Ele quase chegou aos 60. Faltou pouco, só um ano. Em 2024, quando o Camaro sair de linha e se tornar história, ele terá 59 anos. Talvez seja melhor assim. Encerrar o carro no aniversário de 60 anos é algo insensível. Soa como um grande dedo médio ao negócio e tudo o que ele significa. Chegar aos 60 também só deve ser legal em boa forma. Mas como anda meio decadente nos últimos anos, o fim do Camaro em 2024 é até uma forma discreta de sair de cena.
Eu nunca fui um “gravateiro”; por algum motivo que desconheço, sempre preferi o Mustang — o que é curioso, pois um dos meus primeiros brinquedos foi uma miniatura da Super Máquina (que era um Pontiac Firebird, que era o Camaro da Pontiac) e, depois, o Vai e Volta da Estrela, na época em que ele era um Camaro. Adolescente, eu tive não uma, mas duas Chevy Nomad 1:18 da série Road Tough e um Corvette 57 de montar da Burago. Sem contar que boa parte do meu gosto por viagens de carro foi formado a bordo de um Monza SL/E. Mas, como eu disse, os Chevrolet nunca me empolgaram muito.
“Bad Boys” trouxe o Cobra, “60 Segundos” renovou o Mustang como um ícone, trouxe de volta o culto a “Bullitt” e fez toda uma nova geração descobrir quem era o tal Steve McQueen. No boom dos carros retrô, que começou com o New Beetle no finalzinho dos anos 1990, foram os muscle cars americanos os carros que mais se destacaram e permaneceram. E o Mustang foi o primeiro, logo em 2006. Camaro e Challenger vieram mais tarde. O Mustang soube se reinventar da melhor forma. O Challenger soube sobreviver e envelhecer como poucos — como poucos carros e poucos homens.
Já o Camaro acabou meio perdido. Ele fez coisas incríveis em suas duas gerações modernas. Na primeira, ele se tornou um astro do cinema e atingiu o status de ícone popular como o Mustang (Bullitt, 60 Segundos) e o Challenger (Corrida Contra o Destino). Ele virou o Bumblebee e, desde então, todo e qualquer Camaro moderno pintado de amarelo e preto será reconhecido por alguma criança, adolescente ou adulto como “o Camaro Bumblebee”.
No Brasil ele até virou música popular. Tirar onda de Camaro amarelo pode ser meio brega hoje, mas foi divertido há algum tempo. O Camaro amarelo se tornou parte da cultura popular brasileira, assim como a Brasilia amarela, o Mustang cor-de-sangue e o Fuscão preto.
No final da primeira geração do Camaro, a GM decidiu que ele não seria só um rostinho bonito — até por que, a beleza nem sempre dura para sempre. Foi quando surgiu o Camaro ZL1 (“carinhosamente” apelidado por mim de “Camaro Zona Leste 1”), um SS de alto desempenho, com cerca de 30% dos componentes de suspensão e motor exclusivos da versão. Foi ali que os muscle cars começaram a derrubar o estigma de carros de linha reta. Foi só depois disso que a Ford fez o Mustang Boss 302 moderno.
Com o V8 LSA de 6,2 litros e um supercharger comprimindo o ar da admissão a 0,5 bar, ele tinha 588 cv à disposição do motorista, moderados pelo câmbio manual Tremec TR-6060. A transmissão também era diferente, com um eixo de saída mais robusto, carcaça do diferencial mais espessa e um rolamento a mais no eixo primário para suportar o torque extra.
A suspensão era a terceira geração da Magnetic ride, com amortecedores preenchidos com fluido magnético para ajuste de carga. Os freios vieram da Brembo, com pinças de seis pistões na dianteira e quatro na traseira. O sistema de controle de tração (PTM, Performance Traction Management) era o mesmo do Corvette ZR1 C6. Pela primeira vez um Camaro de rua era capaz de encarar os famosos esportivos europeus também nas ruas, estradas e track days.
Durante os testes de desenvolvimento, no final de 2011, a GM levou o Camaro ZL1 a Nürburgring e completou a volta de 20.832 metros em 7:41,27, entrando no território do Lamborghini Gallardo LP570-4 Superleggera e do Porsche 997 Carrera S. Um muscle car andando junto com estes caras, algo inimaginável até então.
Dois anos depois, veio o outro Camaro de alto desempenho, agora resolvendo o problema do peso inerente à plataforma Zeta — a mesma do Omega Fittipaldi, desenvolvida para sedãs executivos, e não para um cupê esportivo. Era o Camaro Z/28. O novo Camaro Z/28, com um pacote aerodinâmico voltado para o uso em pista. Um monstro que ainda está no período do ostracismo e que, sem dúvida, verá seus preços dispararem em alguns anos quando as pessoas lembrarem o que ele significou.
O que ele significou? Bem, começando pelo fim: 7:37 em Nürburgring, mesmo tempo do Porsche 911 Carrera S 991 e Ferrari 458 Italia. Um carro que tinha tanto torque que as rodas chegavam a girar em falso dentro dos pneus — foi preciso frisar as bordas de roda para aderir melhor ao talão dos pneus.
O carro tinha o LS7, um V8 aspirado de sete litros e 512 cv, com o mesmo câmbio de seis marchas do ZL1, um coletor de ar frio vindo da divisão de competição da GM, escape de dois modos (um deles menos restritivo), bancos Recaro com ajustes manuais, pneus Pirelli P Zero Trofeo R, diferencial de deslizamento limitado e freios Brembo de carbono-cerâmica.
