Agora que a “Inteligência Artificial” está na moda, tenho visto muitas imagens de carros que nunca existiram, materializados em imagens compostas por esses algoritmos bem-sacados. Algumas coisas saem estranhas, mas outras ficam interessantes ao ponto de nos levar para uma viagem pelas realidades alternativas do multiverso. Como teria sido um Porsche Cayenne 1980, por exemplo? Ou um Série 5 E34 Coupé? Ou ainda um McLaren F1 Roadster?
Pensando a respeito, me dei conta que alguns carros que existem atualmente foram inventados no passado, mas não por suas fabricantes, e sim por preparadoras independentes e encarroçadoras. Quer um exemplo? O Porsche Panamera.
Troutman-Barnes 911 ontem, Porsche Panamera hoje
Como seria um Panamera dos anos 1960? A Troutman & Barnes, antiga encarroçadora californiana tem a resposta. Pois eles fizeram um Porsche quatro-portas e com chassi alongado, nos mesmos moldes do que se tornaria o Panamera.
A história começou em 1967, quando um americano chamado William Dick, proprietário de uma loja Porsche no Texas, decidiu dar um esportivo à sua esposa e percebeu que nenhum carro de sua coleção — que era composta por modelos Ferrari, Porsche e Rolls-Royce —, tinha quatro portas.
Diante deste problemão, ele decidiu criar uma versão quatro-portas do Porsche 911 e enviou seu gerente-geral à Itália com a missão de encontrar um carrozziere capaz de construir o modelo exclusivo. Só uma empresa levou o funcionário a sério e chegou a produzir esboços técnicos para tal carro. Foi quando ele recebeu a sugestão de que os californianos da Troutman & Barnes seriam a empresa certa para essa empreitada tão excêntrica.
Os caras toparam, e começaram cortando ao meio um 911 1967 novinho em folha. Para fazer as portas traseiras, eles usaram as portas originais do 911 remodeladas e montadas em posição invertida em lados opostos aos originais. Como a coluna B era finíssima e as portas tinham dobradiças na parte de trás, elas acabaram ancoradas na traseira, com abertura tipo “suicida”, e receberam uma janela em peça única, sem os quebra ventos.
Dick conseguiu encomendar com a própria Porsche um par de bancos individuais idênticos aos dianteiros, porém sem trilhos nem ajuste de reclinação — entre eles passa o túnel central, como em todo Porsche de quatro lugares até hoje.
No processo de conversão do esportivo em um sedã de luxo, ele ainda teve suas rodas Fuchs de magnésio trocadas por modelos de aço com acabamento cromado e calotas, e recebeu vidros elétricos. A conversão, como você deve estar imaginando, não foi barata, e custou bem mais que a versão quatro-portas de seu Rolls-Royce Silver Shadow, mas ele ao menos seria um modelo único e exclusivo — o presente perfeito para a sra. Dick, que o recebeu no natal de 1967 como previsto.
AMG 280 GE 5.6 Sport ontem, Mercedes GLE e GLS hoje
O Mercado dos SUV de luxo só embalou mesmo depois que a Mercedes lançou o primeiro concorrente real do Range Rover, a Classe ML, lançada em 1997. Era algo tão diferente que ele foi projetado e fabricado nos EUA, visando o mercado norte-americano, o maior comprador de SUV do mundo, na época.
O conceito era exatamente o mesmo do Range Rover: um carro capaz de rodar fora da estrada, mas com o luxo e o conforto de um sedã. No caso, o Classe ML era pareado com os sedãs executivos da Classe E, com quem compartilhava motores e equipamentos, mas não o nível de acabamento, que era pouco inferior aos alemães. É importante lembrar que, na época, o Classe G ainda não era o carro de imagem e luxo que ele se tornaria no início dos anos 2010.
Mas foi justamente ele a base para o “ML do passado alternativo”: o AMG 280 GE 5.6 Sport, de 1979 (!!). Esse negócio meio bizarro aqui, olha só:
O conceito está aí: um carro que nasceu utilitário, mas que foi transformado em um carro de luxo para rodar no asfalto e, apenas eventualmente, fora dele. A AMG, que ainda era independente (ela só foi incorporada à Daimler-Benz a partir de 1993, sendo adquirida integralmente em 1998), colocou tudo do Classe S da época, o W116, em um robusto e espartano Classe G, incluindo o motor V8 de 5,6 litros e até mesmo a grade e os faróis do sedã.
Por dentro ele tinha bancos Recaro com ajuste elétrico ou simplesmente os bancos mais confortáveis da Classe S, revestimento de couro nas portas, painel e console central, com carpete no assoalho. O conceito, no fim das contas, antecipou não só o Mercedes ML (atuais GLE e GLS), mas também o futuro da própria Classe G, que incorporou todos os elementos de luxo e conforto da Classe E e alguns da Classe S para se tornar o que ele é hoje.
