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Michèle Mouton: a história da garota mais rápida do mundo

Era uma vez uma jovem garota que vivia no interior da França, em uma fazenda de rosas e jasmins, flores que seus pais cultivavam para as famosas perfumarias locais. Apesar de ser uma garotinha em um ambiente perfumado e colorido como um conto de fadas, a jovem francesa não queria saber das flores. Ela estava mais interessada no Citroën 2CV que transportava as flores. Tão interessada que, aos 13 anos, ela decidiu simplesmente pegar o carro e dar uma volta pela fazenda.

A garota se chamava Michèle Mouton, e aquele passeio despretensioso por entre as flores foi o início de uma das carreiras mais bem-sucedidas da história do rali mundial.

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Claro, a jovem Michèle não saiu pilotando o velho guarda-chuvas sobre rodas como você deve estar imaginando. Tente lembrar da sua primeira vez ao volante e você terá uma ideia de como ela dirigiu naquele dia. Felizmente, seus pais não se opuseram ao interesse da garota por carros — mesmo com o susto de achar que o carro estivesse sendo roubado! A partir dali sua mãe passou a ensiná-la a dirigir e a acompanhava em passeios pelas estradas rurais da região nos fins de tarde.

O interesse por corridas veio em 1972, quando Michèle já não era mais uma garotinha. Quando fez 21 anos, um amigo chamado Jean Taibi, que era piloto de rali, a convidou para acompanhá-lo nos treinos para o Tour de Corse daquele ano. Ela foi, gostou e voltou a acompanhá-lo como navegadora no Rally de Monte Carlo de 1973, a primeira prova da primeira temporada do Mundial de Rally da FIA.

 

A estreia ao volante

Depois de algumas provas como navegadora — e agora apoiada pela família — seu pai sugeriu que ela continuasse a competir, porém como pilota. O motivo? Monsieur Mouton não confiava no talento daquele moleque, e achou que sua filha ficaria mais segura se pilotasse seu próprio carro. Então ele comprou um carro e deu a ela um ano para mostrar seus resultados. Foi assim, a bordo de um Alpine A110 ,que Michèle Mouton se tornou pilota de rali.

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Sua primeira prova foi a edição feminina do rali Paris-Saint-Raphaël em 1973, uma tradicional prova disputada entre 1929 e 1974. Depois ela se juntou aos homens no Tour de France Automobile e no Île de Beauté, um evento complementar do Tour de Corse de 1973, no qual Michèle terminou na oitava colocação.

No ano seguinte Mouton voltou ao WRC para disputar o Tour de Corse em sua estreia como pilota no Mundial. A bordo do seu Alpine A110 ela terminou a prova em 12º lugar. Na época diziam que ela só tinha bons resultados porque seu carro tinha um motor “especial”, mas a inspeção dos fiscais do WRC derrubou o boato. No fim da temporada ela conquistou o título francês e europeu entre as mulheres.

Em 1975 ela disputou novamente o Tour de Corse — sua única prova do WRC naquela temporada — e terminou em um bom sétimo lugar. Conquistou de novo os títulos femininos da França e da Europa, e ainda arranjou tempo para se aventurar no asfalto de Le Mans. Com uma equipe formada por três mulheres, ela venceu a categoria de protótipos de até dois litros com Christine Dacremont e Marianne Hoepfner nas 24 Horas daquele ano. Os bons resultados renderam a Mouton um patrocínio da petrolífera Elf (hoje Total) e em 1976 ela levou seu A110 ao 11º lugar do Rally de Monte Carlo e ainda participou do Tour de Corse e do Rallye Sanremo, mas não completou as duas provas. 

Em 1977 a Fiat France a contratou e Mouton voltou ao Rally de Monte Carlo e ao Tour de Corse. No primeiro, a bordo do Autobianchi A112 Abarth, ela chegou em 24º, mas no Tour de Corse, já com o Fiat 131 Abarth, Mouton chegou em oitavo — mesmo achando o carro “um caminhão difícil de pilotar”.