Além disso, a GM dedicou um tempo a eliminar peso do carro — seu grande trunfo em relação ao ZL1. Além dos bancos com ajuste manual, ele também tinha o isolamento acústico removido, juntamente do carpete do porta-malas, vidros mais finos nas janelas traseiras e vigia, faróis com lâmpadas halógenas, remoção dos faróis de neblina e, opcionalmente, remoção do ar-condicionado.
O pacote aerodinâmico era composto de um fundo plano conectado ao splitter frontal e ao difusor traseiro, saias laterais e spoiler traseiro revisado. O carro se tornou um verdadeiro especial de pista, digno de competir, por exemplo, com Mercedes AMG C63 Black Series, Audi RS4 e BMW M3 GTS.
Ali foi definida a direção que o Camaro tomaria em sua nova geração, a sexta de sua história e a segunda da era moderna.
Ela chegou em 2016, com visual muito parecido com o da geração anterior — afinal, era um carro retrô inspirado na primeira geração do Camaro; não tinha como ser muito diferente. A principal diferença estava onde os olhos nunca veem: a plataforma Alpha da GM, que foi desenvolvida para os Cadillac ATS, em uma tentativa da GM disputar o mercado de entrada premium com BMW, Mercedes e Audi. Foi o que deu origem ao Cadillac ATS-V — rival direto do C63, M3 e RS4 — e que ajudou o Camaro a perder alguns quilos e a cortar alguns segundos.
Desta vez ele não teve a versão Z/28, infelizmente, mas nem foi preciso: o novo ZL1 combinou as qualidades do seu antecessor com as do Z/28 e se tornou um carro ainda melhor e mais rápido. O motor passou a ser o V8 LT4 de 660 cv — o que o tornou ainda mais potente que o Z/28 — e os aperfeiçoamentos do campo dinâmico foram semelhantes. Havia, por exemplo, uma asa traseira de fibra de carbono, defletores de ar e aletas (dive planes) nos para-choques dianteiros e um splitter frontal. Tudo colaborou com a geração de downforce, ou seja: maior aderência aerodinâmica. Aderência aerodinâmica e muscle car na mesma frase: foi o Camaro quem fez isso.
O ZL1 1LE recebeu ainda novos amortecedores nas quatro rodas, com ajuste de altura independente. As rodas também são exclusivas, com uma polegada a mais na largura e pneus Goodyear Eagle F1 Supercar 3R, com banda de 325 mm na traseira. A aderência mecânica e a aderência aerodinâmica permitem ao Camaro atingir 1,1 G de aceleração lateral — marca superior à do Corvette C6 ZR1 e apenas 0,1 G abaixo do atual Corvette Z06 C7.
O resultado disso? Um tempo de 7:16,04 em Nürburgring Nordschleife — território do Lexus LF-A e Porsche GT2 RS 997.2. Possivelmente o muscle car mais rápido no circuito (o Mustang nunca foi testado em Nürburgring), mas certamente um dos esportivos mais rápidos que se pode comprar antes de partir para um supercarro.
Nos seis anos que se passaram desde então, o Camaro não recebeu nenhuma grande atualização de desempenho, nem uma nova versão ainda mais competente. Pior: uma sequência de facelifts que insistiram em adaptar ao Camaro a “family face” da Chevrolet o deixou cada vez mais distante do carro que conquistou o público e o transformou em ícone pop cultural. Sem novidades positivas, ele viu suas vendas caírem ano a ano, apesar do talento nas pistas. As atualizações do Mustang e a loucura da Dodge convenceram mais o público e agora, o Camaro chegou ao fim da linha.
É irônico que isso aconteça justamente quando o Corvette ganhou um motor central-traseiro, o que abriu espaço para evoluir o Camaro sem o risco de canibalização dos esportivos. Também é o momento em que uma das concorrentes mais fortes sai de cena — me refiro, claro, ao Dodge Challenger, que também teve seu fim decretado. A opção que seria entre Mustang e Camaro, agora será uma falta de opção ao Mustang.
E isso é um problema também para o Mustang: embora ele se venda por si, sem um rival à altura para servir de parâmetro, para empurrá-lo para frente, ele pode se tornar um cavaleiro solitário, vencedor, mas solitário. Mas também pode se tornar um insistente esportivo de uma categoria que já não atrai o público, esquecida em um canto. Não há um segmento para ele. Ele acaba encaixado em um segmento onde não tem chance de competir só porque precisa ser encaixado em algum lugar. Mais ou menos como os Fórmula 1 aspirados durante a era turbo, que tinham um troféu só para eles, mas sem chance de competir pelo título de verdade.
O fim do Camaro, hoje, parece uma solução para um carro que já não é mais tão querido. Mas é o símbolo do fim de uma era — a segunda era de ouro dos muscle cars, atrás somente dos anos 1960, sem sombra de dúvida. A era na qual os muscle cars chegaram ao seu auge como esportivos. Brutos, sonoros, envolventes, dinâmicos. Tudo o que eles sempre foram, e mais o tanto que se tornaram.
A história, curiosamente, se repete: como nos anos 1960, quando a crise do petróleo matou os muscle cars, o muscle car moderno padece sob a histeria climática, que exige o fim de carros de nicho como eles, enquanto toda a legislação estimula carros maiores e menos eficientes como os SUV híbridos.
Mas… se a história é cíclica como parece ser, é apenas uma questão de tempo. Em dez ou quinze anos veremos os legítimos sucessores destes muscle cars e, com sorte, em 40 anos, teremos um revival dos muscle cars dos anos 2010. Difícil vai ser aguentar a espera até lá…