Os anos 80 não foram gentis com os muscle cars. As máquinas feitas de metal, combustível e maldade que se tornaram ícones duas décadas antes agora eram como fantasmas, que haviam emprestado seus nomes a cupês quadrados, estrangulados e sem personalidade. E certamente iriam querê-los de volta, se carros realmente morressem e virassem fantasmas.
OK, estamos sendo meio duros com os muscle cars oitentistas, e sabemos que existiam exceções. Mas não deixa de ser verdade – pegue o Ford Mustang, por exemplo, que havia acabado de chegar a sua terceira geração e ganhava uma plataforma completamente nova acompanhada de uma mudança radical no visual.
As linhas agora eram predominantemente retas, a traseira, mais curta (mantendo o formato fastback na versão cupê) e as proporções gerais, menores. Os motores V8 foram praticamente extintos, restando apenas um V8 de 4,2 litros e parcos 120 cv – que nem era o modelo esportivo. Este papel era cumprido pelo Mustang 2.3 Turbo que, como o nome dizia, tinha um motor 2.3 turbo de quatro cilindros e 132 cv. Havia, ainda, motores de seis cilindros em linha e V6, mas ninguém lembra deles.
Você já deve ter lembrado que, hoje em dia, se pode comprar um Mustang com motor 2.3 Turbo de quatro cilindros – e que ele é um belo carro, a ponto de aposentar o V6. É um plot twist meio sacana com os entusiastas, é verdade, mas as coisas são assim mesmo. Mas você sabe de alguma versão do atual Mustang que tenha sido preparada pela McLaren? É claro que não, porque isto não existe.
O Mustang McLaren M81, contudo, existe. Ele foi apresentado em novembro de 1980, pouco depois que a Ford anunciou a divisão SVO (Special Vehicle Operations), em setembro daquele mesmo ano. Por isto, costuma-se dizer que o Mustang McLaren M81 foi o primeiro carro feito pela SVO. Mas isto não é verdade.
Buscando promover a imagem de seu ‘Stang turbinado, a Ford decidiu dar o sinal verde para um protótipo esportivo do Mustang no fim de 1979. O carro começou a ser desenvolvido logo em seguida e quando ficou pronto, foi apresentado à Ford, que o aprovou. Era o McLaren M81.
O carro era pintado de laranja, ou melhor, Bittersweet Orange, em homenagem a Bruce McLaren e à sua equipe. Ele tinha para-lamas alargados de fibra de vidro, material que também era usado no capô; um bodykit novo, sem grade dianteira, e os para-choques e saias laterais eram pintados de prata. As rodas eram BBS de 15×8 polegadas, calçadas com pneus Firestone HPR de medidas 255/55.
Uma das exigências da Ford era que as modificações de performance fossem feitas usando a maior quantidade de componentes de prateleira (isto é, que estavam disponíveis no estoque da Ford). Assim, o motor 2.3 turbo recebeu um regulador eletrônico de pressão, que podia ser acionado por um comando no painel e variava a pressão do turbo entre 0,35 e 0,75 bar. Em sua capacidade máxima, o motor passava a entregar 175 cv – um número que ainda era baixo, mas já melhorava as coisas. Em um teste realizado pela revista Motor Trend pouco depois que o protótipo foi apresentado, o 0-100 km/h foi cumprido em 9,7 segundos, enquanto a velocidade máxima estimada foi de pouco menos de 160 km/h. Justo.
Não podemos ser injustos e dizer que o carro era uma bela porcaria. Com a nova suspensão dianteira independente da terceira geração, uma barra estabilizadora maior e freios do Mustang V8, o M81 devia ser até divertido em uma estrada com curvas ou um circuito misto.
O interior tinha bancos Recaro, um volante de 14 polegadas, painel de instrumentos bastante completo e uma gaiola de proteção parcial na traseira e honestamente, parece um bom lugar para passar algumas horas acelerando. Mesmo que não acelerasse muito.
A Ford planejava fabricar 250 unidades do Mustang McLaren M81, incluindo o protótipo. No fim das contas, apenas 10 carros foram feitos – o valor proposto, de US$ 25 mil (equivalentes a cerca de US$70 mil, ou R$ 216 mil, em dinheiro de hoje) era considerado alto demais. Dos dez, sete eram laranja e os outros eram pretos ou brancos.
O carro que ilustra esta matéria é o primeiro protótipo, que pertenceu por décadas a um colecionador californiano antes de ser comprado pelo proprietário atual. O carro, que só tem pouco mais de 7.800 km marcados no hodômetro, foi anunciado no site Bring a Trailer, em um leilão que terminou ontem. E não foi arrematado.
Não dá para dizer, contudo, que o Mustang M81 McLaren foi um fracasso total: a SVO acabou usando a experiência adquirida pela Ford no projeto na hora de colocar o Mustang de terceira geração para correr no campeonato de turismo da IMSA, que incluía as 12 Horas de Sebring.