Os dois são celebridades mundiais, por razões completamente distintas. Emerson Fittipaldi é um dos maiores pilotos de todos os tempos. Foi o primeiro brasileiro campeão do mundo em 1972, ganhou samba-rock de presente, sagrou-se bicampeão em 1974, teve sua própria equipe, migrou para a Fórmula Indy em 1980, venceu a Indy 500 e foi campeão em 1989 – já com 43 anos de idade. Ele continuou correndo ocasionalmente depois de se aposentar, e pontuou pela última vez em 2014, quando disputou as 6 Horas de São Paulo, prova do Mundial de Endurance. Respeitável é pouco para um legado desses.
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O colombiano Pablo Escobar, todos sabem, foi provavelmente o mais poderoso chefe de cartel de drogas na Colômbia. Seu império do narcotráfico, iniciado em Medellín no ano de 1975, vendia mais de 15 toneladas de cocaína para os Estados Unidos por dia em seu auge, no meio dos anos 80. Ele tinha 20.000 quilômetros quadrados de terras onde ficavam sua fazenda, seu jardim zoológico (que causou uma infestação de hipopótamos na região, acredite se quiser), seus 15 aviões e seu helicóptero. Envolvido, além do tráfico de drogas, com extorsão, corrupção política, assassinatos e contrabando, Escobar levava uma vida luxuosa, tinha influência política e comandava um verdadeiro exército. Ele morreu enquanto fugia da polícia pelos telhados de Medellín, e dizem que ele não foi morto, mas se suicidou – era o que ele havia prometido a si mesmo fazer quando fosse capturado.
E estes dois contemporâneos, apesar de serem personagens em narrativas completamente paralelas, são ligados por um carro. Um Porsche 911 RSR de competição que pertenceu a ambos, em momentos diferentes.
Além de correr com monopostos, Emerson Fittipaldi nunca teve pudor em experimentar as mais variadas categorias. E, entre 1973 e 1974, ele participou da edição inaugural da International Race of Champions – mais conhecida como IROC Series. A categoria foi criada nos EUA por Roger Penske, que na época já era dono de equipe na Indy; Les Richter, ex-jogador de futebol americano e diretor do circuito de Riverside; e Mike Phelps, que vinha da NBA, principal liga de basquete dos Estados Unidos.
A ideia da IROC era ser uma espécie de “jogo das estrelas” – quando jogadores dos principais times de basquete, futebol, baseball ou outro esporte disputam uma partida amistosa – porém nas pistas. Curiosamente, apesar de ser uma prova “internacional”, a maioria dos pilotos vinha da NASCAR ou da Fórmula Indy, disputadas dentro dos EUA.
Na primeira edição, então, os únicos estrangeiros eram Denny Hulme, australiano, e Emmo – ambos da Fórmula 1.
A IROC era disputada em “minitemporadas”, com apenas quatro corridas. Em 1973, três delas foram disputadas em Riverside, entre os dias 27 e 28 de outubro. A última aconteceu em Daytona, em fevereiro de 1974.
Todos os pilotos usavam o mesmo carro: o Porsche 911 RSR, lançado no ano anterior com um flat-six de 2,8 litros e 290 cv. Era a versão de competição mais radical do 911 clássico, antes da chegada de caras como o 934 e o 935. Em 1974, a tempo de correr na IROC, o 911 RSR ganhou um motor de três litros que chegava aos 330 cv. Para um 3.0 sem indução forçada nos anos 70, era bastante coisa.
Emerson Fittipaldi correu com um dos 15 Porsche 911 RSR feitos para 1974 – 12 para os pilotos e três carros-reserva. E ele foi bem: ficou em sexto na primeira etapa e em terceiro nas duas seguintes. Mas não pontuou o suficiente para disputar a grande final em Daytona, da qual só os seis primeiros colocados na tabela participariam.
Aquela foi a última vez que a IROC foi disputada com o Porsche 911. Todas as outras 29 edições, realizadas até 2006, tiveram carros americanos no grid – Chevrolet Camaro entre 1975 e 1989 (eis a origem da versão IROC-Z), Dodge Daytona entre 1990 e 1993, Dodge Avenger em 1994 e 1995, e Pontiac Firebird até 2006. Já Emerson Fittipaldi disputou o campeonato outras seis vezes até 1990.
A melhor parte é que, apesar de não existirem muitas fotos do carro na época, as corridas podem ser facilmente encontradas no Youtube.
A história de seu RSR, porém, continuou. Em 31 de outubro de 1973, apenas quatro dias depois da última prova disputada com Emmo ao volante, o carro foi vendido à concessionária North Lake Porsche Audi, na Flórida. Em março de 1974 o 911 RSR passava a seu novo dono: o piloto John Tunstall, que competia em provas de longa duração da IMSA. O 911 RSR era perfeito para a empreitada – com ele, Tunstall disputou as 12 Horas de Sebring, as etapas de Mid-Ohio e Lime Rock, e até mesmo as 24 Horas de Daytona de 1978.
As circunstâncias sob as quais Pablo Escobar adquiriu o 911 RSR são nebulosas, como boa parte de tudo que envolve o rei do crime colombiano. Porém, sabe-se que ele usou o carro para participar de algumas etapas da Copa Renault colombiana a partir de 1979. Há registros de que Escobar disputou quatro corridas com o 911, patrocinado pela Marlboro (eis o tamanho de sua influência na economia local!).
Não foi seu único Porsche – há fotos do Patrón usando também um 911 Targa e aquilo que parece um Porsche 935 com pintura Martini Racing, mas muito provavelmente é exatamente o mesmo 911 RSR usado por Fittipaldi na IROC. Escobar apelas colocou no carro um bodykit inspirado pelo 935, que ele admirava bastante.
Agora, o carro está anunciado no site DuPont Registry por US$ 2,2 milhões – o que dá quase R$ 12,5 milhões em março de 2021. O anúncio não dá detalhes sobre o destino do carro após passar pelas mãos de Pablo Escobar, mas diz que ele passou “um longo período guardado” antes de ser restaurado para ficar exatamente como era quando Fittipaldi o pilotava.