Bentley Dominator ontem, Bentley Bentayga e Rolls-Royce Cullinan hoje
Um SUV Rolls-Royce parecia uma ideia absurda, ultrajante e vulgar quando o Cullinan foi confirmado pela marca. De repente, uma fabricante tradicional e tão sóbria, se rende ao modismo nouveau riche dos SUV. Um lord nasce lord, ele não se torna lord porque plantou mais milho que todos os outros camponeses, diria um esnobe membro da realeza.
Mas aconteceu mesmo e aconteceu justamente por causa da realeza, mas não a britânica, e sim uma das realezas asiátias. Adivinhe quem… claro, o Sultão do Brunei. Ele, que dirige pelos trópicos, decidiu que teria um Bentley capaz de atravessar florestas tropicais. E vivendo sobre dinheiro líquido, ele simplesmente ligou para a Bentley e solicitou um carro que atendesse seu desejo. Um não, seis.
Assim nasceu o Bentley Dominator. Como ele foi feito? É difícil dizer, pois não é um projeto oficial. Especula-se que ele seja baseado no Range Rover de 1996, a julgar pelo perfil da carroceria e das portas., porém com o V8 de 6,75 litros e cerca de 390 cv que equipava o Bentley Continental da época. Isso, claro, além do acabamento interno do sedã de luxo britânico.
Na época, 1996, a Bentley e a Rolls-Royce ainda não haviam sido separadas pelo fim da indústria britânica e compradas por grupos diferentes. Elas ainda eram a mesma fabricante, e, por isso, o Dominator se parece mais com o Cullinan do que como Bentaya — os Bentley da época eram, basicamente, versões “esportivas” dos Rolls-Royce.
O fato é que, coincidentemente, duas décadas mais tarde, tanto a Bentley (sob o comando da Volkswagen) quanto a Rolls-Royce (sob o domínio da BMW) lançaram um descendente do Dominator.
Brabus 190E 5.0 V8 ontem, Mercedes C63 AMG até pouco tempo atrás
Hoje o C63 AMG tem um modorrento motor de quatro cilindros e usa um rodeio retórico para fingir que tem mais potência que seus antecessores, mas até pouco tempo atrás a Mercedes-AMG, sob o comando de Tobias Moers, chutou o pau da barraca colocando um V8 aspirado de 6,2 litros sob o mediano Classe C e depois inventou um V8 4.0 biturbo ainda mais potente para ele.
Só que essa ideia já havia sido executada e oferecida ao público no distante ano de 1984. Na época, a Mercedes havia acabado de lançar seu baby-Benz como resposta ao BMW Série 3, lançado no final dos anos 1970. Adequadamente à sua proposta, ele tinha somente motores quatro-cilindros, com deslocamento entre 1,7 litro e 2,3 litros (o 2.6 seis-em-linha chegou somente em 1987) e, no máximo, 185 cv. Não era pouca coisa, afinal, o carro nunca pesou mais de 1.300 kg.
Mas Bodo Buschmann, o chefe da Brabus, aparentemente não achava isso e tratou de sacar o motor V8 M117 de cinco litros da Classe S para instalar no cofre do sedãzinho. E como se não bastasse, Bodo ainda fez alguns upgrades no motor para que ele desenvolvesse 280 cv a 5.200 rpm e 43,8 kgfm a 4.000 rpm.
Infelizmente há poucas fotos do carro e do motor, e a Brabus nunca divulgou os dados de desempenho do sedã. Mas considerando que o 560 SEC de 280 cv era 400 kg mais pesado e mesmo assim chegava aos 100 km/h em 7 segundos e atingia 240 km/h com maior arrasto aerodinâmico, arriscaria dizer que o 190E V8 cortava ao menos 1 segundo desse tempo de aceleração e chegava aos 250 km/h. Parece que ele inspirou também a ficha técnica dos AMG…
Brabus 500SEL Business Lounge ontem, Maybach hoje
Os modelos Maybach são o mais próximo que você pode chegar de um jato executivo atualmente sem precisar ir até um aeroporto. A marca foi relançada pela Mercedes no início dos anos 2000 para recuperar o investimento feito na plataforma W140, que custou uma fortuna e nunca se pagou, e existe até hoje para batizar os modelos de alto luxo, que competem com Bentley e Rolls-Royce.
O conceito, contudo, já era oferecido também pela Brabus nos anos 1980, na forma do 500SEL Business Lounge. Essa linha começou em 1982, quando a Brabus instalou pela primeira vez um sistema de áudio e vídeo em um modelo da Classe S, mais especificamente o 500 SEL.
Em 1995 a Brabus decidiu criar um escritório sobre rodas no Classe S600 de chassi longo. O carro ganhou um painel traseiro com saídas de ar, mesas retráteis para notebooks, console central com tela e integração com aparelhos de fax e modem.
A partir dali, a marca começou a produzir modelos cada vez mais equipados, replicando os jatos executivos privados no compartimento traseiro dos Mercedes.
