O designer Luigi Colani morreu nesta semana, em 16 de setembro, com 91 anos de idade. Seu nome não costuma figurar em listas de maiores designers de todos os tempos, como Giorgetto Giugiaro ou Marcello Gandini. Aliás, seu nome é meio que um truque: ele não era italiano, e na verdade se chamava Lutz Colani. No entanto, o nome “Luigi” lhe soava melhor junto com o sobrenome, pois lhe parecia mais apropriado a um designer, e foi adotado em 1957.
O caso é que, apesar de ter criado alguns (poucos) carros tradicionais no início de sua carreira, Luigi Colani ficou mais conhecido pelo estilo que chamava de “biodinâmico”, apostando em curvas suaves, formas formas alongadas e arredondadas, e diversos elementos que podiam até não ser muito práticos em uso regular, mas certamente conseguiam causar uma impressão forte à primeira vista. E na segunda, na terceira e na quarta, também.
Luigi Colani nasceu em 2 de agosto de 1928 em Berlim, na Alemanha, mas trabalhou por muito tempo em um estúgio de Genebra, na Suíça – razão pela qual costuma-se dizer, erroneamente, que ele era suíço.
Boa parte do trabalho de Luigi Colani consistia em dar formas ousadas e complexas a superfícies de fibra de vidro. Ele conheceu o material no começo da década de 1950, quando começou a trabalhar em na McDonnel-Douglas, fabricante de aviões aeroespacial norte-americana. Pouco tempo depois, mudou-se para a França, onde foi contratado pela Simca, onde criou seu primeiro projeto automotivo – um roadster com carroceria de fibra de vidro (sendo um dos primeiros automóveis feitos com este material) e apenas 95 cm de altura.
Já em 1953, Colani retornou à Alemanha com a ideia de continuar desenhando automóveis. Não levou muito tempo para que ele fosse contratado pela encarroçadora Rometsch, e seu primeiro projeto com eles foi uma nova carroceria para o recém-lançado Fiat 1100 TV, compacto movido por um quatro-cilindros de 1,2 litro. Nas mãos de Colani, o Fiat 1100 tornou-se um cupê aerodinâmico alongado e baixo, com baixíssimo coeficiente aerodinâmico – apenas 0,22. Com este carro, que foi apresentado em 1954, Colani ganhou seu primeiro prêmio de design durante o Salão de Genebra daquele ano.
Depois disto, Colani seguiu projetando carros desta forma – projetos únicos e conceituais, sem pretensão de chegar as lojas: a maioria era para uso próprio. O que ele queria era seguir fiel à sua filosofia biodinâmica de design, demonstrando como ela poderia ser aplicada aos automóveis. Carros produzidos em série eram ocasionais, como o Colani GT, que era um pequeno roadster feito sobre a plataforma dos Volkswagen arrefecidos a ar. Lançado em 1958, ele teve aproximadamente 260 exemplares fabricados.
Pouco tempo depois, em 1963, Colani apresentou um novo conceito, desta vez feito sobre o BMW 700. Pequeno, leve, aerodinâmico e equipado com um motor boxer de dois cilindros, ele foi um dos primeiros esportivos a usar construção monocoque.
Luigi Colani sabia que seus projetos eram polêmicos, e que não agradavam a todos. Mas ele simplesmente não ligava – ao contrário, ele geralmente buscava chocar o público com seus projetos e opiniões. Exemplo disto era o Colani C112, de 1970, que de acordo com o projetista era uma resposta ao Mercedes-Benz C-111. Colani o considerava “patético” por ser convencional demais, e por isso o C-112 parecia mais uma nave espacial roxa.
Também em 1970, Colani criou o conceito Le Mans, que usava mecânica Lamborghini e tinha uma estrutura dupla articulada: na metade dianteira, ficava o habitáculo, enquanto atrás ficavam o motor e o câmbio.
Pouco tempo depois, em 1972, Colani foi chamado pela equipe alemã de Fórmula 1 Eifelland para desenhar seu novo monoposto, aproveitando o conceito de asa invertida no qual vinha trabalhando desde 1972. O resultado foi o Eiffeland-March E21, que trazia o cockpit destacado em um elemento aerodinâmico com tomada de ar, e um característico retrovisor com haste longa. Embora fosse muito impressionante visualmente, o projeto não proporcionava arrefecimento adequado ao motor V8 Ford.
