Já falamos por aqui do feito histórico de Stirling Moss em 1955, indo de Brescia a Roma e voltando em apenas 10 horas, sete minutos e 48 segundos, a uma média de velocidade de 157,63 km/h. Isso aconteceu em 1955, na 22ª edição da Mille Miglia, que teve início em 1927.
Hoje, partiu de Brescia, na Itália, mais uma edição da prova. Que não tem muito a ver com o que Moss, Fangio e outros gigantes faziam em uma pista composta por estradas comuns, mas é intimamente ligada ao amor de todos eles aos automóveis e às competições. Tanto que chamada de “a corrida mais bonita do mundo”.
A Mille Miglia foi bolada por quatro italianos em 1926: Franco Mazzotti, 22, Aymo Maggi, 23, Renzo Castagneto, 34, e Giovanni Canestrini, 32. Chamados de “os quatro mosqueteiros, eles tinham a intenção de recuperar a tradição de Brescia em corridas de automóveis, depois que o Grand Prix da Itália foi transferido para Monza. Fizeram isso com a ajuda financeira de Mazzotti, o entusiasmo de Maggi, a destreza de Castagneto e as habilidades de comunicação de Canestrini, jornalista da Gazzetta Dello Sport. Foi ele o responsável pela divulgação do evento.
Maggi, Mazzotti, Castagneto e Canestrini
A prova consistia em sair de Brescia em direção a Roma e voltar no menor tempo possível. O percurso, que mudou diversas vezes ao longo dos anos, tinha de ter cerca de mil milhas, pouco mais de 1.600 km. O vencedor da primeira edição foi Giuseppe Morandi, com um OM 665 S, que completou os 1.618 km entre Brescia e Roma em 21 horas e 5 minutos, o que deu um média de velocidade de 78 km/h.
Desde o começo a corrida atraiu multidões, que muitas vezes se reuniam em torno das estradas em que a prova acontecia. Morria gente, e em 1938, depois de um acidente grave, que matou diversos espectadores, Benito Mussolini proibiu a prova de acontecer no ano seguinte. Ela só retornaria em 1940, em um circuito bastante reduzido, de cerca de 100 km no norte da Itália. Os corredores precisavam dar nove voltas nele para completar a corrida.
De 1941 a 1946, a corrida não aconteceu devido à Segunda Guerra Mundial. Foi retomada em 1947, nos moldes originais, e sucumbiu em 1957, depois de dois acidentes fatais e cabeludos na mesma prova. Uma Ferrari 335 S, dirigida pelo piloto Alfonso de Portago, perdeu o controle na cidade de Guidizzolo, matando o piloto, seu copiloto, Edmund Nelson, e nove espectadores. Cinco deles crianças. Portago abusou dos pneus e não parou para trocá-los quando devia. O segundo matou Joseph Göttgens, que dirigia um Triumph TR3.
Ao todo, 56 pessoas morreram entre 1927 e 1957.
A Mille Miglia moderna
De 1958 a 1961, a prova se transformou em uma espécie de rali, que permitia acelerar ao máximo apenas em alguns trechos. Sua curta duração neste formato mostra que ele não agradou.
Em 1977, foi criada a Mille Miglia Storica, a que existe até hoje. Restrita a veículos produzidos até 1957, ela é um rali de regularidade sem a menor pressa. Colecionadores do mundo inteiro levam suas raridades à Itália mais para curtir o clima e as paisagens por onde a corrida original passava do que para acelerá-las. A pegada é outra.
Quem está no caminho do evento tem a chance de ver veículos do naipe de Mercedes-Benz 300 SL, Ferrari 250 GT Coupé Boano, Bugatti Type 35A, Lancia Lambda Torpedo VII, Alfa Romeo 6C 1750 GS Spider Zagato e outras coisas que só se vê no tapete vermelho de Pebble Beach, com a suprema diferença de que, na Mille Miglia, eles rodam.
A recepção aos 438 participantes deste ano foi realizada no aeroporto de Brescia, onde é feito o credenciamento. Com direito a uma esquadria da fumaça pintando as cores da bandeira da Itália no céu. E os caras têm razão de ter orgulho nacional de um evento deste quilate.
Outro ponto de concentração dos competidores na cidade é na Piazza della Vittoria, onde os veículos são vistoriados.
Ali também se vê coisas como Amilcar, BNC, Alvis, Lagonda (a marca), Riley, Invicta, Delage, SIATA, Cisitalia, Bristol, Ermini e muitas, muitas outras fabricantes das quais muitos de nós nunca nem ouviram falar.
Ao contrário do pessoal que acompanhava as corridas de antigamente, a turma que se aglomera em volta dos antigos, na largada e por todo o percurso, sabe que está em segurança. A velocidade é limitada à permitida em cada via e, para muita gente, basta enfiar a cara para fora da janela para ver carros extraordinários.
A corrida é dividida em quatro etapas. A de hoje vai de Brescia a Rimini, depois os participantes seguem de Rimini a Roma. No sábado eles vão de Roma a Parma e no domingo retornam a Brescia para o fim da Mille Miglia.
Ao longo de todo o caminho, público e participantes poderão se fartar de tirar fotos de belíssimas máquinas — caso desse Maserati vermelho e outras, que você vê mais abaixo.
Logo começarão a aparecer vídeos e fotos das próximas etapas. Se esbarrar em algum deles, dê atenção aos links. Serão minutos que valerão a pena.