Há exatos 45 anos a Ferrari lançava o primeiro de seus modelos com motor flat-12, a “Berlinetta Boxer”. O modelo também foi o primeiro com o nome Ferrari a ostentar um motor central-traseiro, uma configuração que demorou a aparecer nos carros da marca porque Enzo Ferrari relutava em fazer um carro de rua assim por achar que seus clientes o achariam difícil de guiar.
Até que seu ex-cliente Ferruccio Lamborghini lançou o Miura, que acabou se tornando o primeiro esportivo de motor central-traseiro. Enzo então lançou a Dino 246 GT, que nominalmente não é uma Ferrari, apesar de usar um motor Ferrari, ser construída pela Ferrari e vendida pela Ferrari. O modelo fez sucesso e convenceu o velho turrão que ninguém iria se matar se ele vendesse um carro com o motor atrás da cabine. E foi assim que, em 1973, a Ferrari apresentou seu supercarro com um 12-cilindros na traseira, a 365 GT4 BB — ou Berlinetta Boxer.
Apesar do nome igual, ela era um carro bem diferente da 365 GT4 “Daytona”, que tinha um V12 dianteiro. E também apesar do seu nome, o motor não era o mesmo V12 de 4,4 litros, nem um boxer de verdade, mas um flat-12 — também chamado de V12 a 180 graus, como explicamos neste post.
A 365 GT4 BB foi produzida somente por três anos e teve 387 exemplares, o que a torna a mais rara das Berlinetta Boxer. Em 1976 ela foi substituída pela 512 BB, que estreava um novo método de nomenclatura na Ferrari que usava o deslocamento combinado ao número de cilindros —, ou seja 5 litros, 12 cilindros — também originado pela Dino 246 GT. A potência subiu de 340 cv para 360 cv, mas a velocidade máxima diminuiu porque o peso também aumentou, indo de 1.235 kg para 1.515 kg. Assim, a 512 BB chegava “apenas” aos 288 km/h em vez de 302 km/h.
Em 1981 veio a versão injetada, a 512 BBi, que mantinha a mesma potência e velocidade máxima, melhorando apenas o gerenciamento do motor e o consumo de combustível. Apesar de ter sido produzida somente entre 1981 e metade de 1984, a 512BBi foi a mais popular das Berlinetta Boxer, com 1.007 unidades produzidas. A 512 BB carburada teve 929 exemplares entre 1976 e 1981.
Como você bem sabe, em 1984 chegou a Ferrari Testarossa, que foi o terceiro modelo com o motor flat-12. Ela também teve suas evoluções ao longo dos anos — primeiro como 512 TR e depois como F512 M — e permaneceu em produção até 1996, quando a produção das Ferrari flat-12 completou 23 anos.
Aproveitando que esta curta (mas importantíssima) linhagem está completando 45 anos em 2018 e que já falamos da Testarossa anteriormente, parece uma boa hora para conhecermos os detalhes da 512 BBi com estas fotos divulgadas pela loja americana LBI Limited, que está vendendo este belo exemplar de 1983.
Começando pelo lado de fora, você já deve ter notado que ela não tem uma maçaneta aparente na porta, somente o tambor da fechadura que trava/destrava o carro.
Mas olhe de perto e você notará esta alavanca camuflada no arco da janela:
Você só precisa puxá-la na sua direção e, ecco: o carro está aberto. Você verá o painel interno com design limpo, sem botões ou puxadores espalhados por ali. O puxador fica dentro do porta-objetos, e a maçaneta interna fica escondida na parte superior da abertura.
Entrando no carro você encontrará o cinzeiro em lugar de destaque no carro — afinal, estamos na Europa nos anos 1970/1980. Todo mundo fuma. O cinzeiro fica perfeitamente posicionado na posição de repouso da sua mão esquerda:
Lá dentro tudo é revestido de couro e carpete. Os pedais ficam deslocados para a direita graças às caixas de roda imensas, a alavanca de câmbio fica colada no joelho direito do motorista e os instrumentos indicam tudo o que se passa com o motor:
O espaço para os pedais é apertado: o túnel e a caixa de roda deixam o espaço exato para os três pedais e nada mais. A foto abaixo traz um golpe de vista: a plaqueta que protege o carpete do túnel central está refletindo o acelerador, fazendo parecer que há um quarto pedal.
