Um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados pelo deputado Israel Batista, do Distrito Federal, propõe que o valor das multas de trânsito seja proporcional à renda dos infratores.
De acordo com o projeto, os infratores de classe de renda “A” teriam o valor da multa multiplicado em 14 vezes, da classe de renda “B” teriam o valor da multa multiplicado em cinco vezes, os motoristas da classe “C” teriam o valor multiplicado em três vezes. Os motoristas das demais faixas de renda não teriam multiplicação no valor da multa.
A justificação do projeto cita “estudos apontam que há correlação inversa entre o poder aquisitivo e a inclinação do indivíduo a acatar leis e se comportar de maneira socialmente ética, especialmente no trânsito” e ainda menciona Rui Barbosa citando que “a regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”.
Além disso, o texto argumenta que países como Finlândia e Suíça já adotaram o sistema e que “o cidadão que recebe um salário mínimo usa 29% de sua remuneração para pagar uma multa gravíssima”, enquanto um infrator incluído entre os 1% mais ricos do País, cuja renda média, segundo o IBGE, é de 27 mil reais, “a mesma infração representa apenas 1% de seu rendimento mensal” e que “isso significa que temos um sistema que reforça a desigualdade social, favorecendo aqueles com maior poder aquisitivo”.
O problema é que, apesar do discurso ser aparentemente coerente com os princípios de isonomia, o projeto é insustentável legalmente e inviável porque fere princípios constitucionais — entre eles o próprio princípio de isonomia.
A ideia de agravar a infração não de acordo com sua natureza, mas por critérios subjetivos em relação à infração, o que também é inconstitucional pois fere o princípio de isonomia. No caso de punições por infrações de trânsito, o fator que origina a punição é o dano social. Infringir uma lei de trânsito é um dano social que não se modifica de acordo com o agente. Resumidamente uma ultrapassagem proibida é arriscada independentemente da classe social do motorista infrator. Ao tratar os infratores de acordo com sua classe social, fere-se o princípio da isonomia. Só isso deve ser suficiente para que o projeto seja engavetado. Mas ele não para por aqui.
Além disso, o fator multiplicador da multa não tem uma justificativa de proporção. De onde saíram os multiplicadores por 14, por cinco e por três se as classes sociais sequer foram determinadas?
O que nos traz à questão da definição das classes sociais. Segundo o texto do projeto o IBGE é quem deverá determinar estas classes sociais, só que o IBGE baseia suas pesquisas apenas em declarações verbais. Se um indivíduo com renda superior a R$ 27.000 declarar que sua renda é de R$ 2.000, o IBGE acata a declaração por não ter como verificar. Até existe uma lei que pune quem fornece informações falsas ao IBGE, porém a lei, criada nos anos 1970, prevê como punição multa baseada no salário mínimo, o que também é inconstitucional. Na prática, não existe punição para quem fornecer informações falsas ao IBGE.
Por último, ainda que a informação de renda feita ao IBGE seja verdadeira, ela é protegida por lei e não pode ser usada como prova em processo administrativo, fiscal e judicial, ou para qualquer outra finalidade que não a de informações estatísticas. Outra forma de estabelecer a renda é pela declaração anual de imposto de renda de pessoa física (IRPF), só que ela também é protegida por sigilo legal, que só pode ser quebrado em situações excepcionais por meio de processo judicial e quando se esgotarem outras alternativas. Assim, os órgãos fiscalizadores não têm base legal para determinar quanto ganha o infrator de trânsito. Sem isso, a lei não se sustenta.
Apesar das inconstitucionalidades e inviabilidade da lei, o projeto foi aprovado pela comissão de viação e transportes da Câmara. Agora ele segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que irá avaliar se o projeto tem base legal. Por se basear em uma ideia inconstitucional, ele deverá ser derrubado nesta comissão.