ainda era um moleque de calças curtas numa epoca em que adultos nao usavam calças curtas mas me lembro muito bem daquele dia como se fosse hoje estavamos juntos todos em familia na sala da casa do meu avo materno em caieiras/sp entao uma cidade do interior hoje parte da zona metropolitana da grande sao paulo hoje e raro uma familia se juntar em frente a qualquer coisa cada um tem sua tela e cada um assiste o que lhe interessa sozinho mas em 1978 normalmente existia somente uma tela em casa e que pegava quatro canais no maximo chamava se televisao qualquer coisa que passasse ali era assistida por todos juntos tenho muita saudade desse tempo porque nos unia como familia de uma forma que vejo dificil hoje [caption id= attachment_256757 align= aligncenter width= 999 ] emerson e o copersucar fittipaldi f5a jacarepagua 1978 [/caption] nos domingos o programa que mais gostavamos um que interessava realmente a todos eram as corridas de formula 1 e naquele dia em especifico tinhamos ali algo a mais para torcer que apenas pilotos os irmaos fittipaldi wilsinho e emerson estavam investidos em uma empreitada unica na historia do brasil uma equipe de formula 1 genuinamente nacional emerson abandonara equipes de ponta depois de conquistar dois titulos mundiais para embarcar num sonho numa aventura incrivelmente ambiciosa e inspiradora criada por seu irmao mais velho e seu companheiro ricardo divila a equipe copersucar fittipaldi de formula 1 naquele ponto todo mundo criticava emerson o povo queria as vitorias que ele regularmente entregava em equipes de ponta agora obviamente ausentes numa que iniciava do zero parece incrivel hoje mas os copersucar eram tao ridicularizados entao quanto rubens barrichello talvez mais e com menos humor o fato de que nada vem sem muito trabalho por muito tempo parece escapar do imaginario nacional e resultados imediatos parecem ser o que esperamos de tudo de pilotos de corrida a presidentes da republica como se algo divino descesse das nuvens e milagrosamente para nos entregar a gloria um premio dos ceus por sermos gente fina elegante e sincera mas divago o fato e que naquele sabado de janeiro de 1978 em que nos ajeitamos na sala de meu avo crianças no chao adultos nos sofas e cadeiras para assistir o grande premio do brasil direto de jacarepagua no rj nao sabiamos que pelo menos por algum tempo isso tudo mudaria finalmente depois daquele dia deixariamos de ser vira latas no fim por pouco tempo mas pelo menos por algum ricardo divila o motivo de todas essas lembranças de 1978 voltarem assim de repente e claro este fim de semana passado faleceu ricardo divila aos 74 anos diagnosticado com um cancer no pancreas foi internado e no hospital onde acabou por sofrer um avc fatal e assim perdemos um dos maiores personagens da historia da engenharia automobilistica brasileira sem fanfarra ou noticia no jornal nacional ainda tem jornal nacional ricardo divila dedicou sua vida ao automobilismo de corpo e alma casado nunca teve filhos acredito por pura falta de tempo viveu a vida toda naquela loucura do mundo das competiçoes onde quem nao trabalha 24 horas por dia sete dias por semana nao ganha nada e onde ganhar e tudo um ambiente onde o esperado e a dedicaçao total e mais nada pois para vencer tal coisa e o minimo o ponto de partida nunca se aposentou sempre achando que isso estaria num futuro adiante que nunca chegou sempre viveu perto de autodromos por toda sua vida nos ultimos anos na bucolica magny cours na frança gente que nao procura algum minimo significado real para sua passagem pelo mundo costuma achar esta dedicaçao obsessiva algo estranho e incompreensivel divila respondia isso de uma forma sincera e leve acreditava que o automobilismo representava a condiçao humana da sua forma mais bonita e uma batalha onde vencer e so o que importa e tudo vale para chegar a ela desde que dentro do regulamento claro mas e uma batalha entre cavalheiros ninguem atira em ninguem e nem muito menos deixa de respeitar o adversario uma forma civilizada de se levar as pessoas e a tecnologia ate seus limites limites internos pessoais limites tecnologicos limites de tempo de projeto e de administraçao dele limites fisicos humanos atleticos um microcosmo da condiçao humana mas civilizada estar no seu limite aqui nao gera violencia ricardo divila era uma pessoa unica inteligente como poucos falava com a mesma desenvoltura de ciencia classica e engenharia de musica e sociologia de maquinas a biologia uma