Em 1996 a Ferrari decidiu trazer de volta um arranjo clássico: saiu de cena a F512 M, evolução final da Testarossa de 1984, com motor flat-12 central-traseiro, e em seu lugar veio a 550 Maranello, com um motor V12 debaixo do longo capô.
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A Ferrari 550 Maranello, com seus 5,5 litros e 485 cv, nunca foi feita para as pistas. Ela tinha um interior espaçoso e confortável, e a velocidade máxima de 320 km/h fazia dela o cavallino perfeito para acelerar nas impecáveis rodovias europeias.
Mas há como mostrar uma Ferrari com motor V12 a uma equipe de corridas e esperar algo diferente de uma versão de competição. Foi o que a equipe francesa XL Racing fez no fim da década de 1990, quando pegou dois exemplares da 550 Maranello para transformála na 550 GTE, ou 550 XL.
O V12 F133 teve o deslocamento ampliado para seis litros, passou a entregar quase 600 cv, e foi colocado em uma versão mais leve da 550 Maranello – bem mais leve, com cerca de 1.100 kg contra os quase 1.800 kg que ela tinha antes. Mas o carro não ficou muito bom: problemas no motor e na linha de combustível – culminando com um incêndio no tanque de um dos carros nas 24 Horas de Le Mans dee 2003.
No mesmo ano, Michael Schumacher testou um dos carros no circuito francês de Mérignac: o então piloto da Scuderia foi chamado para entregar uma Enzo a seu feliz proprietário, e aproveitou que a 550 XL estava lá para dar umas aceleradas.
Apesar dos problemas de confiabilidade, que foram sanados depois, a Ferrari 550 XL é uma das mais interessantes – simplesmente porque foi um dos poucos carros de corrida feitos por terceiros com autorização da Ferrari. E quase ninguém o conhece.
Mas existiram outros casos de Ferraris raras e obscuras, quase proibidas, que só vieram a ser conhecidas pelo grande público anos depois. Aqui vão algumas delas…
… mas antes, um lembrete: as Ferrari das antigas, da época em que elas eram pouco mais que carros de competição legalizados, não entram na conta. Elas já são raras por natureza. E exemplares one-off feitos por encomenda que ganharam notoriedade (como a Ferrari SP12 EC de Eric Clapton, feita sobre uma 458) também não, afinal eles foram fabricados pela própria Ferrari e nunca foram escondidos de ninguém.
Agora sim, vamos à lista!
Ferrari F50 GT
Já vamos começar com uma espécie de exceção, porque a F50 GT foi um projeto da Ferrari – que acabou abortado por falta de interesse de várias partes. Em 1996 a Ferrari desenvolveu a F50 GT, que era exatamente o que o nome diz: um protótipo feito com base na F50 para correr na categoria GT1 da FIA. Sim, a mesma do Porsche 911 GT1, do Mercedes-Benz CLK GTR e mesmo do McLaren F1.
Diferentemente da F50 de rua, ela tinha teto fechado, uma asa traseira destacada da carroceria (e não integrada), e o mesmo motor de 4,7 litros – porém calibrado para render por volta de 750 cv a 10.500 rpm – um ganho considerável ante os 520 cv do carro original.
Na época os testes foram muito bem sucedidos, mas a Ferrari acabou cancelando o projeto. O motivo? Os italianos não estavam satisfeitos com o regulamento – achavam que especiais de homologação, como o próprio 911 GT1, eram uma injustiça. Não é uma explicação que faz muito sentido, porque de certo modo a própria F50 poderia ser um especial de homologação. Só que estamos falando da Ferrari, e nem tudo que eles decidem faz sentido…
O fato é que os seis carros que a Ferrari fez em 1996 tiveram destinos diferentes. Sabe-se de um carro completo e dois quase prontos que foram vendidos – os outros três foram provavelmente destruídos.
Ferrari 408 4RM
Quando a Ferrari lançou, lá em 2011, a shooting brake FF, foi meio que um ponto de virada – pela primeira vez uma Ferrari de rua tinha tração nas quatro rodas – realidade que, hoje sabemos, era inevitável. O fato de ser praticamente um hatchback de duas portas até perdeu importância diante de tamanha heresia.
