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Car Culture

Os 75 anos do escorpião – a história da Abarth

Desde que o homem descobriu a roda, ele procurou um jeito de fazê-la girar mais rápido. Aliás… este é quase um instinto natural nosso, e foi a verdadeira motivação para a “invenção” da roda: fazer as coisas mais rapidamente. Alguns homens, contudo, transformaram essa busca pela velocidade na história de sua vida, e acabaram t a história do automóvel. Carlo Abarth é um desses caras.

Apesar do nome italiano, Abarth era austríaco: nasceu em 1908 em Viena logo após a formação do Império Austro-Húngaro, filho de uma burguesa vienense e de um segundo-tenente do exército imperial dos Habsburgo. 

A família Abarth era originária da região de Trento, que pertencia à Áustria, mas passou ao domínio italiano após a dissolução do Império Austro-Húngaro. Seus avós eram proprietários de um hotel em Merano, e com o fim do exército imperial, seu pai mudou para a Itália para administrar o negócio da família e acabou optando pela cidadania italiana.

Desde cedo ele demonstrava paixão pela velocidade, técnica e espírito competitivo: ainda adolescente ele participava de corridas de patinete com os amigos de seu bairro, mas como era mais novo, acabava em desvantagem. Para tentar ser mais rápido, ele pegou um cinto de couro e pediu ajuda ao sapateiro de sua rua para criar um revestimento para as rodas do patinete. Com o “pneu”, ele não estava mais sujeito aos pedriscos e à poeira da superfície e finalmente conseguiu vencer os amigos mais velhos.

Aos 16 anos ele começou a trabalhar na carrozzeria Castagna em Milão, juntou dinheiro para estudar engenharia em Viena. Já como engenheiro, ele foi trabalhar em uma oficina vienense chamada Degan, onde era responsável pela fabricação de quadros de motos e bicicletas.

Seus projetos ganharam destaque no cenário motociclístico austríaco da época — estamos falando do final dos anos 1920 — e Abarth acabou apresentado ao campeão nacional de motociclismo Joseph Opawsky, que o levou para trabalhar na Motor Thun, uma famosa fabricante de motos da época. Em seu novo emprego, Abarth se tornou piloto de testes e projetista. Aos 20 anos, em 1928, criou seu primeiro chassi de moto.

Meses depois, ele foi chamado para substituir um dos pilotos da equipe da fábrica, que havia adoecido. Na primeira sessão de treinos ele fez o melhor tempo e, em vez de comemorar, teve que se defender das acusações dos próprios colegas: eles alegaram que Abarth modificada a moto de forma irregular e o obrigaram a trocar a moto para a segunda sessão.

Com a moto trocada, ele conseguiu novamente o melhor tempo e novamente foi “recompensado” com a inveja dos colegas. Ele acabou abandonando a prova por uma quebra mecânica — que foi considerada suspeita pela imprensa local.

Rejeitado pelos colegas de trabalho, Abarth deixou a Thun e, em 1929, comprou uma Grindlay-Peerless 250 usada e a preparou para começar a correr profissionalmente. Com uma série de vitórias, Abarth acabou chamando a atenção das fábricas alemãs e britânicas, e conseguiu um contrato com a DKW. Nessa mesma época ele criou a primeira moto com a marca Abarth, uma DKW 250 monocilíndrica com arrefecimento líquido.

Em 1930, na corrida Viena-Innsbruck, Abarth sofreu um grave acidente que causou uma lesão permanente no joelho, impedindo-o de competir. Durante sua recuperação ele desenvolveu um novo abafador de escape menos restritivo enquanto tentava a aprovação da comissão médico-desportiva para voltar a correr. Ele nunca conseguiu. 

O jeito foi tentar outra categoria: os sidecars. Com uma moto-sidecar criada por ele próprio, Abarth organizou um desafio de velocidade contra o trem Expresso do Oriente, ao longo dos 1.370 km que separavam as cidades de Ostend e Viena.

A corrida chamou a atenção, ganhou publicidade e colocou Abarth em uma nova posição no motociclismo austríaco. Mas seu joelho continuou um problema que lhe colocou em desvantagem nas competições. Novamente Abarth usou sua inventividade, criando uma suspensão de braço oscilante que permitia inclinar a roda externa do sidecar para otimizar a aderência e conseguir velocidades mais altas. Venceu praticamente tudo o que disputou nos três anos seguintes. Algumas fontes mencionam até que ele foi pentacampeão austríaco, embora não haja nada muito concreto que comprove esta afirmação.

Nessa época, contudo, a Áustria vivia um período de muita instabilidade política e social. O chanceler Dollfuss havia sido assassinado e a situação terminaria com a anexação da Áustria à Alemanha nazista. Abarth voltou à Itália, requereu a cidadania italiana de seus pais e começou a correr com as cores italianas em 1934. Na Velha Bota conheceu Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche, e acabou casando-se com sua secretária.

O problema na Itália era que Benito Mussolini e seu regime fascista haviam acabado de aderir à política nazista de Adolf Hitler. O casal então atravessou o Adriático e se refugiou em Ljubljana, a capital da Iugoslávia, onde Abarth abriu um posto de combustíveis em 1939. Naquele mesmo ano, Abarth sofreu um acidente quase-fatal e parou de correr. Para piorar as coisas, os italianos anexaram a Iugoslávia em 1941 e os nazistas invadiram o país em 1943. A Iugoslávia só se livrou dos invasores em 1945.

