3=6. Essa equação matematicamente errada era a síntese da filosofia por trás dos motores dois-tempos empregados pela DKW. Com um ciclo completo a cada volta do virabrequim, ele produzia duas vezes mais potência que um motor quatro-tempos (que tem uma volta “morta” nos tempos de escape e admissão). Assim, pela lógica germânica, seus três cilindros produziam o trabalho de seis cilindros dos outros.
A equivalência obviamente não é essa, mas os motores dois-tempos conseguem produzir quase 50% mais potência que os motores quatro-tempos de deslocamento semelhante. Essa maior capacidade se deve justamente ao fato de o motor produzir potência a cada 360 graus, enquanto os quatro-tempos têm uma centelha a cada 720 graus. Outro fator que colabora para a maior potência dos dois-tempos é sua simplicidade mecânica. Sem válvulas, comando de válvulas, molas e balancins, o conjunto reciprocante é mais leve e pode atingir rotações mais altas.
O problema é que uma das maiores qualidades do motor dois-tempos também é a origem de seu maior ponto fraco: consumo e emissões. Sem válvulas para fechar a câmara de combustão, uma pequena quantidade de combustível entra nos cilindros e acaba expelida sem ser queimada, aumentando o consumo e os níveis de emissões de poluentes. E mais: como sua lubrificação é feita pela adição de óleo ao combustível, os gases resultantes da combustão só agravam a questão das emissões.
Foi por isso que os motores dois-tempos caíram em desuso. A partir do final dos anos 1960, quando as primeiras leis de controles de emissões de poluentes foram criadas (tudo começou no Japão, em 1968), os motores dois-tempos foram aos poucos sendo abandonados por sua incapacidade de se adequar aos níveis exigidos por lei. Somente umas poucas motos de competição resistiram, primeiro na MotoGP e WSBK e, mais tarde, somente nos enduros e motocross.
Eles até chegaram a evoluir, usando dosificadores de óleo lubrificante e a Ford chegou até mesmo a construir um protótipo com injeção eletrônica direta para conter o consumo e as emissões, e um sistema de lubrificação que permitia rodar até 20.000 sem a necessidade de reabastecimento de óleo. O carro rodou quase 20 km/l e ainda tinha 64 cv/l de potência específica (era um 1,25 de 80 cv), mas a certa altura do desenvolvimento a Ford percebeu que, embora fosse adequado para o momento, o motor não conseguiria se adequar às futuras etapas dos programas ambientais legais. Além disso, o sistema de lubrificação tinha manutenção complexa e não seria viável em longo prazo. No fim os carros foram vendidos e acabaram em coleções e acervos de museus.
A ideia de um dois-tempos evoluído, contudo, sempre permaneceu viva no imaginário dos engenheiros e ratos de oficina. Até mesmo James May chegou a propor o desenvolvimento de um dois-tempos com tecnologia moderna .
Agora a KTM anunciou uma nova linha de motos com motores dois-tempos controlados eletronicamente, de forma que as emissões sejam controladas. A linha é composta por três modelos originalmente carburados (as motos EXC e XC-W), modificados com um sistema de controle eletrônico no lugar do carburador.
O sistema se chama TPI, ou Transfer Port Injection, e usa válvulas eletrônicas para injetar combustível e óleo pela janela de transferência do motor em vez de injetar a mistura diretamente na câmara de combustão. Na prática é como aqueles sistemas de injeção monoponto dos carros dos anos 1980 e 1990.
A janela de transferência é esse duto paralelo ao cilindro, à sua esquerda
A diferença aqui é que pela primeira vez há um sistema eletrônico capaz de variar continuamente o ponto de ignição e o tempo de injeção, além da posição da borboleta eletrônica, para controlar a quantidade exata de combustível e lubrificante no cilindro. Além disso, com o combustível injetado pela janela de transferência, ocorre uma melhor atomização do combustível, otimizando a queima da mistura. O vídeo abaixo explica graficamente:
O controle do lubrificante também é semelhante ao da injeção de combustível: o óleo é armazenado em um reservatório separado e levado ao motor por uma bomba eletrônica de óleo controlada pela ECU, que injeta o lubrificante de acordo com a leitura dos sensores internos em diferentes situações de posição da borboleta e velocidade do motor, o que ajuda a controlar os níveis de emissões.
De acordo com a KTM o sistema TPI melhora em até 40% consumo de combustível em rotações médias e baixas, embora não apresente melhoria com o acelerador 100% aberto. Por outro lado, a moto fica menos agressiva em baixas rotações, pois o controle eletrônico consegue mitigar a típica subida de giro explosiva dos motores dois-tempos.
Apesar de serem os primeiros motores dois-tempos com controle totalmente eletrônico, eles continuarão restritos às motos de competição neste primeiro momento. A KTM pretende usar a temporada de 2018 para avaliar o comportamento destes motores em situações reais, e também precisa convencer o público a trocar suas motos carburadas por esta eletrônica (a versão TPI custa US$ 500 a mais que a versão carburada).
Se tudo correr como a KTM planeja, será apenas uma questão de tempo até que os motores dois-tempos voltem a ser usados em motos de rua ou em outras categorias do motociclismo. Alguém pensou na MotoGP?