Não, caros leitores, ainda não testamos o Porsche 911 GT3 992 – o carro ainda não está no Brasil. Apostamos que não vai demorar porque a Porsche costuma ser bem rápida ao trazer lançamentos para cá, mas no caso do novo GT3, estamos especialmente curiosos para saber como ele anda. Por sorte, a imprensa internacional já teve a chance de acelerar o mais novo 911 feito especialmente para as pistas. Já dá para ter uma noção.
A curiosidade, claro, é natural – é uma nova geração do king of the hill, afinal. Mas há um agravante: a ficha técnica do carro é parecidíssima com a geração passada em potência, peso, dimensões, e configuração mecânica. Ele continua com um flat-six aspirado de quatro litros, agora com 510 cv e 47,9 kgfm – um aumento que é praticamente simbólico: anterior tinha 500 cv e 46,9 kgfm. Ambos pesam praticamente a mesma coisa: 1.430 kg do 992 contra 1.418 kg do 991. E, mesmo assim, o novo GT3 992 foi 17 segundos mais rápido que seu antecessor em Nürburgring: virou 6;55,22 contra 7:12,7 do GT3 991. Um verdadeiro massacre.
Mas… como?
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Brian Wong, do site Motor Authority, foi um dos que puderam dirigir o GT3 992. E ele resumiu perfeitamente o que aconteceu: “Como um carro que não ficou muito mais potente e nem muito mais leve conseguiu ficar assim tão mais rápido que o antigo? Simples: ele melhorou em quase todo o resto.”
Nisso inclui-se a suspensão, que de acordo com Wong é a melhoria mais perceptível no GT3 992. “O 911 GT3 antigo passava uma sensação parecida quando se andava rápido em linha reta, mas era preciso ter muito cuidado ao retomar aceleração nas saídas de curva. A estabilidade lateral aumentou com o novo acerto, e resolveu o problema. O bico do carro parece tão plantado no chão que dava para pisar no acelerador mais cedo e arrancar nas curvas com muito mais confiança. A precisão na hora de apontar nas curvas também melhorou muito, e a redução de massa do motor e do sistema de escape na traseira faz com que o carro não pareça tão leve na frente, o que o deixou mais equilibrado.”
Esta é uma observação interessante pois, por mais que o peso na balança tenha aumentado marginalmente, isso não quer dizer que a Porsche não trabalhou para redistribuir as massas. Ao contrário: o motor é 6 kg mais leve, o escapamento é 10 kg mais leve e a bateria de íon de lítio também é 10 kg mais leve. Os vidros mais finos correspondem a uma economia de 4,7 kg, o capô de fibra de carbono enxuga outros 2,5 kg, e os suportes do motor pesam 3,5 kg a menos. Por fim, a redução no isolamento responde por outros 1,9 kg a menos, a tampa do motor é 500 g mais leve e as rodas forjadas economizam mais 1,3 kg. Somando tudo, temos 40,4 kg a menos. Com discos de carbono-cerâmica, teto de fibra de carbono e bancos concha no mesmo material, todos opcionais, quase se chega a outros 40 kg a menos, mas é preciso levar em conta que só isso já aumenta o preço do carro em quase 10%. Mas, mesmo com a redução de peso “de série”, nota-se que a Porsche fez o possível para, ao menos, manter a massa do novo GT3 no mesmo patamar do antigo.
Também é evidente que, apesar de não ter muito mais potência e torque, o motor do novo GT3 é uma evolução se comparado ao da geração passada. Trata-se do mesmo boxer usado pelo GT3 cup anterior, com mapeamento mais agressivo, cárter seco comandos varíaveis e corpos de borboleta individuais. E, claro, capacidade para girar até as 9.000 rpm antes que a ECU acabe com a festa a fim para preservar o motor.
Para Wong, o motor trabalha com o câmbio em tamanha harmonia que o câmbio manual não faz falta, embora a escolha de 70% dos compradores do GT3 nos EUA, que preferem o manual, seja compreensível. “A diferença de desempenho entre as duas transmissões é grande. O PDK leva o 911 GT3 de zero a 100 km/h em 3,2 segundos, e esse tempo sobe para 3,7 segundos com o manual. Não julgaria quem quisesse trocar as próprias marchas, e esse privilégio continua sendo uma opção sem custo por parte da Porsche. Mas o automatizado é tão bom que é difícil abrir mão dele. As trocas são instantâneas e o câmbio, de alguma forma, sempre sabia em que marcha estar em todos os momentos, como se estivesse lendo minha mente.”
Wong não testou o carro na pista, onde o PDK é perfeito para quem quer baixar tempos de volta, mas em uma estradinha nas montanhas perto de Los Angeles – para quem quer envolvimento no mundo real, o manual talvez fosse mais apropriado. De todo modo, ele foi um dos que elogiaram o novo GT3 justamente por, sem abrir mão do desempenho em pista, ser mais amigável em vias públicas, como um carro para curtir aos fins de semana, que o antigo – pelo acerto de suspensão, que o torna mais controlável nas curvas; pela ótima calibragem do câmbio PDK; e pela direção, que ficou ainda melhor acertada em peso e feedback.
O britânico Andrew Frankel, da Autocar, por outro lado, testou o carro na estrada e na pista. Ele diz que é como se o 911 GT3 tivesse uma personalidade em cada situação, e que ambas são excelentes, mas que sua casa é mesmo o circuito fechado.
“[O novo 911 GT3] é meio desconcertante no começo, porque a direção é diferente do que se costuma ter em um 911 – ela é mais leve que eu esperava. Se dependesse de mim, a assistência seria um pouco mais branda.”
