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O futuro dos elétricos não será como todos pensam

Slogans são fascinantes. Eles sintetizam uma ideia em poucas palavras, de forma concisa, forte e memorável. Se fossem música, seriam um riff de guitarra como aquela introdução de “Satisfaction” dos Rolling Stones ou um refrão pegajoso como “As It Was” do Harry Styles. Simples e eficiente.

Vários deles marcaram época e conseguiram fixar uma ideia no imaginário popular. “Apaixonado por carro, como todo brasileiro”, lembra? Os slogans “pegam” as pessoas e costumam funcionar para vender uma ideia, um conceito, um produto ou serviço ou até mesmo ideologia, pois eles usam um efeito psicológico chamado “pré-ativação”, que consiste em usar um estímulo inicial para influenciar a forma com a qual um indivíduo reage a estímulos subsequentes. O slogan é este estímulo: ele apresenta a ideia de forma positiva para que as pessoas sejam mais receptivas ao que ele tenta vender.

“O futuro é elétrico”, por exemplo, é um slogan que temos visto com frequência no universo automobilístico. Ele também causa o efeito de pré-ativação no cérebro: se o futuro é elétrico, quem não aceitar o slogan estará recusando o futuro, ficará no passado, será obsoleto. A leitura semiótica, do significado além das palavras, é: “Se o futuro é elétrico e eu quero estar atualizado, quero estar pronto para o futuro, talvez seja melhor eu dar uma olhada nesse tal elétrico.”

O futuro elétrico, contudo, é um slogan que tenta vender algo. A realidade não precisa de slogans, porque ela não precisa ser vendida, ela é simplesmente o que fazemos e deixamos de fazer dia após dia, o tempo todo. Se há um slogan, é melhor não ter tanta certeza sobre o que ele está dizendo. O objetivo é te convencer de algo, sempre.

O futuro elétrico ainda não é uma certeza como pode parecer. Já falamos sobre isso em nossa série sobre os desafios do carro elétrico, que traz todas as questões que o carro elétrico precisa resolver antes de se tornar o único tipo de automóvel disponível no mercado. Além disso, mais recentemente, muitos membros da indústria têm se manifestado abertamente sobre as dúvidas que ainda pairam no ar quando se fala em futuro elétrico — isso, sem contar, os sinais perdidos nas entrelinhas do discurso verde.

Um destes membros da indústria é ninguém menos que Fritz Indra. Para o grande público seu nome pode ser pouco conhecido, mas seu trabalho é amplamente aclamado. Ele foi chefe de desenvolvimento na Alpina durante o período áureo da preparadora/fabricante nas pistas, durante os anos 1970. Depois, entre 1979 e 1985 foi o chefe de desenvolvimento de motores da Audi, antes de trabalhar na Opel, onde também foi chefe de desenvolvimento, liderando uma equipe que trouxe ao mundo o C20XE e a família Ecotec. No fim dos anos 1990 ele mudou-se para os EUA, onde atuou até 2005 como o chefe de engenharia avançada na GM, até se aposentar e passar a atuar apenas como consultor. Estamos falando, portanto, de um dos mais importantes engenheiros de motores do século 20.

Em uma entrevista recente, concedida à revista alemã Focus, o Dr. Indra se mostrou muito cético quanto ao futuro elétrico e praticamente fez uma espécie de “exposed” dos bastidores do desenvolvimento de motores da indústria automobilística global. Em resumo, Indra afirmou — com base no que vê nos bastidores — que nenhum fabricante está apostando na eletrificação, mas que isso só não é dito por ser politicamente incorreto e por que os acionistas esperam que as fabricantes estejam alinhadas com o discurso ambiental.

De acordo com o Dr. Indra, todos os fabricantes têm um plano B, uma alternativa aos elétricos, e isso se deve por que eles não acreditam que os elétricos se tornarão o futuro da mobilidade. A conversa começa com as impressões de Fritz Indra sobre o Simpósio de Motores de Viena, que reuniu todos os grandes fabricantes em apresentações de seus planos para o futuro.

