Toda regra tem exceções — especialmente se elas forem exceções convenientes. Veja a regra da “tração nas rodas certas” para os carros esportivos, por exemplo. O Lancia Fulvia Coupé HF tem tração dianteira e, assim mesmo, venceu a primeira edição daquele que logo se tornaria o WRC.
Os Alfa Romeo da era Fiat também são exceções muito convenientes: os carros mantiveram toda aquela beleza e inspiração dos modelos clássicos que fizeram a imagem da marca, e também mantiveram os sonoros e ardidos motores de comando duplo no cabeçote, mas… como eram baseados em plataformas da Fiat ou Lancia, tinham tração “nas rodas erradas”, as dianteiras.
Entre estes carros estão o Alfa Romeo 145, o belíssimo 155 (meu favorito) e o marcante 164 — este, lançado em 1987 como sucessor do Alfa Romeo 75, o último com o tradicional transeixo traseiro da marca. Mesmo com um V6 de 24 válvulas, ele mantinha a tração nas rodas dianteiras até mesmo na versão esportiva Quadrifoglio Verde (QV). Mais tarde ele ganharia a versão Q4, que era uma variação da QV com tração integral.
Mas… se serve de consolo, o Alfa Romeo 164 teve uma versão com tração traseira. E motor V10 de Fórmula 1.
A história começou um pouco antes da Alfa Romeo lançar o 164, quando a BMW colocou o seu supercarro M1 em uma categoria monomarca criada por ela própria chamada Procar.
Como aconteceu: em 1978, a BMW lançou o M1 e Jochen Neerspasch, chefe da divisão Motorsport, queria colocar o carro no Campeonato Mundial de Endurance (WSC) no ano seguinte, mas eram necessários 400 unidades produzidas para que o carro fosse homologado para o Grupo 4 e, em seguida, para o Grupo 5. Como não daria tempo de fabricar tantos carros de rua, Neerspasch resolveu criar uma categoria monomarca.
Neerspasch conseguiu convencer as equipes de Fórmula 1 a apoiar a categoria como prova de abertura para a Fórmula 1. O primeiro campeonato aconteceu em 1979, juntando pilotos da Fórmula 1 e do circuito de Turismo europeu.
Os carros com motores turbo de 470 cv ofereciam um belo espetáculo, mas a BMW preferiu se dedicar à sua entrada no WSC e na Fórmula 1 — ela passaria a fornecer motores para a Brabham a partir de 1981 e, por isso, a categoria acabou sendo disputada pela última vez em 1980. Paralelamente, os 400 carros de rua ficaram prontos e a BMW pôde entrar no WSC em 1981.
O campeonato Procar morreu ali, mas, em 1988, a Bernie Ecclestone vendeu a Motor Racing Developments — a empresa por trás da equipe Brabham — para a Alfa Romeo, que decidiu recriar a Procar para ser a categoria de apoio da Fórmula 1, exatamente como a BMW fizera no fim dos anos 1970.
Mais tarde, naquele mesmo ano, a Alfa Romeo apresentava o 164 Procar. O carro era, em essência, um monoposto de Fórmula 1 coberto com uma bolha idêntica à carroceria de um 164, porém feita de fibra de carbono e com a seção traseira removível para dar acesso ao motor. O resultado era um “Alfa Romeo 164” com motor V10, tração traseira e peso de apenas 750 kg.
O V10 deslocava 3,5 litros e entregava 620 cv a 13.300 rpm e 39 mkgf a 9.500 rpm. O câmbio era um transeixo traseiro, mas não Alfa Romeo como de costume, mas um tradicional Hewland de seis marchas, instalado atrás do V10.
Testado em autódromo, o carro atingiu uma velocidade máxima de 340 km/h, além de completar o quarto-de-milha (402 m) em apenas 9,5 segundos. O desempenho era sutilmente superior ao dos F1 V10 da época — uma vez que o Alfa não tinha o arrasto das asas de um F1. Uma curiosidade: seu nome comercial é Alfa Romeo 164 ProCar, mas oficialmente ele é o Brabham BT57.
Sim, um Brabham-Alfa Romeo depois de quase 10 anos, uma vez que a equipe britânica usou os motores italianos até 1978. Outra curiosidade é que este é, até hoje, único motor V10 da Alfa Romeo na Fórmula 1, mas não o único V10 “Alfa”, pois o TZ3 Stradale, baseado no Dodge Viper, também tinha um V10 “Alfa”. A diferença, contudo, é que o V10 do ProCar era feito mesmo pela Alfa Romeo.
A Alfa Romeo chegou a negociar com outras fabricantes para produzir carros semelhantes para a ProCar, mas nenhuma se interessou — aparentemente o novo regulamento de 1989, que previa a volta dos motores aspirados, tomou o tempo e o dinheiro dos construtores e nenhum deles se interessou pela categoria.
Como a Alfa Romeo era a única fabricante interessada — e sem motivo para fazer tantos carros como este — ela simplesmente abandonou a ideia, engavetou o projeto e guardou o carro no seu museu, em Arese.
O número de unidades é um ponto indefinido nesta história: algumas fontes mencionam que há apenas um exemplar, enquanto outras fontes citam dois — um deles, aparentemente, jamais visto publicamente. Talvez a Alfa Romeo tenha feito um chassi, mas não completado o carro.
O carro fez uma apresentação no GP da Itália de 1988, em Monza, e depois só voltou a acelerar recentemente no Festival of Speed de 2010, em Goodwood.
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