Finalmente a imprensa internacional dirigiu, e publicou impressões ao volante daquele que já foi definido como o mais extremo carro de rua já criado, o Aston Martin Valkyrie. Sim, só agora: oito anos depois que o projeto começou, e depois de praticamente todos os 150 carros que serão fabricados terem sido entregues aos seus donos, durante 2022.
Um cara pode coçar a cabeça com algo assim; mas esta é a realidade de hoje. Houve um tempo em que ninguém compraria um carro, qualquer carro, sem ouvir uma opinião sincera e independente de peritos da imprensa. Hoje, mesmo um carro que custa £2.500.000 (R$ 15.325.000) na Inglaterra, não precisa mais disso para ser vendido. Não, pera… Talvez o correto seja dizer: os carros deste preço não precisam disso.
De qualquer forma, agora finalmente podemos ter essas opiniões sinceras e independentes, e assim podemos nós também julgar e formar nossa opinião. É hora de mais um meta-review do FlatOut, claro. Mas antes, um pouco de contexto, e da história deste carro muito diferente do normal.
O que é um Aston Martin Valkyrie
A ideia original, como com o McLaren F1, veio de uma reunião entre quatro caras. Um almoço num Pub inglês neste caso. Nele estavam o então CEO da Aston, Doctor Andy Palmer, o diretor de marketing Simon Sproule, Christian Horner, da Red Bull Racing e finalmente o motor de toda a ideia, o engenheiro Adrian Newey.
E quem raios é esse Newey? Perguntaria o ermitão que mora a 50 anos numa caverna no Alasca, e só agora assinou o FlatOut. Bem, caro ermitão, Adrian Newey é o engenheiro da F1 de maior sucesso da história. Seus carros ganharam nada menos 194 Grandes Prêmios até hoje, e este número continua subindo; o número 194 foi este último dia 5 de março, o GP do Bahrain.
Venceu onze campeonatos de construtores com três equipes diferentes de Fórmula 1 e com sete pilotos diferentes vencendo o campeonato de pilotos com os seus designs. Fez carros para a March/Leyton House, Williams, McLaren e finalmente, Red Bull. Como se não bastasse isso, os designs de Newey também ganharam os títulos da CART de 1985 e 1986.
Mas divago; voltando ao Valkyrie, o projeto seria uma colaboração entre Red Bull e a Aston Martin, com Newey no comando. Foi um projeto daqueles, mais confuso, controverso e longo do que qualquer um poderia esperar. A jornada foi longa e complexa, com o projeto Valkyrie sobrevivendo ao mandato de dois CEOs da Aston Martin.
Daquela conversa no Pub, nada resta: Palmer e Sproule deixaram a Aston, e a Red Bull Racing agora está trabalhando de forma independente para realizar outro dos sonhos febris de Newey – o ainda mais rápido RB17, exclusivo para pistas.
Como na F1, Newey colocou a aerodinâmica em primeiro plano, acima até da necessidade de se colocar seres humanos dentro do carro. Newey recusava todas as tentativas de demovê-lo de sua ideia original. O designer-chefe da Aston, Miles Nurnberger, lembra-se de ter que citar milímetros com casas decimais em discussões com Newey para provar que sua equipe não estava sendo descuidada com as dimensões do Valkyrie. Em uma reunião, ele conseguiu uma concessão inédita de 8 mm para ampliar o compartimento de passageiros – algo que rendeu uma salva de palmas da equipe de engenharia. Aparentemente, ninguém nunca tinha visto ele desistir nem de um milímetro.
A obsessão levou o time a criar, por exemplo, um limpador de para-brisa único que consegue varrer o vidro quase esférico; o menor CHMSL (“Brake-Light”) da história e a menor lâmpada de iluminação de placa da história, além de um logotipo Aston Martin com espessura menor que a de um fio de cabelo. Mas ainda assim, o resultado final ficou além do previsto: pesa 1270 kg, sem fluido nenhum (o único número divulgado pela empresa): um carro de 1300 kg. Ainda assim, é legal para as ruas da Europa, mas não dos EUA.
Basicamente tem mais superfícies aerodinâmicas, mais vazio, mais abertura e passagem de ar do que carro em si, aqui. O que há de automóvel é uma estrutura de fibra de carbono, onde o motor é aparafusado diretamente na parede de fibra de carbono atrás do motorista, com todo resto do carro, suspensão, rodas, carroceria e tudo mais, pendurado no conjunto motor/transeixo.
O motor, criado pela Cosworth especificamente para este carro, é uma obra prima. Deslocando 6,5 litros, é um V12 a 65 ° que é extremamente leve: 206 kg, peso de muito quatro em linha por aí. Produz 1000 cv (ou 153,8 cv por litro) a impressionantes 10.500 rpm, e gira até 11.100 rpm. O torque é de 75,5 mkgf a 7000 rpm. E deve durar 100 mil km no carro, segundo a Aston Martin.
Sanduichado entre o motor e o transeixo sequencial semiautomático de sete velocidades está uma unidade motor/gerador elétrica de 150 cv. Além de eliminar motor de arranque e alternador, funciona ajudando a encher os vales de torque do motor, e permite um arranque suave: sai com o elétrico, embreagem acopla em sequência suavemente. É um híbrido, portanto, mas não pode ser ligado na tomada nem andar somente na eletricidade; mais para uma evolução elétrica do motor a combustão, com bateria um pouco maior. Permite também marcha-a-ré elétrica, simplificando o transeixo.
