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O prazer de viajar por rotas alternativas

Eram 5:30 de quinta-feira quando o despertador tocou. Com a xícara de café, fui até a sacada e avistei os primeiros raios de sol escapando pelas bordas da Serra do Mar. Pronto, entrei no carro e gastei os cinco minutos seguintes tentando decidir o roteiro da viagem. Ainda sem uma resposta, coloquei o carro na rua e tomei a decisão por impulso. Em vinte minutos eu estava rasgando o vale, exatamente no ponto médio entre o sol nascente e o fim da noite. Aquele degradê celeste foi o sinal de que eu havia escolhido o caminho certo.

As opções não eram muitas. Eu tinha um destino e um horário de chegada, e somente dois caminhos: um deles era fácil e rápido, porém entediante; o outro era difícil, possivelmente demorado, mas com muito mais potencial de diversão.

O grande prazer das viagens de carro — muito mais que o prazer de dirigir — é aquela clara sensação do deslocamento que a gente tem ao atravessar as cidades, transpor o relevo, e ver o mundo girar na janela da nossa redoma de vidro e metal. Dentro de um carro em uma estradinha pacata, que alterna trechos de imensidão solitária e cidades esquecidas, distantes das artérias rodoviárias, você tem a oportunidade de viver algumas horas como o aventureiro que os compromissos da vida não nos permitem ser, de viver uma intensa viagem beat, na qual você tem apenas uma chance de aproveitar ao máximo os momentos em lugares aonde você dificilmente voltará. Ao volante de um carro, escolhendo sua direção, você pode agir por impulso e favorecer o acaso.

Pelo outro caminho, eu teria vislumbrado a paisagem monótona de um grande corredor rodoviário, usado por pessoas que parecem estar sempre com pressa sem saber o porquê, e que não fazem questão de se envolver com nada ao seu redor. As pausas são automáticas: você identifica o logotipo dos lugares padronizados, que servem comida padronizada, com o mesmo sabor aqui ou em qualquer lugar do planeta.

No caminho que ninguém escolhe, em três ou quatro paradas ouvi o noticiário local no rádio, provei o tempero da comida local, ouvi sotaques e curtas histórias. É assim que você conhece os lugares como eles realmente são. E é assim que você se sente mais próximo da realidade da maioria das pessoas.

Há quase 30 anos minha família se mudou para uma cidade tão bonita quanto isolada do resto do mundo. O ano era 1991, e éramos forasteiros com costumes estranhos naquele lugar pacato onde nada muito interessante acontecia.

A solução para o tédio foi encurtar a distância de tudo o que havia de interessante, viajando dentro de um carro. E foi por isso que em praticamente todos os finais de semana daqueles três anos (que, hoje, parecem treze), entramos os cinco no carro e passamos o tempo livre conhecendo aquele mundinho novo, por estradas esquecidas, como estas pelas quais faço questão de passar sempre que possível.

No banco de trás de um Monza SL/E preto, conheci aquele pedaço anônimo do Brasil, a cultura daquele lugar a ponto de lembrar detalhes que os álbuns de fotos podem confirmar. E foi assim, também, que aprendi a observar e conhecer os lugares mesmo estando dentro de um carro a 80, 100, 120 km/h, e descobri o que considero o verdadeiro valor das viagens de carro e moto. Nenhum outro meio de transporte te permite ir tão longe com a liberdade de traçar o seu caminho e fazer o seu tempo.

Naquela quinta-feira eu voltei no tempo, como volto todas as vezes em que estou entre o sol e o asfalto de uma estrada deserta no interior do interior do interior. Os vidros abertos, as construções, a paisagem, tudo estimula a memória sensorial e acende aquelas experiências acumuladas que te fazem compreender e enxergar melhor o que está à sua frente — e o seu passado. Mesmo longe de casa, em um lugar desconhecido e protegido por vidro e metal, a gente se sente muito mais parte do mundo à nossa volta.