Acontece que já fazia muito tempo que a Ferrari realizava experimentos com tração integral. Na segunda metade da década de 1980, a fabricante construiu dois protótipos para testar não apenas um complexo sistema de tração nas quatro rodas, mas também outros recursos então inéditos. Eram as Ferrari 408 4RM.
Nascidas da insistência do engenheiro Mauro Forghieri para que a Ferrari testasse a tração integral na Fórmula 1, as 408 4RM (de “quattro ruoti motrici”, ou “quatro rodas motrizes”) tinham motor V8 de quatro litros – deslocamento então inédito em um V8 Ferrari – e câmbio manual de cinco marchas.
Havia uma boa razão para que existissem dois protótipos – eles eram fundamentalmente diferentes, apesar de ter o mesmo perfil, com uma “canopi” bem destacado da carroceria e traseira longa. Além da cor e dos faróis, que eram escamoteáveis no carro vermelho e fixos no protótipo amarelo, a construção também era distinta: o protótipo vermelho usava um monobloco de aço derivado daquele da Ferrari 328 (cujo V8 de 3,2 litros também serviu como base para o motor usado na 408). O carro amarelo, por sua vez, usava uma estrutura de alumínio cujos componentes eram colados, e não soldados garantindo mais rigidez e menor peso. Pois é: era uma Ferrari que queria ser Lotus.
Os dois protótipos ficaram prontos ainda em 1987 e poderiam ter sido muito melhor aproveitados caso Mauro Forghieri tivesse continuado na Ferrari. No entanto, o engenheiro foi convidado por Lee Iacocca que, na época, era diretor da Lamborghini, para ir trabalhar em Sant’Agata Bolognese. Ele aceitou, e o desenvolvimento do programa da 408 4RM foi abandonado.
Acredita-se que a chegada de Forghieri à Lamborghini resultou na adoção da tração integral pela companhia — em 1993, a marca incorporou o sistema no Diablo. Mas nada jamais foi confirmado. Nosso palpite: caso isso tenha realmente acontecido, a Ferrari nunca admitiria.
Ferrari 365 P Berlinetta Speciale “Tre Posti”
A Ferrari 365 P Berlinetta Speciale é uma pioneira – décadas antes do McLaren F1, ela já era um esportivo de três lugares com o motorista sentado no meio. Ela foi criada pela Pininfarina, como boa parte das Ferrari de rua desde o início, mas não se sabe por quem. Alguns rumores dizem que foi o primeiro projeto do filho de Battista Pininfarina, Sergio, sem a ajuda do pai. Outros acreditam que foi o filho de Luigi Chinetti, o importador da Ferrari nos EUA, quem pediu à própria Pininfarina uma versão de rua dos protótipos 365 P2.
Nunca saberemos a verdade, provavelmente – mas é fato que o carro usa o chassi de corrida das 365 P2, assim como um V12 de 4,4 litros e 385 cv idêntico ao usado nas pistas. Também é fato que foi Luigi Chinetti quem usou o veículo regularmente depois que a 365 P Berlinetta Speciale foi apresentada no Salão de Paris de 1966, no estande da Pininfarina. Depois, Coco Chinetti se apropriou dela e a levou para Nova York – onde, dizem, sempre rodava com duas mulheres bonitas à bordo, uma de cada lado. Coco usou o carro até 1973, e depois a 365 P Berlinetta Speciale foi guardada em um galpão. Só saiu de lá no começo da década passada, quando foi enviada para a Carini Carrozzeria, nos EUA mesmo, para uma restauração completa.
Dizem que foi esse o carro que convenceu Enzo Ferrari de que um modelo de motor central-traseiro seria uma boa ideia para o grande público – até então, os carros de rua da Ferrari sempre tinham motor dianteiro. E o primeiro modelo a valer-se da nova configuração foi a Dino com motor V6 – sem a marca e nem o emblema da Ferrari na carroceria.