Aposto que você notou mesmo foi o chicote aparente na foto acima, não é? Então… não se trata de um carro mal-cuidado, mas do padrão da época mesmo. A Ferrari não tinha muito mais que meia-dúzia de computadores naquela época e nenhum deles era usado na produção dos carros. O que resulta nesse tipo de visual:
Mas você não se importaria com isso, com aquele flat-12 lá atrás. Importaria? Mesmo na cabine a 512 BBi tinha outros atrativos, como o volante Momo:
Rádio toca-fitas com equalizador da Pioneer:
E ajuste elétrico dos retrovisores, que era feito por esse mini-joystick todo preto no console central:
Ainda no console central, logo ao lado do câmbio ficam o interruptor da lanterna de neblina (R.FOG) e o pisca-alerta (HAZARD). Os interruptores com as setas são os comandos dos vidros elétricos das portas:
Acima também temos o comando do ar-condicionado, que é um pouco diferente do que estamos acostumados: o botão A/C controla a temperatura do ar-condicionado — menos frio ou mais frio, somente. O outro botão controla a velocidade do ventilador do ar-condicionado. O sistema de ventilação funcionava separadamente, e era controlado mais abaixo:
Ele era um “proto-ar-condicionado-dual-zone”. Os seletores de cima, ao lado do joystick dos espelhos, selecionava por onde o ar saía — topo do painel, frente do painel, embaixo do painel. Os dois interruptores menores ligavam o ventilador do lado do motorista (FAN/L) e do passageiro (FAN/R) individualmente. Você poderia então controlar a velocidade do ar de forma diferente em cada lado, mas o controle de temperatura era único.
As saídas direcionais no centro do painel, e as saídas direcionadas para desembaçar o para-brisa:
Aqui dá para ver melhor. Note acima que há um braço, mas duas palhetas. Era o jeito de ampliar a área de varrimento do limpador.
Voltando ao interior, vamos ver a área de carga da cabine. Obviamente ela é minúscula e fica atrás dos bancos. Para acessá-la você precisa levantar esta alavanca:
E o que você tem é essa visão:
Tem até uma daquelas cintas charmosas, mas não dá para prender muita coisa ali. Mais acima há uma bandeja…
… que parece muito boa para guardar sua carteira e seu celular. Como na época os celulares não eram populares, nem caberiam ali dentro, é mais um porta qualquer coisa além da carteira.
Mais acima fica o console das luzes internas:
A luz circular é aquela que se abre com a porta do carro. Você pode mantê-la acesa com as portas fechadas se apertar o botão circular da esquerda. O outro círculo maior na frente é uma luz de leitura direcional, parecida com aquelas de ônibus e avião. Você a acende pelo botão da direita.
Uma olhada no teto e vamos de volta ao painel:
A instrumentação é completa, como se espera de um esportivo desta época. Velocímetro na esquerda, conta-giros na direita, temperatura da água no topo, pressão do óleo embaixo. Mais ao lado, acima do rádio, mais dois instrumentos: amperímetro e marcador de combustível. Ao lado, luzes espia para os cintos desafivelados e tampa do motor aberta.
No outro lado, acima do equalizador, ficam mais dois instrumentos: o termômetro do óleo e um relógio comum.
No meio disso, o lugar mais bizarro que já se colocou uma plaqueta de número de série:
Sim, é a coluna de direção, em frente ao quadro de instrumentos. Mas há outra no vão da porta que veremos depois na hora de abrir o capô. Antes disso, vamos ao porta-luvas, que é aberto por um botão sob o rádio e ao lado das saídas frontais de ar:
E aqui está ele aberto:
A foto está escura, mas ele também não é muito profundo. Dois terços do compartimento (os dois terços da direita) são ocupados pela caixa de fusíveis, que tem estes escritos na tampa. O outro cantinho que sobra é o “porta-luvas”. Só luvas mesmo.
Agora sim, vamos lá fora. Para abrir a tampa do motor, você precisa puxar uma alvanca na parede corta-fogo, ao lado do “bagageiro”, quase escondida pelo cinto:
Ao levantá-la, você expõe não apenas o motor, mas também o bocal do combustível:
Que também é acessado pela portinhola:
Aqui o flat-12 visto de cima:
A admissão recebe o ar pelo fundo das caixas dos filtros, por meio destes dois tubos de metal no lado esquerdo da foto. O coletor de admissão é alimentado por dutos que captam o ar na parte de fora; são aquelas saliências pretas no capô:
Aquele retângulo preto lá perto do vidro é a alavanca para liberar o capô por fora, depois de destravá-lo por dentro da cabine. Lá dentro também fica a alavanca de abertura do porta-malas/capô dianteiro. É essa alavanca cromada abaixo do equalizador:
E lá na frente você topa com isso:
Espaço para uma ou duas bolsas de mão (ou um estepe, se você é do tipo prevenido), o radiador, os faróis, os cilindros-mestre e o compartimento da bateria.
O radiador central resfria a água do motor. O ar-condicionado usa outros dois trocadores de calor menores, que não aparecem nestas fotos. Abaixo fica claro para que servem os respiros do capô dianteiro: extrair o ar que passa pelo radiador:
Por último, mas não menos importante, um detalhe bastante curioso da 512BB: as rodas “métricas” do sistema TXR da Michelin. Amplie a foto e você verá que os pneus são 240/55 R415. O diâmetro da roda é 415 mm, o que equivale aproximadamente a 16,3 polegadas — o que exige pneus especiais da Michelin para esta Ferrari.
Para encerrar, algumas fotos: