Há quase 15 anos, no distante ano de 2001, as vertentes automotivas eram um pouco diferentes de hoje. Quer um exemplo? O drifting era popular apenas no Japão, os carros antigos eram coisa para entusiastas mais experientes (em todos os sentidos), os estilos JDM, eurolook e german look ainda eram apenas características regionais de seus respectivos países e Mavericks, Dodges e Opalas eram vendidos por pouco mais que um jogo de rodas com pneus.
Na verdade, no fim dos 1990 os EUA viram o crescimento de uma nova cena automotiva bastante diferente dos tradicionais hot rods e muscle cars nativos da América, a chamada “Import Tuner”, algo que podemos traduzir como “preparação de importados”. Nesse caso, não se trata exatamente de carros importados, mas sim de marcas estrangeiras, como Volkswagen, Toyota, Nissan/Datsun, Honda e Mitsubishi — estas últimas vindas do Japão como solução econômica para a crise do petróleo.
No início esses carros eram meio ridicularizados pelos americanos, afinal, eles usavam motores de quatro cilindros, com deslocamento baixo e tinham porte compacto — bem diferentes do que o público americano havia aprendido gostar e estava acostumado. Mas com o tempo (e uma pequena ajuda de esportivos como os Z-Cars da Nissan, Toyota Supra, Mitsubishi Starion e Honda NSX), o potencial dos modelos importados mais acessíveis aos jovens de classe média, como os Civic, CRX, MR2, Datsuns e afins, começou a ser explorado pelos preparadores e pelos novos entusiastas. Como estamos falando dos EUA, onde as demandas são rapidamente (e facilmente) atendidas, não demorou para que um grande mercado de peças de preparação se desenvolvesse, alavancando popularização da nova cultura.
Definir marcos históricos é sempre um trabalho complexo, e que requer a observação de vários fatores, mas no caso da cena “import” podemos dizer seguramente que seu primeiro grande evento foram as Drag Wars, realizadas a partir de 1997. Tratava-se de um evento de arrancada aberto unicamente aos carros de marcas não-americanas que consolidou a cena “import tuner” nos EUA, que por sua vez teve seu auge ao inspirar o primeiro filme “Velozes e Furiosos” (The Fast and The Furious – 2001). A ideia ali era mostrar que havia uma cena que ainda era desconhecida, e usá-la como pano de fundo para a trama (uma história que nós contamos neste post sobre o “Toretto do mundo real“).
É por isso que vemos apenas dois carros americanos (A F-150 de Brian e o Charger de Dom) nos 106 minutos do filme. Também é por isso que o único carro europeu que protagoniza o filme não é um Porsche 911, nem um BMW M3, mas sim um modesto Jetta Mk3. E ele não tinha estilo “germanlook”.
Em vez disso, o Jetta 1995, que pertencia ao personagem Jesse — um dos membros da “família” de Toretto — tinha rodas de 19 polegadas, dianteira modificada com faróis de Golf, body kit aftermaket e os típicos grafismos da cena tuner da época.
O modelo original era mecanicamente era idêntico ao Golf GLX mexicano que tivemos por aqui, equipado com um motor 2.0 8v muito parecido com os AP, porém com cabeçote de fluxo cruzado. Era a resposta da Volkswagen ao Civic, ao Corolla e ao Sentra, os compactos japoneses mais populares nos EUA. O desempenho não empolgava — eram 116 cv, 10,5 segundos de zero a 100 km/h e máxima de 200 km/h. Mas como os brasileiros, os americanos também descobriram o potencial deste motor quando sobrealimentado.
O próprio Jesse confiava tanto no turbo do seu VW “big AP threeandahalfkilos” que o colocou para correr contra um Honda S2000 com mais de US$ 10.000 em upgrades valendo as chaves do carro. É lógico que ele levou um couro do japa e perdeu o Jetta — e depois se recusou a entregá-lo e acabou assassinado pelos asseclas de Johnny Tran.
Diferentemente da maioria dos carros de Hollywood e como vários outros carros de “Velozes e Furiosos”, o Jetta do Jesse foi realmente transformado em um legítimo import tuner, com preparação de primeira. Na verdade, a preparação é melhor que a de muitos carros premiados em feiras e eventos. Vá vendo.
O motor ganhou comando de 260 graus com polia ajustável, coletor de admissão Eurospeed, sistema de nitro com injeção no coletor, filtro esportivo K&N, cabos de vela Nology de 10 mm, escape de inox Sebring Tuning com saída dupla de fibra de carbono da DTM e ECU AMS. A suspensão original foi trocada por coilovers da H&R e barras estabilizadoras da Eibach, os freios usam discos de 343 mm na dianteira com pinças de quatro pistões da Brembo.
O visual careta do Jetta original ficou bem mais descolado com as rodas Konig Tantrum (19×8) pintadas de branco, bodykit RS Racing Series da Wings West, alargadores de para-lamas do modelo europeu (Vento), retrovisores Hagus Sport, faróis Hella duplos e a asa traseira estilo “Commando”.
Por dentro os bancos originais deram vez a um par de conchas Supersport da Sparco. Os cintos de três pontos foram trocados por um modelo de quatro pontos da RCI, o acabamento interno é todo de couro preto, os pedais de titânio, a manopla do câmbio é de fibra de carbono, os instrumentos são da Gauge Works e Auto Meter, e há até uma gaiola AutoPower com suporte para câmera.
E como todo carro tunado da época, o Jetta também tem vocação para pancadão, com um sistema de áudio composto por um rádio Alpine CVA-1000, dois magazines de CD (isso é muito 2001!) com capacidade para 18 discos no total, um “Clarion VCR” (aparentemente um… vídeo-cassete!!!) dois subwoofers SWR de 12 polegadas e, claro, um PlayStation 2. O único problema para os entusiastas é que o carro é… automático. Mas tudo bem: é um legítimo carro de “Velozes e Furiosos”.
Agora… o mais legal é que o Jetta não ficou abandonado em um galpão empoeirado da Universal Studios como certos heróis automotivos do cinema. Ele foi vendido a colecionadores e acabou na mão do ator e piloto Frankie Muniz (mais conhecido por seu papel de “Agente Teen”) que agora decidiu vendê-lo em um no próximo dia 21 de janeiro. O carro foi autografado por Paul Walker, Chad Lindberg (o ator que interpretou Jesse) e pelo diretor Rob Cohen. O valor inicial do leilão não foi divulgado.