Ferrari Pinin
A Pininfarina, aliás, já aceitou outras oportunidades de “desrespeitar” a soberania da Ferrari quanto a seus projetos. Uma delas deixou ainda mais obscura uma Ferrari que já era bastante atípica – a 412, que era praticamente um sedã de duas portas, com três volumes bem definidos e espaço de sobra para quatro pessoas. Sendo parente da Daytona, ela também tinha um V12 na dianteira.
A versão feita de forma “independente” pela Pininfarina – ainda que apresentada oficialmente pela Ferrari no Salão de Turim de 1980 – era, curiosamente, batizada Pininfarina Pinin, mas há quem a chame de Ferrari Pinin, o que não está errado. Ela foi feita para comemorar os 50 anos da Pininfarina, e talvez por isso o estúdio de design tenha tido liberdade para fazer o que bem entendesse.
O resultado foi um sedã de verdade, com quatro portas e estilo muito diferente – proporções semelhantes às da 412 que lhe serviu de base, porém uma identidade visual muito mais britânica que italiana. A dianteira tinha uma grade enorme, que dobrava-se seguindo o contorno do bico do carro, e os faróis ficavam ocultos sob lentes retangulares de acrílico, bem como as luzes auxiliares e setas. As lanternas traseiras também ficavam escondidas sob uma cobertura transparente, e só apareciam quando acesas.
E sim: o carro quase totalmente funcional, apesar de ser um conceito – incluindo um confortável interior revestido em couro bege com um console central que percorria todo o comprimento do habitáculo, dividindo os bancos dianteiros e traseiros. Só faltava um motor de verdaede: o capô abrigava um flat-12 de mentirinha, ligado à casca vazia de uma transmissão manual de cinco marchas.
Enzo Ferrari viu a Pinin pessoalmente depois que o carro fez suas aparições no Salão de Turim e no Salão de Los Angeles. Não se sabe a reação do Commendatore – mas ele não mandou destruí-la, o que é um bom sinal. Em vez disso, a Ferrari Pinin foi levada ao museu da Pininfarina, onde ficou até 1993. Depois disso, um colecionador belga chamado Jacques Swaters a comprou, ficando com ela por 15 anos antes de vendê-la novamente.
O novo dono, em 2008, resolveu enfim dar à Pininfarina Pinin um motor de verdade. Com a ajuda de ninguém menos que o próprio Mauro Forghieri, já aposentado e livre para fazer o que quisesse, a Pinin ganhou o motor flat-12 de 4,9 litros e 395 cv da Ferrari Testarossa, bem como o câmbio de cinco marchas da 400 GT. Ela virou um belíssimo grand tourer e apareceu à venda algumas vezes desde que ficou pronta.
Ferrari Mythos
Falando em Testarossa e Pininfarina, a Ferrari Mythos é uma Testarossa modificada pela Pininfarina em 1989. E ela ficou com uma cara de Lamborghini…
A Ferrari Mythos foi criada como um conceito especial para o Salão de Tóquio daquele ano, e talvez por isso a Pininfarina tenha decidido criar algo completamente diferente do modelo original.
A cara de Lamborghini oculta toda a estrutura e powertrain de uma Testarossa original, da primeira fase, com motor de 4,9 litros e 395 cv. Só que a Pininfarina fez o possível para modernizá-la – e aí o carro ganhou linhas mais arredondadas, permanentemente expostos e um para-brisa perfeitamente integrado às linhas do carro, sem moldura. Ah, e o teto foi eliminado: a Mythos é um roadster de verdade, sem capota.
Dizem que o design da Mythos foi o ponto de partida para a Ferrari F50, mas isso nunca foi confirmado. O que se sabe é que, apesar de ser um conceito que jamais deveria ter sido vendido ao público, a Mythos acabou indo parar nas mãos do Sultão do Brunei – o déspota famoso justamente por conseguir convencer as fabricantes a fazer carros exclusivos depois de abanar um cheque bem gordo na cara dos executivos.
