Ontem mesmo começamos o dia falando sobre um Mazda MX-5 bem especial: um exemplar da primeira geração com um motor V6 Jaguar, dando ao carro quase o dobro da potência sem alterar suas características dinâmicas. Mas todo mundo que conhece a fama do Miata sabe que a receita original não precisa de verdade de mudanças: compacto, leve e dotado de câmbio manual, tração traseira e pouco mais de 100 cv, o roadster é um carro ágil, esperto e equilibrado – garantia de diversão ao volante.
Até a própria Mazda sabe disto. Tanto que, em 29 anos e quatro gerações, a essência do projeto mudou bem pouco. Fora a identidade visual do carro, características como dimensões, potência e peso dos modelos NA (1989), NB (1998), NC (2005) e ND (2014) são muito parecidas. O que nos leva a questionar: como o atual Miata se compara ao clássico que começou tudo?
Felizmente existe quem possa responder a esta pergunta: Keiichi Tsuchiya, o Drift King, que teve a oportunidade de conduzir ambos em um episódio de 2015 do Best Motoring, quando a quarta geração do Miata – chamado Mazda Roadster no Japão – ainda era novidade. No que os dois carros são parecidos? E no que eles são diferentes?
Para começar, vamos observar as especificações técnicas dos dois carros: tanto o Miata NA quanto o ND têm construção monobloco e suspensão independente nas quatro rodas, mas enquanto a primeira geração usa braços triangulares sobrepostos na dianteira e na traseira, com a quarta geração a Mazda optou por um eixo traseiro do tipo Multilink, visto que este tipo de suspensão possui uma amplitude muito maior de ajustes de geometria – é possível controlar de forma mais precisa ângulos de cambagem, cáster e toe/yaw.
Dito isto, as dimensões dos carros são absurdamente parecidas, considerando a diferença de quase três décadas entre ambos. O primeiro Miata tem 3.970 mm de comprimento, 1.675 mm de largura e 1.235 mm de altura; enquanto o atual tem 3.915 mm de comprimento, 1.735 mm de largura e os mesmos 1.235 mm de altura. O entre-eixos do NA é de 2.265 mm, enquanto o ND tem 2.310 mm. Já as bitolas do Miata ND são mais largas: 1.495 mm na dianteira e 1.505 mm na traseira, contra 1.405 mm e 1.420 mm no NA, respectivamente.
O peso de ambos é assustadoramente próximo: o Miata clássico pesa 940 kg e o atual, 990 kg (ambos em especificação japonesa, obviamente). Isto por si só é notável: mesmo com uma estrutura mais rígida e mais equipamentos de segurança, de acordo com a legislação atual, o Miata ND pesa apenas 50 kg a mais. E também é 100 kg mais leve que a geração anterior, graças ao uso de materiais mais leves. Para se ter ideia, o motor de 1,5 litro é 14 kg mais leve que o 1.8 da geração anterior; o câmbio é 7 kg mais leve; a suspensão, graças ao uso de alumínio nos braços inferiores, pesa 12 kg a menos e até mesmo o teto de lona perdeu 3 kg.
Falando em motor: o Miata clássico usado como parâmetro de comparação pela Best Motoring tem 1,6 litro (1.588 cm³), comando duplo no cabeçote, 120 cv a 6.500 rpm e 14 mkgf de torque a 5.500 rpm. O Miata vendido no Japão em 2015 também era movido por um quatro-cilindros com comando no cabeçote, porém de 1,5 litro (1.496 cm³) com injeção direta de combustível, 131 cv a 7.000 rpm e 15,3 mkgf de torque a 4.800 rpm. O câmbio da primeira geração era manual de cinco marchas, enquanto a atual tem seis marchas. Outra diferença importante: o Miata NA não tem freios ABS, presentes no ND. E os pneus, obviamente, são mais largos e com perfil mais baixo no carro mais novo: 195/50 R16, contra 185/60 R14 no mais antigo.
O Miata clássico de primeira geração vai de zero a 100 km/h em 8,5 segundos, com máxima de 188 km/h. O carro atual precisa de 7,3 segundos para ir de zero a 100 km/h, e sua velocidade máxima é de 214 km/h. Acontece que, em um carro como o Miata, números são quase um detalhe. O conversível da Mazda sempre teve a ver com a experiência ao volante e com o acerto dinâmico.
E, para ver como se comparam, Keiichi Tsuchiya conduziu ambos na famosa Gunsai Touge, um depois do outro. Ele não fez questão de procurar a trajetória mais rápida, mas também não poupou nenhum dos dois carros. O piloto procurou divertir ao volante, o que incluiu algumas saídas de traseira propositais, obviamente. Ambos são complacentes na suspensão e respondem imediatamente aos comandos do motorista, como se “o vestissem”. Dito isto, naturalmente o Miata mais novo é mais rápido, e o Drift King disse que “para pessoas normais, é o carro perfeito”. Embora tenha observado, por preferência pessoal, colocaria no carro amortecedores mais firmes e abaixaria a suspensão alguns milímetros para reduzir a rolagem.
Keiichi rasgou elogios à “alma” do NA, dizendo o quanto era divertido acelerar um motor 1.6 naturalmente aspirado de 120 cv usando toda a faixa de rotações, sempre de pé embaixo. Não é um carro rápido, mas é um carro que envolve o motorista e está sempre à disposição. E o mesmo pode ser dito do Miata de quinta geração.
A conclusão de Keiichi não nos surpreende tanto considerando apenas a proximidade na ficha técnica nos dois carros – ainda que a própria proximidade entre projetos com uma distância temporal tão grande seja surpreendente por si só. Na prática o Miata ND foi mais de 1 segundo inteiro mais rápido no trecho da Gunsai Touge que foi cronometrado: 30,491 segundos contra 31,599 segundos do NA. Além de ser mais potente, o motor 1.5 com injeção direta rende mais em baixas rotações e gira mais alto, o que não apenas reduz o tempo de aceleração, mas também permite que o carro recupere velocidade com mais eficiência nas saídas de curva. Em um circuito longo, com mais trechos retilíneos, certamente estas características também possibilitariam maior velocidade final nos trechos de alta e reduziria consideravelmente os tempos de volta.
Na hora de contornar as curvas em si, também não há muito segredo: a relação entre bitolas mais largas e entre-eixos mais curto faz com que o carro mude de direção mais rápido ao permitir que ele lide melhor com a inércia polar. Os pneus mais largos garantem mais aderência e a suspensão proporciona menos rolagem da carroceria. E isto porque estamos falando de Keiichi Tsuchiya, o rei do drift – no grip certamente a vantagem dos anos de evolução na engenharia ficaria ainda mais evidente. Com 11 cv e 50 kg a mais, o ND também tem relação peso/potência um pouco melhor, de 7,55 kg/cv. O NA tem 7,92 kg/cv.
A questão, dito tudo isto, não é o quanto o Miata ND é mais rápido do que o NA, porque isto era até óbvio. A questão é o quanto a quarta geração conseguiu preservar do Miata original.
Provavelmente foi coincidência o fato de a Best Motoring ter legendado este vídeo justamente quanto vimos o Miata com motor V6. Ficamos tristes em lembrar o quanto seria difícil replicar este projeto no Brasil, e não só pelo custo. Mas aí, ao ver como a Mazda conseguiu fazer “o mesmo carro, só que melhor” 30 anos depois, é seguro dizer que, ao menos hoje, o MX-5 é o carro que mais faz falta na garagem do entusiasta brasileiro. Sorte dos que conseguiram colocar as mãos naqueles que entraram no Brasil no começo da década de 1990.