Outro projeto famoso de Colani na década de 1970 foi sua Ferrari 365 Daytona de 1974. Colani aproveitou que a Daytona já não era a mais convencional das Ferrari, e deu a ela uma dianteira mais baixa e um avantajado scoop (totalmente funcional) no capô.
Foi nesta época que Colani aproximou-se da Volkswagen, para quem começou a prestar realizar serviços de consultoria aerodinâmica. Com a Volks, em 1976, ele embarcou em um projeto para quebrar recordes de velocidade, usando o monobloco do VW Polo, porém com uma carroceria baixa, em forma de cunha. O motor 1.1 recebeu um turbocompressor para atingir os 142 cv – e, com ele, o protótipo alcançou os 238 km/h.
Outro trabalho de Colani com a Volks foi um protótipo de modelo urbano, criado em 1977, também sobre a base do Polo. Sua carroceria, claro, abusava das formas arredondadas, incluindo faróis, grade (esta, composta de várias entradas de ar circulares), janelas laterais e vigia traseiro.
No ano seguinte, Luigi Colani criou um de seus projetos mais icônicos: o Colani Truck. Imaginando como os caminhões seriam em 2001, o veículo tinha uma cabine totalmente avant-garde, com um capô baixo e uma espécie de “bolha” para o habitáculo. A Colani construiu uma série destes caminhões nas últimas décadas, dando origem até mesmo a um motorhome com limpador de para-brisa giratório.
Em 1981, Colani novamente usou um BMW como base – desta vez, o então recente esportivo M1. Colani deu a ele uma carroceria futurista e arredondada, que parecia algo de dez anos depois. Também foi na década de 1980, conhecida como a década dos excessos, que Colani projetou alguns de seus conceitos mais ousados. Por exemplo, a Ferrari Testa d’Oro, baseada na Testarossa, que foi criada para recordes de velocidade e tinha um motor flat-12 biturbo de 760 cv. Ela atingiu os 351 km/h em 1991, com uma carroceria modificada, mais longa, mas igualmente “orgânica”.
Outro exemplo, também concebido para recordes de velocidade naquele mesmo ano, foi o Corvette Charisma. Com um V8 sobrealimentado e potência superior a 800 cv, o carro chegou aos 400 km/h nas planícies de sal de Bonneville.
Paralelamente a tudo isto, Luigi Colani nunca deixou de dedicar-se ao design industrial. Além de suas peças conceituais, sempre usando o princípio da biodinâmica criado por ele, Colani também investia em itens mais convencionais e lucrativos – que eram a fonte de sua fortuna. O exemplo mais conhecido certamente é a Canon T90, câmera lançada em 1986 cujo esboço original foi desenhado por Colani e aperfeiçoado pela equipe de design da empresa. A T90 tornou-se uma das favoritas dos fotógrafos, que elogiavam sua ergonomia e sua robustez (ela era conhecida como “The Tank”) – e a Canon reconheceu a importância de Colani no projeto, dando a ele a primeira câmera fabricada, com seu nome gravado na carcaça. Luigi Colani também desenhava eletrodomésticos, móveis planejados e esculturas.
O projetista seguiu fiel a seu estilo nas últimas décadas, com automóveis como o Mega-Roadster Horch, que tinha um quê de conceito dos anos 1960. Além da carroceria longa, com a dianteira bifurcada, o carro tinha um ornamento de capô para lá de criativo: tinha o formato de uma mulher nua, deitada, como se estivesse “nascendo” da carroceria, segurando o emblema da Horch como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Já nos anos 2000, o caminhão Colani Super Truck chamou a atenção por sua cabine totalmente isolada do powertrain, em uma espécie de pod cônico flutuante, enquanto na base ficava o powertrain.
Olhando o trabalho de Luigi Colani, fica evidente que ele criava seus carros para agradar mais a si mesmo do que aos outros. E ele era amado e odiado por conta disto – algo que lhe agradava, na verdade. Seus projetos podiam não ser bonitos do ponto de vista tradicional, mas é certo que o mundo do design automotivo perdeu uma de suas mentes mais ousadas e criativas.