Geralmente o Sultão pedia seis exemplares de cada carro, mas a Ferrari não deu moleza para ele – ele só garantiu o conceito original e um segundo exemplar. Os dois carros provavelmente estão apodrecendo na gigantesca propriedade do Sultão nesse momento…
Ferrari FX
O Sultão do Brunei, aliás, foi parcialmente responsável por um pioneirismo dentro da Ferrari. Se hoje todos os carros da marca têm aletas atrás do volante, isso só aconteceu por que, em 1994, o sobrinho de Hassanal Bolkiah – o príncipe Abdul Hakeem, que na época tinha vinte anos de idade – fez uma encomenda especial a Maranello: uma Ferrari com câmbio sequencial.
Imagine ter que desenvolver todo um sistema de transmissão só porque um cliente pediu! Pois a Ferrari assim o fez – seis vezes, porque Hakeem aprendeu direitinho com o tio. A família real do Brunei bancou todo o serviço, e o resultado foi a Ferrari FX.
É claro que a FX não foi feita do zero. Como acontece hoje, a Ferrari usou como base um modelo existente — no caso, a Ferrari Testarossa, com seu flat-12 de 4,9 litros, 396 cv a 6.300 rpm e 49,9 kgfm de torque a 4.500 rpm. Só que, em vez da caixa manual de seis marchas, o motor foi acoplado à transmissão sequencial da Prodrive.
Outros dois carros foram feitos usando a Testarossa como base, e mais três partindo da Ferrari 512M, a evolução da Testarossa. Um desses três carros foi enviado à Williams (sim, a equipe de Fórmula 1) para que eles fizessem melhorias no câmbio – afinal, a Williams foi pioneira no uso do câmbio sequencial na Fórmula 1. E, no fim das contas, o projeto acabou sendo aproveitado em alguns exemplares da F355, a título de testes — e ela acabou se tornando, em 1997, a primeira Ferrari de rua a oferecer uma alternativa ao câmbio manual.
Ferrari 456 Venice
A verdade é que a família do Sultão adquiriu o hábito de comprar carros especiais da Ferrari. E esta lista não estaria completa sem um dos produtos mais famosos desse hábito: a 456 Venice, única perua de verdade feita pelo pessoal em Maranello.
Quando foi lançada, em 1992, a Ferrari 456 ocupava a posição que hoje é da 812 Superfast. Só isso já é interessante, porque mostra o quanto se evoluiu em 30 anos – ela tinha um V12 de 5,5 litros na dianteira, tração traseira e transmissão manual de seis marchas (embora também pudesse vir com câmbio automático). O V12 rendia 442 cv a 6.250 rpm e 56 mkgf de torque a 4.500 rpm, o suficiente para acelerar até os 100 km/h em 5,1 segundos com máxima de 300 km/h.
Sendo um GT 2+2, a 456 oferecia espaço de sobra para quatro adultos. Só que o irmão do Sultão do Brunei, Jefri Bolkiah, achou pouco e decidiu a procurar a Ferrari pra encomendar uma 456 em forma de perua.
A história é um tanto obscura, mas o que se sabe é que o sultão procurou a Ferrari em 1996, e a fabricante encarregou a Pininfarina de projetar e modificar as 456 GT. O estúdio topou, mas exigiu que sete unidades fossem compradas a um custo de US$ 1,5 milhão para viabilizar a produção. O Sultão só queria seis, mas ele pagou pelas sete deixou uma delas com a Pininfarina.
Além de ser obrigada a modificar a carroceria para transformar a 456 em uma perua, a Pininfarina também acrescentou duas portas e uma tampa traseira com abertura bem generosa, transformando a 456 Venice em um verdadeiro carro de família. E o desenho ficou surpreendentemente harmonioso.
Um dos carros foi parar no Reino Unido, em Londres – diversas fotos e vídeos foram feitos há alguns anos, e desde então a 456 tornou-se uma das favoritas de quem curte carros obscuros. Mesmo que não seja assim tão obscura, ela vale a menção simplesmente por ser muito bonita.