mente eternamente curiosa procurando sempre se maravilhar com alguma coisa que antes nao conhecia e com um senso de humor tao presente que transbordou para uma coluna mensal chamada o demonio nos detalhes na revista inglesa racecar engineering seu editor nesta revista andrew cotton visivelmente emocionado com a perda abriu sua homenagem a ricardo nos dando mais uma pequena dica de como era divila como pessoa nunca na historia das corridas houve alguem melhor para conseguir um bom cafe do que ricardo divila sempre poderia ser encontrado espreitando em algum lugar perto de uma equipe italiana ou de algum fabricante de pneus nas pistas se sua equipe tivesse sido negligente o suficiente para nao trazer uma maquina de cafe adequada mesmo quando ele nao estava com nenhuma equipe e sim na pista apenas para procurar uma nova maneira de competir em le mans ele ainda conhecia engenheiros e membros de equipe suficientes para sempre encontrar um bom cafe um exemplo claro de quem era ele esta no fato de que de jovens engenheiros a veteranos tarimbados todo mundo ficava feliz em ajuda lo em sua eterna busca pela cafeina [caption id= attachment_256763 align= aligncenter width= 999 ] christian heins e o alpine m63[/caption] le mans foi sempre sua corrida preferida o motivo e outra pequena janela na vida extraordinaria que levou era vizinho em sao paulo de christian bino heins e este vendo o enorme entusiasmo do moleque divila por carros e competiçoes o levou varias vezes a interlagos adotando o como protegido a tragica morte do bino competindo com a alpine em le mans 1963 marcou ricardo profundamente principalmente porque liderava a categoria ate 1 0 litro e patrioticamente pintara faixas verde e amarelas no carro azul frances e nos para lamas dianteiros se podia ler equipe interlagos alpine ganhar le mans sempre seria um objetivo para ele competiçoes de longa duraçao eram para ricardo divila embates onde quem vencia realmente era a equipe mais que em qualquer outro tipo de corrida e e claro que para uma pessoa como ele era uma vitoria mais bonita por ser assim e vencer le mans ele conseguiu como em toda categoria que competiu fora f3000 onde teve que se contentar com varios segundo lugares seu curriculo e mais que invejavel e inacreditavel competiu em simplesmente todo tipo de corrida de formula 1 a le mans de paris dakar a stock car brasileira sua carreira na nissan somente durou mais de 20 anos e o tornou respeitadissimo no japao numa epoca da sua vida que a maioria das pessoas estaria sentada na praia aposentada na nissan teve participaçao nos inovadores delta wing e o gt r lm nismo com traçao dianteira nos ultimos anos ajudava o velho amigo wilsinho a levantar a formula ve brasileira preocupado em formar uma nova geraçao de pilotos em nosso pais [caption id= attachment_256760 align= aligncenter width= 999 ] gt r lm nismo traçao dianteira[/caption] divila vivia no futuro e no proximo projeto sempre e nao se dedicava muito a lembrar o passado principalmente os acontecimentos que o levaram a formula 1 45 anos atras mas nao ha como nos esquecermos disso porque e um capitulo importante nao somente na carreira de alguem mas sim parte da historia de um pais fittipaldi divilla suas constantes incursoes em interlagos nos anos 1960 faz ricardo construir amizade com os irmaos fittipaldi principalmente wilsinho com eles se envolve de uma forma ou de outra com todos os carros de corrida que criaram inclusive o lendario fusca com dois motores atras do piloto e carroceria de fibra de vidro mas e acompanhando wilsinho em sua carreira europeia no inicio dos anos 1970 que vem a semente do que seria o f1 brasileiro com orçamento apertado a dupla tem grandes sucessos nas categorias inferiores de monoposto modificando os march e lotus que usavam suspensoes aerofolios e um sem fim de detalhes sao modificados por divila nos carros de wilsinho a equipe como era comum entao era praticamente so os dois que rebocavam o carro e os equipamentos europa afora atras de um problematico ford zodiac apelidado de penny [caption id= attachment_256767 align= aligncenter width= 999 ] no canto direito ricardo divila carregando pneus no teto do zodiac[/caption] os dois conheceram a fabrica da lotus entao no apice da f1 e descobriram que os formula 1 de entao nao eram complexos demais para eles sim no topo da tecnologia de entao mas carros simples motor ford dfv v8 cambio hewland freios disponiveis em algumas empresas some isso a uma carreira cheia