Apesar de ter sido o primeiro simpósio depois do anúncio do banimento dos motores de combustão na Europa, havia uma “boa atmosfera” e um recorde de participantes, com uma visitação muito alta e várias opiniões contraditórias. “A Volkswagen e a Mercedes falaram apenas sobre mobilidade elétrica, mas tenho certeza de que eles têm um plano B”, disse Indra.

Sua certeza vem justamente dos bastidores. “Antes do simpósio, a VW apresentou o novo 1.5 TFSI Evo-2, um motor impressionante, para um pequeno grupo. No último slide da apresentação da Mercedes, em Vienna, uma nova plataforma foi anunciada como sendo ‘aberta para todo tipo de motorização’. O pessoal do meio sabe que há uma nova família de motores sendo desenvolvida na Geely para esta plataforma, com taxa de compressão 16:1 e ciclo Miller, com eficiência de até 47%.”, explicou.

Para Indra, estes são sinais claros de que a indústria ainda pretende investir nos carros de combustão interna, e que isso só não é divulgado mais abertamente por que “a indústria não pode falar disso no momento”, segundo ele. “Além da pressão política, o mercado de ações ainda está convencido de que o futuro será elétrico. Se um fabricante se comprometer abertamente a produzir motores de combustão interna, o preço das ações cairá — ao menos por um tempo”, completa.

A entrevista ainda menciona todo o investimento que as fabricantes tiveram para adequar seus motores ao novo padrão de emissões Euro 7, questionando se vale mesmo a pena tamanho investimento para aquela que vem sendo conhecida como a última geração de motores de combustão interna. Foi quando Indra disse claramente o que pensa sobre o banimento proposto pela União Europeia: não vai acontecer.

“Não será a última geração de motores porque o pensamento positivo dos políticos não se sustenta. E mesmo assim, os consumidores não vão comprar os carros. Se o motor de combustão interna for realmente banido, as pessoas comprarão um carro antes do banimento e o usarão por 10 ou 20 anos. Então o dinheiro investido nas fábricas terá sido em vão e isso seria uma catástrofe econômica. Estou convencido de que o banimento será revertido.

As eleições europeias serão em 2024 e o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, que foi o principal defensor do banimento, deverá perder o cargo. O plano será revisado em 2026, além disso. Até lá os mandatários se reunirão e o banimento deverá cair — a culpa será depositada no consumidor. Acredito que haverá uma proporção de 85:15 em longo prazo — a favor do motor de combustão interna.”

É uma declaração um tanto ousada, ao mesmo tempo embasada em fatos e em coisas que o Dr. Indra certamente não pode declarar publicamente. A proporção de 15% de carros elétricos também parece ser algo que ele ouviu nos corredores e salas de reuniões da indústria — um engenheiro de sua relevância não pode simplesmente sair dando tiros a esmo.

Outros sinais da inviabilidade do carro elétrico como matriz de mobilidade universal são a mineração de íons de lítio, que terá oferta menor que a demanda (como já discutimos aqui), e uma solução proposta por Elon Musk para reduzir o peso dos carros: fazer das baterias componentes estruturais dos carros, não mais um pacote inserido nele. Isso, segundo Indra, é algo positivo tecnicamente, mas mataria a reciclagem de baterias.

O Dr. Indra ainda menciona que mesmo os motores a hidrogênio, que usam o gás para combustão interna ou para produzir energia elétrica a bordo, ainda são inviáveis em larga escala, devido à oferta de hidrogênio e ao volume dos reservatórios necessários para transportá-lo — atualmente o maior impedimento para a adoção desta tecnologia.

No fim, o Dr. Indra menciona que a eficiência dos motores de combustão interna é perfeita e que não há muito o que ser feito, embora eles pudessem ser um pouco menores, e encerra falando sobre os combustíveis sintéticos:

“Eles foram muito discutidos no simpósio. Sabe-se que um veículo com motor de combustão interna que usa apenas gasolina sintética é completamente neutro em CO2. Dizem que esse combustível é muito caro, mas devido ao alto preço da energia elétrica na UE, a produção local está fora de questão. As plantas estão sendo construídas na África, no Oriente Médio e na América do Sul, e isso permitiria um preço por litro de apenas um euro. Uma abordagem pragmática se concentraria em aumentar estas misturas para que nada precisasse ser modificado nos motores.”


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