“E eu também deixaria a suspensão mais macia. Repetindo uma manobra feita com o último GT3 RS, a carga das molas dianteiras foi dobrada e o GT3 é decididamente um carro firme nas estradinhas do interior. (…) Falta pouco para ele ser duro demais, mas aqueles que quiserem comprar a nova versão Touring (que a Porsche não confirma mas todo mundo sabe que está para chegar) provavelmente o faria por querer um acerto mais amigável para as ruas, especialmente porque parte do motivo para a nova carga das molas é conseguir suportar o peso da carroceria, mais todo o downforce que o Touring não vai ter.”
Na pista, porém, o 911 GT3 continua irrepreensível, e justamente por causa da nova suspensão e da aerodinâmica retrabalhada.
Frankel, aliás, lembra que a Porsche quase nunca fala sobre downforce em números, a não ser que esses números sejam realmente imporatantes. Então, quando a Porsche diz que a asa traseira do novo GT3 é capaz de gerar até 385 kg de downforce – um aumento de 150% em relação ao antigo –, é bom termos em mente que isto fará bastante diferença na hora de plantar os pneus traseiros no asfalto.
O jornalista inglês atribui a maior parte do bom desempenho do novo GT3 em curvas à nova suspensão dianteira, que pela primeira vez na história do 911 adota braços triangulares sobrepostos no lugar do arranjo MacPherson. “Na verdade, se você quiser dirigir outro 911 com duplo wishbone, terá de gastar um milhão em um RSR igual aos que competem em Le Mans. Literalmente. Essa mudança profunda na abordagem também significa que o eixo traseiro multilink teve de ser completamente reprojetado, pois caso contrário o sistema de esterçamento das rodas traseiras não funcionaria corretamente.” E os efeitos são impossíveis de ignorar. “Não exagero quando digo que você percebe a mudança na suspensão dianteira antes mesmo de sair do estacionamento. É só mexer o volante de leve para ver que o carro responde de forma muito mais imediata e precisa. Ele parece ter balljoints, como um carro de corrida, porque basicamente é isso que ele é.”
“Na verdade”, prossegue Frankel, “se você teve a sorte de se acostumar com a forma como o GT3 se comporta há anos, vai precisar reajustar a forma como dirige esse carro. Até agora, mesmo sem se dar conta, você tinha de lidar com a dianteira o tempo todo, sabendo que, contanto que você soubesse dosar o acelerador, a traseira basicamente tomava conta de si mesmo. Mas isso acabou. A frente desse GT3 é monstruosa: mais afiada, mais incisiva e muito mais plantada que antes. Ela refez toda a equalização do carro, tornando-o muito mais neutro e, sem dúvida, muito mais rápido. Quando soube que ele foi quase 18 segundos mais rápido em Nürburgring que o antigo, achei que muuito disso se devia aos pneus Cup 2R opcionais que o carro do teste estava usando. Agora que eu andei nele, é evidente que a aerodinâmica e a nova suspensão dianteira tiveram papéis igualmente importantes.”
Essa sacada da Porsche foi percebida de forma praticamente unânime. Mas o acerto fino dos amortecedores é mais uma questão de gosto. Tony Quiroga, da Car and Driver, ficou igualmente impressionado com a agilidade da direção e com o trabalho primoroso na suspensão dianteira. Mas não se incomodou com uma suposta firmeza excessiva, e também não reclamou da assistência na direção. “Os amortecedores adaptativos”, diz o jornalista, “foram recalibrados e reprogramados. A suspensão é definitivamente firme, mas os amortecedores são capazes de filtrar a maior parte das imperfeições do piso se você deixá-los no modo Sport padrão. Mudar para o Track deixa a curva de amortecimento mais íngreme e vai te fazer chacoalhar bastante em rodovias de concreto. É melhor ficar no modo Sport, pois os amortecedores ficam mais firmes automaticamente ao ler a carga das curvas, o curso da suspensão e a rolagem da carroceria. É como se o modo Track estivesse sempre rodando em segundo plano e você só precisasse forçar um pouco mais o carro para ativá-lo.”
Quiroga prossegue elogiando a direção. “Todas essas mudanças culminam na direção com melhor feeling de todos os carros à venda hoje. Os socos do asfalto são transmitidos perfeitamente pelo volante e formam uma imagem bem clara do nível de stress que os pneus estão passando. Nenhuma outra fabricante faz uma direção elétrica tão boa quanto a da Porsche. Tudo que acontece com o volante revestido de Alcantara é preciso e natural. É tanta informação transmitida para a palma das mãos que parece não haver assistência nenhuma.”
É uma percepção praticamente oposta à de Andrew Frankel, da Autocar, que elogiou a precisão e o feedback mas achou a direção leve demais. Talvez seja mesmo questão de gosto.
O que todos concordam é que a dianteira ficou muito melho. Nas palavras de Johnny Lieberman, editor da Motor Trend: “Percebi imediatamente como a dianteira é forte, plantada e incansável. Não importa a ordem que você dê aos pneus dianteiros: eles obedecem. Onde você manda eles ficarem, eles ficam. Não há qualquer sugestão ou possibilidade de sair de frente.”
Com tantos elogios ao acerto de suspensão, quase se esquece que o novo 911 GT3 carrega (ao lado do futuro GT3 RS) o fardo de ser, muito provavelmente, o último grande 911 aspirado da história. James Danison, da Car Magazine, chega a dizer que o motor aspirado sequer é o maior selling point do carro, e sim a evolução impressionante em relação ao antigo na hora de contornar curvas, mesmo sem melhorias imensas quando em linha reta.
Nos resta questionar: como a Porsche vai fazer do novo GT3 RS, que deve ser revelado nos próximos meses, um carro ainda melhor?
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Como o novo Porsche 911 GT3 ficou ainda melhor sem perder a essência