Dá para dizer, sem medo de errar, que um dos sonhos de dez entre dez entusiastas é ser piloto de corridas. É claro que nem todo mundo pode fazê-lo, e é por isso que existem os track days, que são uma das maneiras mais fáceis de ter a experiência de conduzir um carro em pista.
É o tipo de coisa que pode mostrar que você tem um talento natural e até revelar bons pilotos amadores, mas a pilotagem profissional está em outro nível — especialmente na Fórmula 1, categoria que reúne os melhores pilotos do mundo nos carros de corrida mais velozes que existem. Mas por que eles são os melhores?
Boa parte da resposta para esta pergunta está nos olhos deles. Ou melhor, na forma como eles usam os olhos. O canal Sky Sports fez, recentemente, uma matéria a respeito, utilizando câmeras que captam os movimentos dos olhos dos pilotos e nos mostram exatamente o que eles enxergam, e para onde eles olham.
Para isto, eles chamaram o alemão Nico Hulkenberg. Ele atualmente pilota pela Sahara Force India. Pode não ser uma das maiores equipes mas, para quem não lembra, em 2015 ele foi um dos três pilotos que venceram as 24 Horas de Le Mans com o Porsche 919 Hybrid, ao lado do britânico Nick Tandy e do neozelandês Earl Bamber.
Hulkenberg pilotou seu carro de Fórmula 1 em Silverstone, no Reino Unido, usando um par de óculos especiais com cinco câmeras infra-vermelho que captam, em tempo real, os movimentos de seus olhos, e transferem a informação para outra câmera, apontada para a frente. O resultado? Conseguimos ver exatamente o que ele vê enquanto pilota, incluindo exatamente os pontos para onde vai o foco de sua visão, através de um ponto cor-de-rosa. É impressionante.
A visão de um piloto de Fórmula 1 trabalha de forma bem mais ágil e precisa do que a nossa, isto é evidente. Enquanto dirigimos, gastamos muito mais tempo mudando o foco de nossa visão a fim de garantir nossa segurança. Prestamos atenção nos retrovisores, nos comandos à nossa frente e nos outros carros que também estão na rua ou na estrada. E, sempre que desviamos o foco do olhar para algo que precise ser visto, gastamos cerca de meio segundo (5 décimos, ou 500 milésimos de segundo) para enxergar, interpretar a informação vista por nossos olhos e entender o que estamos vendo — um carro, um animal ou uma pessoa, por exemplo.
A impressão que temos é que os pilotos são meio mutantes. Observando o modo como Hulkenberg observa instintivamente o retrovisor ao sair da pit lane e entrar na pista, ou fixando os olhos no ponto de tangência de uma curva, vemos que ele consegue ser muito mais rápido — o tempo que ele gasta desviando o olhar para o retrovisor ou para a luz verde de largada, interpretar o que vê e reagir é de, em média, menos de 1 décimo (ou 100 milésimos) de segundo. É muito próximo do tempo mínimo de reação que um ser humano normal pode ter.
Também dá para notar que Hulkenberg dificilmente olha para o volante, o indicador de marchas, o painel ou os botões no carro. Ele sabe exatamente onde eles ficam e, quando necessário, os aciona instintivamente, sem sequer desviar o olhar. Ao entrar nos boxes, ele apenas olha rapidamente para a placa indicando os “PITS” e, depois, para a luva do mecânico que indica onde ele deve parar seu carro. Mesmo estas manobras simples ficam impressionantes aos nossos olhos.
Dito isto, fica fácil pensar que pilotos de Fórmula 1 não são gente normal, que eles nasceram com uma espécie de super poder ou sexto sentido. Este não é bem o caso.
Veja bem, estamos falando de caras que, normalmente, começam a correr desde muito novos — aos 4, 5 ou 6 anos de idade eles já estão acelerando karts, depois partem para categorias de monopostos como a Fórmula Vee ou a Fórmula Ford e subindo em direção à Fórmula 3 e finalmente, chegando à Fórmula 1. Só aí, podemos colocar quase vinte anos de experiência ao volante.
Neste período, todo o organismo de um piloto volta-se à pilotagem, e seu cérebro aprende a funcionar de maneira mais rápida. Claro que deve existir algo como um “talento natural”, mas boa parte do que é ser um bom piloto pode ser aprendida com o tempo. E, obviamente, quanto mais cedo se iniciar, menos difícil é o caminho.
Faz parte deste processo aprender a ir contra o próprio instinto. Em uma pista, esteja ela vazia ou cheia de outros carros, um bom piloto mantém os olhos sempre apontados para o objetivo — que, quase sempre, é o ponto de tangência da curva. Se ele desviar o olhar para outro lugar, certamente algo ruim vai acontecer. Primeiro porque, na prática, tudo o que importa naquele momento é apontar o carro na direção certa e levá-lo pela trajetória mais veloz possível na curva. Segundo, porque o campo de visão do piloto é limitadíssimo pelo capacete e pelo cockpit. Olhar para o outro lado, além de poder fazê-lo desviar-se do traçado (você já deve ter sentido isto ao olhar para o lado enquanto dirigia e, sem querer, levar o carro para a direção que seus olhos apontam) é, bem, meio inútil. É por isso que costumam acontecer toques entre os carros quando todos estão muito próximos — muitas vezes, os pilotos simplesmente não enxergam uns aos outros por causa dos pontos cegos.
Dito isto, além de ter a visão treinada ao longo de anos, os pilotos experientes aprendem a “sentir” o carro. Quer dizer, “sentir” não é bem o termo correto — estamos falando de algo chamado “noção de antecipação”. Graças a ela, o piloto consegue calcular exatamente a velocidade necessária para atacar uma curva mesmo que jamais a tenha contornado, e prever com muita exatidão qual será o comportamento do carro nos próximos instantes, ao passar pelo ponto de tangência. Ele sabe se o carro vai sair de frente ou perder a traseira. Ele sabe a hora de frear, e exatamente o quanto precisa esterçar. Assim, não precisa olhar para mais nada e concentrar-se apenas na melhor trajetória para uma curva.
E quando algo dá errado? É aí que entram a habilidade e o talento. Quando o carro não se comporta da maneira esperada pelo piloto (por uma falha mecânica, por um toque de outro piloto, pelas condições da pista ou qualquer outra razão), é preciso corrigir. É por isso que, de vez em quando, os pilotos (não só os de Fórmula 1) acabam nos presenteando com recuperadas impossíveis e contra-esterços memoráveis. Não é proposital — eles foram preparados a vida toda para ser rápidos, e só estão consertando as coisas.