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Em 1978 ela ganhou um carro novo para o Rally de Monte Carlo: o Lancia Stratos HF, que levou à sétima posição. No fim da temporada ela voltou a pilotar o 131 Abarth, mas conseguiu um quinto lugar no Tour de Corse, resultado que repetiu em 1979 e 1980 com o mesmo carro. Com o 131 Abarth ela também voltou a chegar em sétimo em Monte Carlo em 1979 e 1980.

 

A ida para a Audi e a primeira vitória

O grande salto em sua carreira, contudo, veio em 1981. A Audi havia criado sua nova equipe de rali, a Audi Sport, e tinha o carro que estabeleceu as regras dos carros de rali modernos, o Sport Quatro. Ironicamente a Audi escolheu Mouton não apenas por seu talento, mas também por que ter uma mulher como piloto rendia publicidade para a marca. Soa sexista, claro, mas foi a primeira vez que Michèle pôde disputar a temporada completa do WRC.

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A temporada de 1981 começou mal para a francesa: antes mesmo da largada do Rally Monte Carlo um problema com o sistema de combustível de seu Audi Quattro impediu que ela entrasse na disputa. As coisas mudaram mesmo no Rali de Portugal, a terceira etapa daquela temporada e a primeira que Michèle disputou ao lado da navegadora Fabrizia Pons. Juntas elas venceram sete estágios e terminaram em quarto lugar mesmo com problemas elétricos no carro. A quarta colocação da dupla feminina calou aqueles que ainda criticavam a Audi por contratar uma mulher como piloto.

Mas o melhor ainda estava para acontecer. Primeiro no Rali da Acrópole, onde Michèle começou a cravar uma série de melhores tempos nos estágios e já estava em quinto lugar quando os fiscais de prova excluíram os Audi Quattro da disputa alegando infrações de homologação. Depois, em sua estreia no Rali dos 1000 Lagos, Michèle teve dificuldades para se habituar às mudanças de ritmo da prova e, mesmo com tempos consistentes, terminou em 13º.

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A consagração — e o verdadeiro tapa na cara dos críticos — veio no Rallye Sanremo, na Itália. Michèle tomou a dianteira depois de um acidente com o piloto italiano Michele Cinotto, e conseguiu superar Henri Toivonen e Ari Vatanen para conquistar sua primeira vitória — e também a primeira vitória de uma mulher no Mundial de Rali. Seus rivais ficaram sem palavras e tiveram que engolir a presunção masculina típica da época. Ari Vatanen, por exemplo, havia dito no começo do rali que “jamais perderia para uma mulher”.

 

A disputa pelo título

Se a vitória em Sanremo provou a todos que Michèle podia competir de igual para igual com os homens, foi a temporada de 1982 que colocou a francesa no panteão de heróis do WRC. A temporada novamente começou com problemas em Monte Carlo: Mouton sofreu um acidente e machucou um joelho, enquanto Fabrizia Pons sofreu uma concussão. A dupla estava em terceiro lugar àquela altura, e Michèle havia acabado de estabelecer o tempo mais rápido no Col de Turini.

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Em sua estreia no rali da Suécia, Mouton estava em terceiro quando perdeu o controle do carro e bateu no Audi Quattro de Hannu Mikkola, que havia se acidentado no mesmo lugar. Mesmo com a batida, ela terminou o rali em quinto lugar. O rali seguinte foi em Portugal, onde Michèle conquistou sua segunda vitória ao superar Per Eklund. No Tour de Corse o resultado foi um modesto sétimo lugar, mas na corrida seguinte, o Rali da Acrópole, Mouton superou Walther Röhrl e Henri Toivonen para faturar sua terceira vitória e encostar no piloto alemão, que liderava o campeonato com 20 pontos e uma corrida a mais que Michèle.

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Na corrida seguinte, na Nova Zelândia, um problema na bomba de óleo a tirou da disputa, e Röhrl abriu mais 12 pontos, ampliando a diferença para 32 pontos. Mesmo assim, Michèle continuava em segundo lugar no Mundial, 12 pontos à frente de Per Eklund.

Depois da Nova Zelândia o WRC aportou no Brasil (sim, tivemos duas provas do WRC por aqui, mas isso é papo para outra hora) e Michèle voltou a vencer depois que Röhrl perdeu uma roda no último estágio. A diferença caiu para 27 pontos. A disputa continuou forte no Rallye Sanremo. Michèle venceu nove estágios mas acabou em quarto lugar, logo atrás de Röhrl.