Pininfarina Ferrari 456 GT Venice ontem, Ferrari Purosangue hoje
A Purosangue talvez seja a maior heresia da história da Ferrari: um SUV (que não parece SUV, ok) de quatro portas com motor V12 para levar a família. Mas essa heresia já havia sido cometida por gente próxima da Ferrari nos anos 1990. Estou falando da Pininfarina, empresa camarada de Enzo Ferrari (tão chegada que até o convenceu a usar carros da Peugeot nos anos 1960, pois a marca francesa era cliente sua…).
Foram eles os traí… digo, eles quem fizeram a 456 GT Venice. Ou melhor, “as” 456 GT Venice. Quem convenceu Battista e sua turma? Raimundo Nonato? Até poderia ser. Mas foi, de novo, a turma da realeza do Brunei, nesse caso, Jefri Bolkiah, irmão do sultão.
A história é um tanto obscura, mas o que se sabe é que o príncipe procurou a Ferrari em 1996, e a fabricante encarregou a Pininfarina de projetar e modificar as 456 GT. O estúdio topou, mas exigiu que sete unidades fossem compradas a um custo de US$ 1,5 milhão para viabilizar a produção.
Bolkiah só queria seis, mas ele pagou pelas sete deixou uma delas com a Pininfarina. Isso significa que ele desembolsou US$ 10,5 milhões para ter seis peruas Ferrari, ou US$ 1,75 milhão por cada uma. Em valores atuais isso corresponde a US$ 2,65 milhões (R$ 6,75 em valores de hoje) por unidade ou, US$ 16 milhões (R$ 40,5 milhões) no total.
Ferrari 212 Export Shooting Brake Fontana ontem, Ferrari FF e GTC4 Lusso há uns dias
A ideia de uma Ferrari com teto alongado, contudo, é ainda mais antiga. Ela foi oficializada somente em 2011 quando a Ferrari FF foi lançada, mas ao longo da história existiram várias outras. A primeira e mais foi a Ferrari 212 Export Shooting Brake, feita pela Carrozzeria Fontana em 1952.
A encarroçadora era apenas uma das que trabalhavam com as Ferrari na época, e foi ela a responsável por transformar a 212 Export Spyder em uma perua. O motivo? Atuar como carro de serviço (sim, uma Ferrari de serviço) na Carrera Panamericana de 1952. Não houve uma segunda Shooting Brake da Fontana feita sobre a Ferrari 212 — e ela nem existe mais, porque foi transformada em Spyder novamente depois da corrida.
Callaway Twin-Turbo Corvette ontem, Corvette C8 ZR1 daqui a pouco
O Corvette C8 ZR1 ainda não foi lançado, mas a GM já confirmou que ele será, basicamente, uma versão biturbo do atual Z06. Isso significa que, pela primeira vez, a Chevrolet terá um Corvette sobrealimentado por turbos em vez de compressores de polia. Só que… essa não é uma ideia nova, porque Reeves Callaway já fez isso em 1987.
Foi quando a Chevrolet fez uma parceria com a Callaway, oferecendo a opção de se comprar o Callaway Twin-Turbo Corvette em sua rede de concessionárias — com garantia e tudo mais. Ao comprar seu Corvette, você deveria assinalar a escolha pelo pacote “RPO B2K”. A base era o motor V8 L98, small block que, naturalmente aspirado, chegava aos 230 cv e 64,2 mkgf de torque. Era o suficiente para que o Corvette chegasse aos 100 km/h em menos de sete segundos.
Com os dois turbos instalados pela Callaway, que recebia os carros diretamente da Chevrolet antes da entrega ao proprietário, a potência chegava aos 345 cv e o torque, aos 47,4 mkgf. Na preparação, o bloco recebia reforços estruturais, virabrequim forjado, novas bielas e pistões Mahle ou Cosworth com menor taxa de compressão, de 7,5:1.
O V8 também ganhava novas válvulas, mais resistentes. Os turbos eram um par de Rotomaster T04, com dois intercoolers. A Callaway também instalava um sistema de injeção auxiliar, um radiador maior e um novo sistema de escape.
O sistema biturbo acabava por ocupar bastante espaço, e a Callaway chegava ao ponto de utilizar parte de uma travessa oca sob o cofre para levar ar para os turbos – que ficavam em uma posição bem baixa, próximos ao cárter. Tudo era testado por 1.200 km antes de ser enviado à concessionária.
Esta matéria é uma amostra do nosso conteúdo diário exclusivo para assinantes, e foi publicada sem restrições de acesso a caráter de degustação.
A sua assinatura é fundamental para continuarmos produzindo, tanto aqui no site quanto no YouTube, nas redes sociais e podcasts. Escolha seu plano abaixo e torne-se um assinante! Além das matérias exclusivas, você também ganha um convite para o grupo secreto (exclusivo do plano FlatOuter), onde poderá interagir diretamente com a equipe, ganha descontos com empresas parceiras (de lojas como a Interlakes a serviços de detailing e pastilhas TecPads), e ainda receberá convites exclusivos aos eventos para FlatOuters.