Que carro você estava dirigindo em 20 de abril de 2012? O mundo mudou tanto nestes 12 anos que parece que se passou muito mais tempo — airbags não eram obrigatórios no Brasil e a Kombi ainda era produzida, por exemplo. A LaFerrari ainda era um projeto secreto, assim como o McLaren P1 e o Porsche 918 Spyder. Paul Walker estava gravando mais um Velozes e Furiosos e Top Gear ainda era apresentado por Clarkson, Hammond e May. O FlatOut nem sonhava em existir e o downsizing ainda estava engatinhando na indústria.
Apesar dessa era completamente diferente, naquela quinta-feira eu estava bem conectado com 2024. Eu estava a bordo de um Volvo C30 elétrico, dirigindo pelas ruas de Itajaí/SC. A Volvo, organizadora da famosa Ocean Race, uma corrida de veleiros que promove seus motores marítimos Penta, passou pela cidade costeira do sul do Brasil e trouxe um C30 para apresentar a tecnologia do futuro. Como eu estava por perto, na época, acabei convidado para dirigir o carro.
Foi uma volta rápida: assumi a direção no portão do centro de eventos onde o carro estava, desci uma famosa avenida da cidade, depois de pouco mais de um quilômetro dei meia-volta numa rotatória (ou rótula, como dizem por lá) e voltei para o evento. O carro tinha placas da Suécia e não seria possível recarregá-lo, então o trajeto foi limitado mesmo. Aquele primeiro contato serviu para me educar, na prática, sobre as características de todo carro elétrico: torque instantâneo e “freio motor” pela recuperação de energia cinética ao se aliviar o acelerador. Interessante, mas estranho sem um ronco.
Passados 12 anos, os carros elétricos se tornaram praticamente uma imposição dos governos de todo o mundo. No Brasil, há estoques abarrotados de carros elétricos, esperando compradores. Por um acaso, acabei me envolvendo com eles mais cedo do que esperava — primeiro acompanhado a rotina de uso, depois eu mesmo dirigindo um desses em viagens curtas.
O carro elétrico não mudou em 12 anos. Não é como um carro a combustão que tinha um 2.0 aspirado de 150 cv em 2012 e agora tem um 1.3 turbo de 170 cv em 2024. Ou um V8 aspirado em 2012 e agora um híbrido com V6 em 2024. O carro elétrico de 2012 anda exatamente do mesmo jeito que o elétrico de 2024 — faço questão de mencionar porque, acompanhando o debate público, noto que é comum a percepção de que os elétricos são um avanço na tecnologia de automóveis. Não são. O que está avançando são as baterias. Aquele Volvo usava uma bateria de 24kWh que lhe proporcionava uma autonomia de 150 km. Hoje, uma bateria com o mesmo peso e tamanho é capaz de fornecer cerca de 45 kWh. O desempenho, contudo, seria o mesmo.
Você rejeita o carro elétrico pelo que ele é, ou pelo que ele representa hoje?
Outro conceito equivocado em relação ao elétrico, é a questão da eficiência do motor, que chega a 85% nos motores elétricos, enquanto os atuais powertrains de combustão ficam na casa dos 35% — ou seja: 85% da energia é transformada em movimento nos elétricos, enquanto nos motores térmicos, apenas 35% é transformada em movimento.
A comparação contudo, é descabida: o motor elétrico é uma máquina diferente do motor de combustão interna, ainda que ambos transformem um tipo de energia em energia mecânica. Isso, por que o motor de combustão interna produz a energia térmica a bordo, enquanto o elétrico tem a energia elétrica armazenada. Por isso, é evidente que o motor térmico será menos eficiente: ele realiza um processo a mais. Se um carro elétrico fosse produzir sua energia elétrica a bordo, por meio de painéis fotovoltaicos e recuperação de energia cinética, ele necessariamente teria de ser menos eficiente devido ao princípio da conservação de energia.
E aqui entra a questão central deste relato: a recarga do carro elétrico no dia-a-dia real. Eu já falei que o carro elétrico pode ser uma opção viável para tipos específicos de motoristas. Taxistas, por exemplo, se beneficiariam com elétricos. Frotistas em geral, profissionais que rodam o dia todo. Esse tipo de uso, combinado à geração de energia solar residencial/comercial é viável. Idealmente com um ponto de recarga particular.
Por quê? Por causa do que eu encontrei nas minhas viagens e pelo que confirmei conversando com os outros motoristas nos pontos de recarga (sim, você faz amigos e troca experiências enquanto espera a recarga, o que é legal, no fim das contas). Viajar de carro elétrico significa fazer um plano de voo. O carro calcula mais ou menos quanto de bateria restará ao chegar no destino e você procura um ponto de recarga na região, em um raio que esteja dentro do alcance da autonomia restante.