de problemas de wilson fittipaldi como piloto na formula um e uma fagulha se acende os irmaos fittipaldi sempre tiveram esta ideia na verdade ao fechar suas carreiras como pilotos queriam como tantos outros se tornar dono de equipe fabricantes de carros de corrida afinal de contas aqui no brasil era o que faziam antes das carreiras de piloto na europa wilson so resolveu adiantar os planos ja que achava que tinha com divila algo que ninguem mais tinha um projetista genial e achava as equipes que o empregavam na f1 um lixo sabia poder fazer melhor mas os fittipaldi e ricardo divila eram brasileiros podiam muito bem ter começado na inglaterra onde ate hoje toda equipe de f1 tem uma infra estrutura de empresas e pessoas especializadas em competiçao de ponta mas nao fizeram isso fizeram um f1 brasileiro com todas as dificuldades que isto acarreta em 1974 aparecia o copersucar fittipaldi fd01 f de fittipaldi d de divila [caption id= attachment_256768 align= aligncenter width= 999 ] ricardo e o fd01[/caption] e quao brasileiro era o carro muita gente apontava o motor ford cosworth e o cambio hewland e achava que pouco so o resto nacional ignorando o fato de que a maioria dos ingleses fazia o mesmo comprava estes componentes uma profunda ignorancia do que faz um carro de corrida na verdade em conjunto a um terrivel complexo de vira lata bem conhecido de todos nos na verdade o carro era todo nacional o brasil e maior que este blablabla e um pais que existe apesar dos politicos e criticos todo mundo queria ajudar os fittipaldi a embraer de ozires silva ajudou em tudo que pode principalmente nas diversas peças de aluminio e com seu tunel de vento a gmb mais adiante emprestaria seu studio de design para se fazer o f5 a albarus spicer hoje dana projetou e forneceu semi eixos a cooperativa paulista de açucar e alcool coopersucar trouxe o dinheiro necessario italmagnesio fazia as rodas jogando fora 30 delas para cada uma aprovada em raio x fazendo a empresa rever seus processos os fittipaldi montaram uma fabrica em frente ao autodromo de interlagos super equipada preparada para fazer tudo que na inglaterra por exemplo era comprado de fornecedores especializados que aqui nao existiam ricardo divila um engenheiro aeronautico formado pela fei de sao bernardo do campo entao com apenas 29 anos projetou o carro inteiro inclusive o desenho futurista da carroceria que cobria o motor inteiro hoje algo comum mas entao total novidade [caption id= attachment_256769 align= aligncenter width= 999 ] o futurista fd01 em apresentaçao oficial para o presidente ernesto geisel [/caption] quer mais uma prova de que era um carro brasileiro a caixa de direçao do fd01 vinha de um chevette divila nao era uma diva com medo desse tipo de coisa descobriu que a caixa era perfeita para a funçao que pretendia entao porque construir algo novo com sua propria curva de desenvolvimento e possibilidade de falha muita gente ate hoje aponta coisa desse tipo como algo vira lata brasileiro mas na verdade ate a lotus usava caixas de carros como triumph spitfire de rua provadas e otimas para a funçao para mim e apenas uma prova da genialidade de ricardo divila mas o primeiro carro apesar do desenho revolucionario ou mais provavelmente por causa dele nao teve sucesso mesmo quando desenvolvido para o fd02 e fd03 claro uma empresa totalmente nova num pais que nunca tinha feito isso o estranho seria sucesso total logo de cara tempo era necessario mas ninguem queria saber disso a opiniao publica brasileira e implacavel e torturava a jovem equipe com charges engraçadas mas tragicas para sua reputaçao e o povo rapidamente revertia para um complexo de inferioridade que realmente nao faz nada bem para nos mas e dificil pacas de fazer desaparecer emerson provavelmente a este ponto nao aguentava mais de vontade de fazer parte de verdade da equipe pense bem voce tambem nao pensaria igual ganhar um campeonato com um carro com seu nome vindo do brasil era um objetivo bonito demais para ignorar o que faz a gente estranhar o numero enorme de criticas a respeito de sua saida da mclaren para a nova equipe de seu irmao sua entrada na equipe copersucar fittipaldi era inevitavel mas parece que fez mais mal do que bem vindo de um campeonato mundial para nao mais pontuar colocava em evidencia o longo caminho ainda a percorrer [caption id= attachment_256771 align= aligncenter width= 999 ] o fd04[/caption] ninguem queria esperar nada nem percorrer caminho nenhum queriamos tudo