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Car Culture

O Mercedes CLE AMG será o rival que o BMW M3 nunca teve – e continuará não tendo

Nem todo mundo percebe, mas na briga dos esportivos do Mercedes Classe C, do Audi A4 e do BMW Série 3, quem chegou primeiro foi a Mercedes. Foi em 1984, há 40 anos, que a Mercedes colocou nas ruas o 190E 2.3-16 Cosworth, apresentado no final do ano anterior. O BMW M3 só chegou dois anos mais tarde, em 1986, e a Audi, apesar de ter o Quattro, só foi concorrer com essa dupla diretamente na segunda metade dos anos 1990, quando o primeiro S4 baseado no A4 deu as caras — já que o S2 sedã teve pouquíssimas unidades produzidas.

Apesar de ter chegado depois, o BMW M3 foi quem estabeleceu as regras do segmento. Ele se tornou a referência de desempenho para um sedã (ou cupê) médio, o benchmark da categoria, posição que ocupa até hoje — não apenas por mérito de seus engenheiros, mas também pela incapacidade de seus rivais de entregar um carro capaz de competir com ele quando se fala em comportamento dinâmico, acerto de pista e tudo o que se procura e importa em um sedã/cupê esportivo desse porte.

Tanto Mercedes quanto Audi sempre pareceram hesitantes e fazer um modelo focado no combate com o M3. A Classe C só foi ter um cupê em 2011, enquanto a Audi inventou o RS5 um ano antes, em 2010. E nenhum deles era realmente apontado para o M3. Nesse sentido, o M3 sempre reinou sozinho como cupê — mesmo quando mudou de nome para M4 e ganhou a concorrência interna do 1M e, depois, do M2.

A falta de rivais para o M3 se deve muito à atuação da Mercedes, que chegou a considerar uma versão de duas portas do 190E, mas como conversível — algo que poderia dar origem a um cupê. Por alguma razão eles desistiram da ideia e mantiveram apenas o cupê do 300E, que é o ancestral da atual Classe E, adiando os planos para os anos 1990. Foi quando nasceu o rival que o BMW M3 não teve — apesar de ele ter existido: o Mercedes-Benz CLK.

O CLK é um híbrido. Como a mula é o resultado do cruzamento do burro com uma égua, o CLK é o que acontece quando você monta um Classe E cupê sobre um Classe C. É um carro que nasceu para substituir o 300CE, mas também para atender o público que procurava um cupê com o porte da Classe C. Isso, porque embora tivesse elementos estéticos da Classe E W210, lançada em 1995, ele era baseado na plataforma da Classe C W202, de 1993 (que era uma evolução da W201 de 1982).

O CLK, como o Série 3 cupê, tinha versões mundanas, com motores de quatro cilindros aspirados, mas também tinha motores sobrealimentados com compressor de polia. E, claro, ele tinha uma versão AMG que poderia competir com o M3. Ele chegou em 1999, quando a BMW ainda vendia o M3 “Evolution”, com o motor S50 atualizado para deslocar 3,2 litros e produzir 320 cv — 27 cv a menos que o CLK55 AMG, que usava um V8 aspirado de 5,4 litros com 347 cv. Promissor no papel, não?

Mas… na prática, o CLK tinha dois problemas. Ele era equipado apenas com o câmbio automático de cinco marchas, sem opção de caixa manual como o M3. Depois, sua natureza híbrida falava mais alto: mesmo tendo o porte da Classe C e do M3, ele parecia um CLK, mais comportado, menos esportivo. Mais gentleman driver que piloto de fim de semana.

Foi também um problema de timing para a Mercedes. Em 2000 a BMW colocou nas ruas o M3 E46, uma pequena obra-prima em forma de cupê esportivo, com um dos melhores seis-em-linha já fabricados na história do automóvel, o S50, agora atualizado como S54, com os mesmos 3,2 litros, mas produzindo 343 cv — apenas 3 cv a menos que o CLK55.

Dois anos depois a Mercedes lançou a nova geração do CLK. Agora com uma identidade mais própria, menos ligada ao Classe E, embora ainda influenciada por ele. A plataforma agora era a do Classe C W203 — ainda o visual do carro maior na base menor. Parecia que a rivalidade ia embalar. O modelo AMG mantinha o V8 de 5,4 litros, mas agora com 367 cv. E quando a Mercedes soube que a BMW estava preparando um M3 V8 para 2007, eles simplesmente colocaram um V8 de 6,2 litros e 481 cv. No mesmo ano em que a BMW lançou o M3 E92, a Mercedes colocou no páreo o CLK 63 Black Series, com uma versão de 507 cv do V8 6.2.

Tinha tudo para dar uma surra no M3, mas ainda faltava a identificação do público. O M3 era o esportivo da Série 3. O CLK era o esportivo do que mesmo? Era um Classe E ou um Classe C? Por que estamos comparando esse GT com um esportivo como o M3? Faz sentido? No papel até fazia. Mas na hora de acelerar, de passar o dia na pista, eles eram animais distintos: o BMW era um cavalo de corrida, e o CLK ainda era uma mula. Uma excelente mula, mas ainda uma mula — no conceito e na prática.

Em 2011, a Mercedes decidiu mudar tudo de novo: o CLK seria substituído por dois carros. Os dois carros que fizeram ele em 1997: o Classe C, que finalmente ganhava um cupê próprio, e o Classe E, que voltava a ter um cupê. Curiosamente, o Classe E cupê não era baseado na geração W212 da Classe E, mas na mesma plataforma 204 do Classe C. Ou seja: era um CLK com outro nome. O Classe C AMG se tornou um cupê brutal, que chegou além dos 500 cv na versão Black Series, enquanto o BMW permanecia nos 400 cv baixos. O Mercedes era um verdadeiro muskelwagen, um muscle car alemão. Bruto, com potência que beirava o incontrolável, uma festa para os sentidos. Mas não tinha o equilíbrio que o M3. Era um animal diferente. Se o M3 era um cavalo de corrida, o C63 AMG era um touro de rodeio.

O BMW M3 continuou evoluindo e ficou ainda mais equilibrado quando abandonou o V8 em favor do bom e velho seis-em-linha, agora com dois turbos. A potência aumentou pouco, mas o peso compensava. O Classe C ganhou um V8 menor, de 4 litros, também com dois turbos, mas ainda era um animal diferente do BMW M3 (agora batizado M4).

Talvez por isso a Mercedes decidiu que, nesta atual geração do Classe C e do Classe E, eles não teriam um cupê próprio. Se a marca já faz o CLA e o CLS, por que não fazer o… CLE? O conceito é o mesmíssimo de 1997: plataforma da Classe C com elementos do Classe E. Ele terá uma versão CLE63 AMG e certamente terá um V8. Mas ele vai competir com o BMW M4? Dificilmente. Não dá para repetir uma fórmula e esperar um resultado diferente. Especialmente quando seu rival mantém as qualidades que fizeram essa fórmula não ser suficiente. O CLE vai virar um animal diferente, não uma mula, nem um touro de corridas. Talvez um bom cavalo, mas não o melhor cavalo. Eu sei disso porque ele não tem espaço para isso na linha Mercedes. E se ele não tem espaço nem mesmo dentro de casa, como terá fora dela?

O CLE, no fim das contas, parece ser um carro para momentos difíceis, para quando a Mercedes precisa preencher nichos, mas não pode/deve investir muito. Estamos claramente em um destes momentos — basta olhar para os lados e notar as incertezas da indústria. Não dá pra mudar as regras do jogo quando você só está cumprindo tabela, não é mesmo?