Praticamente todo o motor, bloco, cabeçotes, cárter e tampas estruturais dos comandos, não é fundido, mas sim usinado a partir de blocos sólidos de metal. Isso inclui bielas de titânio e pistões de especificação F1TM. Algo inacreditável.
O desempenho declarado: 0-100 km/h em 2,5 segundos, e velocidade final de 354 km/h. Chris Harris chegou a 300 km/h na reta do autódromo onde realizou seu teste de direção. Barrabás.
O que diz a imprensa internacional
O primeiro consenso que aparece é que o veículo não é um Bugatti Chiron, um supercarro, mas também um carro de luxo. É dificílimo de entrar, e lá dentro é melhor ficar sozinho; com passageiro as coisas ficam bem íntimas. E o barulho e a vibração são enormes. Ao ponto de dor física, quase.
“É apenas nas retas mais longas da pista que posso inicialmente convocar a disciplina para me manter acelerando até a linha vermelha altíssima, momento em que o V12 é quase dolorosamente barulhento, mesmo através do capacete.” – disse Mike Duff na Autocar inglesa.
Mesmo com um microfone conectado ao capacete, é difícil ouvir Chris Harris, do Top Gear falar, debaixo do barulho estridente do V12. O Valkyrie prefere sobrecarregar seu motorista com sensações para lá de intensas. “Se você for sortudo o suficiente para ter um desses carros – compre tampões de ouvido!” – disse Harris.
O motor, além de fonte do barulho e vibração, é claramente a estrela aqui. Um V12 naturalmente aspirado que de 1000 cv e 11000 rpm faz o cara ter que recalibrar a realidade. Um avaliador disso que transforma as curvas em espera para soltar as rédeas do bicho somente. Harris disse que parece tão forte quanto um elétrico moderno caro, mas a potência sempre cresce, não fica constante. Disse também que é o carro à combustão mais veloz que já andou, e “tira o fôlego, na verdade.”.
Henry Catchpole, da Hagerty, diz: “é na verdade limitado em tração, até uns 220 km/h, quando se tem todo downforce para ajudar”, uma afirmação que mostra que nas ruas, deve ser algo meio demais, na verdade.
Mas todos são só elogios à ferocidade do V12 e da pura velocidade que despeja. Parece algo que mesmo eles, tarimbados avaliadores de carros extremamente velozes, ficam espantados e com medo.
“É um pouco demais para processar, só a quantidade de vibração e ruído aqui. Parece que o motor está aparefusado na minha bunda. Ele tem um sistema de suspensão hidráulica tão inteligente, que gerencia tanto o que estou fazendo que me falta um pouco de conexão. A sensação de massa também não parece, necessariamente, tão leve quanto eu pensei que seria.”
A posição de dirigir também totalmente diferente. Diz Henry Catchpole: “Apesar da posição de dirigir ser estranha a princípio, com seus calcanhares acima de seu quadril, andando instantaneamente parece confortável, e a visibilidade para todo lado, perfeita.”
Os freios também foram elogiados, tanto por Harris quanto por Catchpole: curso longo, mas firme, progressivo e confiável. E ambos se dizem felizes pelo carro existir, claro: uma tentativa de um salto em desempenho, para as ruas. É chato criticar algo com objetivos tão nobres, afinal de contas.
Mas a cara deles todos dirigindo é clara: medo, pavor, concentração e olhos arregalados. Não risos e diversão. Seriedade e desempenho realmente altos. Parece algo mais para Max Verstappen, menos Jeremy Clarkson. Harris chega a dizer diz que não tem certeza se conseguiria lidar com o Valkyrie nas ruas, embora o carro tenha legalmente o direito de rodar lá.
Outra uma coisa fica clara em toda avaliação: não é um carro refinado. Além do barulho e vibração, há as pancadas nas trocas de marcha, e o comportamento meio confuso das suspensões eletrônicas. O Valkyrie, na verdade, parece ser um compromisso impossível: um salto em desempenho para supercarro, que só pode ser realmente experimentado em pista, mas compromissado em seu comportamento em pista por precisar ser homologado para as ruas.
Tanto que a Aston colocou todos também no AMR Pro, a versão de pista ainda mais radical, com slicks, e todos pareceram preferir ela. A impressão é que os compromissos de carro de rua impedem que o carro fique realmente bom na pista, e na rua. O carro de pista parece ter sido feito para ela, e brilha mais forte que o de rua.Mas não pode ser emplacado.
Parece que Gordon Murray, apesar do menor sucesso na F1 comparado com Newey, aqui nas ruas foi mais esperto. Quando fez o McLaren F1 em 1992, o fez como um carro um carro de rua primeiro, para gente usar na rua, sem objetivo de competição.
Altíssimo desempenho e baixo peso, sim, mas conforto e refinamento também; era um carro de rua! Eventualmente, depois pegou ele e transformou num carro de corrida e ganhou Le Mans com ele; o melhor caminho, sempre, ainda que no seu caso, ajudado pelas normas da prova em sua época.
Murray está fazendo um F1 de novo, o seu GMA t.50, praticamente um McLaren F1 com a tecnologia de hoje, e um motor Cosworth V12 muito similar (apesar de não ser o mesmo) ao do Valkyrie. Apesar de no papel ser parecido, certamente, será um bicho muito diferente do Valkyrie.
Ou será esse nível de desempenho impossível de fazer funcionar para as ruas mesmo? Vamos ter que esperar para saber.