O Bugatti Veyron sofreu um fenômeno curioso: apesar de ser caríssimo e exclusivíssimo, ele se tornou um carro extremamente conhecido. Pensando bem, isto não é tão curioso assim — desde antes de ser lançado, em 2004, o Veyron jamais deixou de ser assunto em veículos automotivos e conversas entre petrolheadas, seja para amá-lo ou odiá-lo por todos seus superlativos.
E você, mesmo, pode ser dos que amam ou odeiam o Veyron, com seus quatro turbos, oito litros, dez radiadores e dezesseis cilindros — inegável é o fato de que, para muita gente, o Veyron acabou colocando em evidência outro carro: seu antecessor, o EB110. E você pode até talvez achar que a gente é chato, mas ele não precisava de tanta coisa para chamar a atenção.
A gente já falou do EB110 há algum tempo aqui no FlatOut. Ele foi lançado em 1991, quatro anos depois que a Bugatti renasceu das cinzas pela primeira vez depois de um hiato de 38 anos, quando foi comprada pelo empresário italiano Romano Artioli.
Na primeira versão, EB110 GT, o motor V12 quadriturbo de 3,5 litros e 60 válvulas entregava 560 cv a 8.000 rpm. Era o bastante para chegar aos 100 km/h em 4,2 segundos com máxima de 336 km/h, o que fez dele o carro mais rápido do mundo em 1991. Foram fabricadas por volta de 95 unidades do EB110 GT. Na SS, a mais rara, o motor entregava 612 cv a 8.250 rpm, sendo capaz de levar o esportivo aos 100 km/h em 3,2 segundos com máxima de 348 km/h — 1 km/h a menos que o Jaguar XJ220, que tirou o recorde do Bugatti EB110 GT pouco antes do lançamento do SS.
Mas até aí tudo bem, porque o EB110 deixou de ser o carro mais rápido de seu tempo para ser o segundo carro mais rápido de seu tempo e continuava sendo absurdamente incrível. Tão incrível que o piloto e entusiasta Gildo Pallanca Pastor, nascido em Monaco, usou um EB110 SS para quebrar o recorde de velocidade no gelo. Ele chegou aos 296,34 km/h sobre a superfície congelada de um lago na Finlândia em março de 1995 e, depois disso, decidiu que colocaria o supercarro para competir em uma corrida de verdade. Ou melhor, na maior de todas as corridas: as 24 Horas de Le Mans.
Com suporte oficial da Bugatti e um bom técnico responsável pelo projeto — o ex-Ligier Daniel Pernoud —, Pastor partiu para a empreitada. O Bugatti EB110 SS já era um carro insano o suficiente, claro, mas precisava receber algumas modificações para participar da categoria GT1. A ideia era competir na edição de 1996, disputando contra caras como Porsche 911 GT1 e o McLaren F1 GTR. Como sabemos, o vencedor foi o Porsche WSC-95 da Tom Walkinshaw Racing (leia mais sobre ele aqui), mas talvez o Bugatti tivesse uma chance. Com o ex-Fórmula 1 Patrick Tambay comandando o carro nos treinos de classificação, o carro foi muito bem. No entanto, durante as últimas voltas, Tambay acabou batendo o carro. A Bugatti até tentou consertá-lo, mas não deu tempo, e o carro acabou nem participando da corrida.
O que foi uma pena, pois ele tinha potencial: ainda que o motor mantivesse a mesma cavalaria, sua curva de torque era mais ampla. O sistema de tração integral foi mantido. O peso foi reduzido em cerca de 200 kg com a tradicional aliviada no interior e a adição de alguns componentes de fibra de carbono, como o splitter frontal.
O carro recebeu freios de carbono-cerâmica, janelas de acrílico e rodas de magnésio BBS feitas especialmente para o projeto. O interior recebeu instrumentos Magneti Marelli, bancos e cintos de competição, sistema de supressão de incêndio e todos os equipamentos exigidos pela FIA e, assim, o EB110 SS Competizione se tornou um baita carro de competição.
Antes do acidente em La Sarthe, ele foi testado em diversos circuitos — Watkins Glen, Daytona, Suzuka. No meio do projeto a Bugatti acabou indo à falência mais uma vez, mas isto não impediu que o EB110 Competizione fosse consertado e competisse mais uma vez, no circuito de Dijon, antes de se aposentar definitivamente.
Agora, o carro será leiloado pela agência Artcurial durante a próxima edição do Retromobile, evento anual que acontecerá no dia 5 de fevereiro. Eles esperam arrecadar algo entre €800 mil e €1,2 milhão, o que, em conversão direta, equivale cerca de R$ 3,5-5,3 milhões. Dá para comprar uns dois exemplares do Veyron com esta grana e, na nossa opinião, seria um negócio ainda mais interessante do ponto de vista entusiasta — até porque, além ter sido modificado para poder rodar nas ruas novamente, o EB110 Competizione ainda está registrado em Monaco, a terra natal do cara que decidiu transformá-lo em um bólido para as pistas. How cool is that?