A Audi não planejava disputar o Rali da Costa do Marfim, mas decidiu ir à África devido à luta pelo título contra a Opel. Logo antes da largada Mouton, recebeu a notícia de que seu pai não resistira ao câncer e que seu último desejo foi que Michèle disputasse aquela prova. Depois de 1.200 km sob as temperaturas acima de 30º C no primeiro dia, Michèle estava oito minutos à frente de Mikkola e quase meia hora à frente de Röhrl.

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Depois de 5.000 km no calor africano, Mouton já acumulava mais de uma hora de vantagem sobre Röhrl, mesmo perdendo 25 minutos com problemas em sua transmissão. No terceiro dia a Audi teve problemas mecânicos e a diferença entre Mouton e Röhrl caiu para apenas 18 minutos. No último dia Michèle continuou com problemas em seu Quattro e precisou trocar todo o sistema de injeção de combustível e Röhrl conseguiu zerar a vantagem da francesa. A apenas 600 km para o final, Michèle saiu da pista e capotou o carro. Ela ainda dirigiu por cinco quilômetros com o carro destruído, mas acabou abandonando a prova, enquanto Röhrl conquistou a vitória, os 20 pontos e o título mundial, tornando-se o primeiro bicampeão mundial de rali.

Caso tivesse superado Röhrl no rali africano, Michèle reduziria a vantagem do alemão para apenas dois pontos, e precisaria apenas de um terceiro lugar no RAC Rally para ser campeã caso Röhrl vencesse o rali. Mesmo sem chances de conquistar o título, Michèle foi à Grã-Bretanha e terminou a prova em segundo lugar. Como na época contavam apenas os sete melhores resultados de cada piloto, Röhrl terminou a temporada com e 109 pontos, enquanto Michèle ficou nos 97.

Röhrl disse que aceitaria bem o vice-campeonato para Mikkola, mas não para Mouton — “não por duvidar de suas capacidades como piloto, mas por que ela é uma mulher”.

 

O Grupo B

Em 1983 as regras mudaram e foi criado o Grupo B. Na categoria que “separa meninos de homens”, Michèle voltou como uma das favoritas ao título e com um novo carro, o Audi Quattro A1. Ao longo da temporada Michèle conseguiu bons resultados, com um quarto lugar na Suécia, um segundo em Portugal e dois terceiros lugares no Safari Rally e na Argentina, mas não voltou a vencer. Ela terminou o campeonato em quinto lugar, e a Audi perdeu o título de construtores para a Lancia.

Em 1984 a Audi trouxe Walter Röhrl e Michèle disputou apenas cinco etapas do mundial. Seus melhores resultados foram um segundo lugar na Suécia e um quarto no RAC Rally. Depois de perder o título de 1984 para a Peugeot-Talbot, a Audi reduziu seu programa no WRC e tanto Michèle quanto Mikkola foram contratados apenas como pilotos de testes. A única prova disputada naquela temporada por Michèle foi na Costa do Marfim, onde o carro voltou a ter problemas e a Audi até se envolveu em uma suposta troca de carros que levou à retirada de Michèle da prova.

 

Pikes Peak

Apesar do péssimo ano no WRC, Michèle foi escalada pela Audi para levar o Quattro à subida de montanha mais famosa e desafiadora do planeta, a Pikes Peak International Hillclimb. Apesar do piso escorregadio devido a uma tempestade, Michèle quebrou o recorde de Al Unser Jr. estabelecido em 1982 em nada menos que 13 segundos. O americano manifestou publicamente sua irritação e dizem que Michèle supostamente respondeu que “se ele tivesse colhões, disputaria a descida comigo”.

Com seus feitos no rali, Michèle Mouton deixou de ser simplesmente uma das melhores “pilotas” e se tornou um dos grandes nomes do esporte em todos os tempos, reconhecida por caras como Stirling Moss, que a considera “uma das melhores” ao lado de sua irmã Pat Moss, e por Niki Lauda, que a descreveu como “a supermulher”.