Na teoria funciona: há aplicativos mapeando os pontos de recarga, quase todo shopping já instalou carregadores, alguns hotéis e supermercados também, e há ainda a infra-estrutura oferecida pelas distribuidoras de combustíveis, de energia elétrica e pelos próprios fabricantes de veículos elétricos. Na prática, a situação é um pouco mais complicada.
Há dois tipos de pontos de recarga: os de baixa potência (AC) e os de alta potência (DC). Os de baixa são chamados de pontos de recarga mesmo e têm potência de até 21 kWh, embora normalmente tenham 7 kWh ou 11 kWh. Os de alta potência são os chamados “eletropostos”, e variam de 22 kWh a 150 kWh, embora os de 22 kWh sejam a ampla maioria.
Como você está em trânsito, longe de casa, sua prioridade são os eletropostos. E como eles são mais potentes, demandam uma infra-estrutura mais específica. E por causa desta demanda, eles são mais raros. Toda cidade tem, mas não tantos quanto há os de baixa potência. Às vezes é preciso fazer um desvio significativo para encontrar um eletroposto. E não é raro encontrá-los ocupados ou em manutenção.
Nas viagens que fiz com o carro elétrico — todas a até 170 km de casa, totalizando 340 km de ida e volta — em todas as paradas que fiz para recarregar o carro, havia ao menos um carregador em manutenção. Não achei uma estatística brasileira, mas na Europa e EUA o número de carregadores fora de serviço varia entre 15% e 25%.
Havia também carregadores de alta potência operando com baixa potência por limitação da infra-estrutura elétrica do local — carregadores fornecidos por fabricantes, inclusive, instalados em pátios de concessionárias. O principal problema é que se você tem uma bateria de 69 kWh como eu tinha, um carregador de 7 kWh, considerando a perda pelo aquecimento do cabo elétrico e a gestão da bateria pelo software do carro, precisaria de mais de 10 horas para ser recarregada de zero a 100%.
É claro que você não para o carro com zero de bateria, mas considere que você tem 16% de bateria, uma parada de 40 minutos para almoçar no shopping, resultará em menos de 5 kW devolvidos à bateria. Você chega com 16% e, 40 minutos depois, sai com, no máximo, 22% de bateria.
O shopping e os carregadores de baixa potência, aliás, são outro problema. Eles têm o conector compatível com carros híbridos plug-in. Isso significa que você chegará ao shopping com 16% de bateria, precisando rodar 80 km para chegar em casa, sofrendo com a famosa “ansiedade da autonomia” (range anxiety) e todos os carregadores estarão ocupados por carros híbridos, que poderiam parar no posto e colocar gasolina para continuar rodando. Azar de quem comprou elétrico, certo? Cada um com seus problemas e soluções.
Outro problema que encontrei, mas este foi pontual e relacionado à fabricante, que não vou mencionar porque não entrei em contato com ela para questionar o problema, foi a liberação do carregador gratuito pelo app. Um erro no sistema do app me impediu de recuperar a senha e, sem acessar o app, não consegui liberar o carregamento. No meu caso foi um erro no sistema, mas poderia ser um celular sem bateria — não senti muita confiança na dependência deste app.
O uso do carro elétrico acendeu meu interesse pelas vagas de carregadores. Mesmo dirigindo meu velho Up, eu ainda reparo na ocupação destas vagas. Em algumas cidades elas são escassas, em outras, elas sobram. Hoje há poucos elétricos rodando, mas o que acontecerá quando houver muitos? Isso não é um problema quando se tem alternativas como temos hoje. Viajar de elétrico foi possível por que eu tinha tempo e estava relativamente perto de casa. Se tivesse que rodar 200 km a mais por trecho, iria com um carro convencional. Mas haverá um dia em que o carro convencional será proibido.
Da mesma forma, rodar com o elétrico na cidade e nas cidades vizinhas, distantes até 100 km ou 120 km é tranquilo. As velocidades tendem a ser mais baixas e o carro elétrico é econômico rodando a 60 km/h ou 80 km/h. Você vai e volta com uma recarga sem problemas, estaciona na garagem e pluga o seu carregador DC de alta potência, alimentado pelos seus painéis solares. É o cenário ideal para o carro elétrico.
O carregador particular, contudo, pode ter um outro problema relativo à instalação. Mas isso é papo para uma outra hora, quando eu tiver as fotos e os testes que estou planejando fazer. Fique de olho!
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