de seu monobloco, suas dimensões externas estão gravadas a ferro em minha mente. Sei exatamente onde está cada canto do carro a qualquer momento. Consigo estimar com precisão quantos quilômetros consigo rodar com o combustível marcado no painel. E estou completamente ciente de qual é seu limite na hora de acelerar com um pouco mais de empolgação.
É claro que, com o passar do tempo e a aquisição de experiência, é natural que você acabe conhecendo seu carro muito bem. Em alguns casos, bem até demais. E, no meu caso, ainda existem outros fatores que me fazem crer que é hora de deixá-lo ir.
Com a pandemia de coronavírus, muita gente deixou de sair de casa todos os dias para trabalhar e agora está em regime de home office. Para mim, nada mudou – já estou em home office há exatos dez anos, desde o início do Jalopnik Brasil. Não dependo do carro para ir trabalhar todos os dias. E, nos últimos meses, mudanças na vida (todos passamos por elas) privaram o Mille de sua garagem. Passar a maior tempo parado não faz bem para carro algum. À mercê dos elementos, pior ainda.
Há também a questão do carro em si. Todo entusiasta precisa dirigir – é outra necessidade vital, além de comida, água, ar fresco e um pouco de sol (vitamina D, pessoal). E eu não vejo a hora de colocar outro automóvel sob meus cuidados. Um carro com mais motor, com um projeto mais refinado, com mais equipamentos, e que me obrigue a passar por todo aquele processo de aprendizado novamente. Um carro que seja mais seguro no caso de um acidente. Mas, acima de tudo, que me coloque um sorriso no rosto sempre que eu for sair com ele. Não por ser muito forte ou muito rápido ou cheio de recursos, mas por ser prazeroso de ver, ouvir e guiar. Com a maturidade ao volante, o padrão de exigência aumenta.
O Uno não é um carro ruim. Ao contrário – ele teve uma vida longa e honesta. Entregou tudo o que prometia por quase trinta anos, e ainda teve uma fase rebelde com algumas versões esportivas bem interessantes. Mas… eu não quero outro. Ao menos não por enquanto. Quero algo novo. Ou melhor: algo diferente.
Já existe um comprador em potencial – um primo que está prestes a tirar a carteira. Embora não seja exatamente entusiasta, ele me encheu de orgulho há alguns dias, quando lhe dei uma carona para casa e perguntei se ele já estava olhando alguns carros. “Eu queria um igual a esse”, ele respondeu. E provavelmente ficou arrependido depois que comecei a enumerar as qualidades do Uno e não parei mais de falar. De qualquer forma, tenho certeza que o pequeno Fiat será perfeito para um rapaz inexperiente (que, aliás, mora na zona rural e certamente vai se beneficiar da suspensão alta). Manutenção simples e barata, parcimônia no consumo e, quando ele tiver mais quilometragem acumulada, um conjunto bem acertado e sob medida para dar suas esticadas sem se meter em encrencas. Exatamente como foi comigo.
Até lá, porém, sem pressa. Não haverá um sucessor para o Fiat Uno até existir uma garagem para abrigá-lo. Há o carro da família para viagens (uma competente, espaçosa e entediante Fiat Idea Adventure) e aquela que eu chamo de “Uno Way de duas rodas” – a XTZ 150, aka Yamaha Crosser.
Perdão pelo texto que é pouco mais que uma despedida glorificada para o meu carro. Mas, considerando tudo o que passamos juntos, o lendário “Mille Way vermelho do Dalmo do FlatOut” merece.