agora como pais mas querer nao e o que basta e mesmo o novo fd04 nao fez de emerson um campeao imediato divila recentemente dizia que o fd04 era seu carro preferido desta epoca; um que podia ter tido algum futuro se desenvolvido pacientemente mas tal coisa se mostrou impossivel a historia dos fittipaldi de f1 e uma historia da procura incessante de algum salto tecnologico ou de projeto milagroso que catapultasse a empresa para a primeira fila e nao do paciente e arduo desenvolvimento incremental que traz primeiro o meio do grid ate que em um momento em que finalmente as estrelas se alinham e o carro equipe e piloto estao prontos para serem campeoes uma pena a equipe acaba numa triste nota em 1982 com dividas enormes e como uma mancha na carreira brilhante de todos ali nao como a unica tentativa tecnologica de avançar o estado da arte do projeto brasileiro de automovel algo que efetivamente foi todos seguiram suas vidas emerson famosamente na f indy e divila em todas as categorias de corrida mundo afora [caption id= attachment_256772 align= aligncenter width= 999 ] f6 um fracasso[/caption] e nos aqui no brasil sem perceber o bem que iniciativas deste tipo trazem para o pais continuamos a esperar que o desenvolvimento da naçao de alguma forma apareça do ceu de algum politico milagroso ou do campo o bucolico bastiao da brasilidade nao acreditamos que somos tao capazes de desenvolvimento tecnologico industrial como as outras naçoes do mundo e esperamos entao que o bem estar venha sei la por milagre mesmo as evidencias historicas mostrando que sem este desenvolvimento tecnologico industrial nao existe pais realmente rico um dia para nao esquecer se a saga dos fittipaldi de f1 fosse o unico legado de ricardo divila ja seria suficiente para uma elegia decente em todo orgao de grande imprensa deste pais se nao fosse suficiente sua lista de conquistas depois disso tao enorme e variada que e impossivel reproduzir sem causar tedio de tao grande seria motivo tambem para mais homenagens mas e claro que fora de nosso mundo do automovel poucos lembraram dele [caption id= attachment_256773 align= aligncenter width= 960 ] jacarepagua 1978[/caption] mas naquele domingo de janeiro de 1978 aquele la com minha familia e tantas outras pregadas nas telinhas da televisao tudo era diferente naquele domingo e nos dias que se seguiram a ele acreditavamos em um futuro diferente um futuro de uma naçao nao conhecida apenas por carnaval e corrupçao estatal mas sim por ter gente tecnicamente capaz capaz de ate ganhar o grande premio de formula 1 de seu pais com um carro uma equipe e um piloto brasileiros um pais pronto para um futuro melhor ou como diria o proprio ricardo divila um pais capaz de vencer a mais civilizada das guerras nao emerson nao ganhou aquela corrida mas foi como se tivesse ganhado depois de anos de espera finalmente tinha chances e em casa descrever nossa sensaçao quando ele ultrapassou andretti e ficou em segundo lugar e impossivel pulamos gritamos nos abraçamos meu avo alemao de nascimento mas com mais tempo de brasil que qualquer um ali gritou e mandou todo mundo se sentar e sair da frente da televisao e quando obedeceram vi seus serios olhos teutonicos mareados de lagrimas pela primeira vez em minha vida naquele momento mais que qualquer copa do mundo ou mesmo vitoria de airton ou piquet sabiamos que o significado daquilo era bem maior nos brasileiros estavamos vencendo juntos ninguem nem percebeu carlos reutemann passar em primeiro de ferrari quando emerson passou a linha de chegada em segundo lugar o publico ja tinha invadido a pista pulando gritando fazendo festa chapeus voaram desconhecidos se abraçaram e a felicidade emanava daquilo de uma forma como nunca mais vi entao hoje parece nao somente um tempo passado; parece um mundo que nao existe mais quem vibra pela patria assim quando começamos o quadro flatout entrevista a pouco tempo atras ricardo divila estava na lista de potenciais entrevistados planejava agradece lo por isso fora da gravaçao por este momento tao emocionante marcado em minha memoria para sempre o acaso o levou antes nos deixando especialmente tristes por isso mas e claro que vou agradecer mesmo assim com a esperança de que onde quer que esteja possa nos escutar e assim saber o quanto foi importante para este mundo e este pais que agora deixou certamente para um lugar melhor agradecer e tudo que posso fazer obrigado ricardo divila
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