Com o fim da guerra, Abarth voltou à Itália, mudou seu nome para Carlo, reencontrou seu amigo Ferdinand Piëch e tornou-se o representante italiano do estúdio de design da Porsche. Abarth também entrou em contato com o piloto Tazio Nuvolari, que por sua vez o apresentou a Piero Dusio, um industrário presidente do Juventus que bancava a Cisitalia, uma fabricante que teve relativo sucesso com seu carro de corridas D46.

Dusio encarregou Abarth de construir um novo monoposto revolucionário baseado em um projeto do Dr. Ferdinand Porsche: o Cisitália 360, que tinha um sistema de tração integral complexo e um boxer de 12 cilindros central-traseiro de 300 cv. Só que nessa época o Dr. Porsche estava detido em uma prisão francesa, acusado de colaborar com os nazistas. Seu filho Ferry usou todo o dinheiro de sua participação na Cisitalia para pagar a fiança e libertar Porsche. Para piorar as coisas, a complexidade do carro sugou todos os recursos financeiros de Dusio, e em 1949 a Cisitalia quebrou e Dusio foi embora para a Argentina, levando o protótipo.

Abarth, que não recebeu um tostão da Cisitalia, juntou o que restou da empresa e fundou a Abarth & C em 31 de março de 1949, em sociedade com seu amigo Guido Scagliarini. O logotipo escolhido ostentava o signo astrológico de Carlo, o escorpião.

Com um monoposto D46, dois 204 Spider e dois carros ainda não terminados recuperados da Cisitalia, Carlo fundou sua própria equipe de corrida, a Squadra Abarth. Na sexta edição da lendária Mille Miglia, em 1949, a Abarth alinhou quatro carros no grid, um deles pilotado pelo próprio Scagliarini, que chegou em quinto lugar geral.

Para bancar a equipe de corrida, Abarth aproveitou sua vasta experiência em escapes de moto para desenvolver uma linha completa de escapes esportivos para carros, com tubo direto, sem restrições e passagens laterais de fibra de vidro, o que ajudava a melhorar o fluxo de ar, produzindo mais potência, ao mesmo tempo em que entoava um ronco mais agradável.

Com uma campanha publicitária atraente, e acabamento caprichado nas peças — elas eram pintadas dee preto fosco com a borda do tubo cromada — ele convenceu centenas de motoristas a pagar caro pelas peças, e assim alavancou o crescimento de sua preparadora.

No fim de 1950, com pouco mais de um ano de atividades, a oficina de Carlo Abarth tinha 40 funcionários e já havia vendido mais de 4.500 escapes. Mas o ano da virada para Abarth foi 1958, quando a Fiat lançou um novo carro: o 500. Com pouco mais de três metros e apenas 500 kg, ele era um verdadeiro carro urbano projetado para atender a demanda pós-guerra e motorizar a Itália.

Só que Abarth, um campeão das pistas, logicamente viu o potencial daquele carro leve e barato. Ele pegou um Fiat 500 comum e deu a ele seu toque de Midas com graxa: aumentou a taxa de compressão do motor de 479 cm3, instalou um carburador Weber 26 IMG, modificou os sistemas de alimentação e de admissão e, claro, instalou um de seus kits completos de escape.

O resultado foi o icônico Abarth 595, que não só dobrou a potência de 13 cv para 26 cv, mas também melhorou dramaticamente o comportamento dinâmico do carro. Por fora ele permaneceu praticamente inalterado, e a única pista de que aquele não era um 500 comum eram as rodas e pneus mais largos.

Na década seguinte, os anos sessenta, a Abarth obteve sucesso nas subidas de montanha e corridas de carros esporte, principalmente nas categorias entre 850 cm3 e 2.000 cm3, nas quais competia com Porsche 904 e Ferrari Dino. O grande destaque dessa época foi a vitória de Hans Herrmann na edição de 1963 dos 500 km de Nürburgring.

A Abarth rapidamente tornou-se símbolo de potência e desempenho, de modo que passou a fazer parte da cultura popular italiana. Dizem que na época os clientes dos cafés e restaurantes não pediam um café forte com licor, e sim um “café Abarth”.

As vitórias nas pistas estavam sendo ótimas para a reputação da marca, mas tudo aquilo tinha um preço — bem caro, diga-se de passagem. O estilo administrativo da Abarth concentrava-se mais nas vitórias do que nos lucros e por isso em agosto de 1971 a Fiat comprou a Abarth. O último carro produzido efetivamente por Carlo Abarth no período independente foi o Autobianchi A112 Abarth, que você deve conhecer dos games Gran Turismo, e obteve relativo sucesso nos ralis europeus.

A Fiat transformou a Abarth em sua divisão de rali, e o sucesso continuou com o vice-campeonato em 1973, 74 e 75, e uma trinca no Rali de Portugal de 1974, quando três Fiat 124 Abarth Rally chegaram nos primeiros lugares. Mas o melhor da década veio em 1976 com o lançamento do Fiat 131 Rally Abarth (abaixo), que conquistou três campeonatos mundiais de construtores — 1977, 1978 e 1980 — e outros dois de pilotos com Markku Alén em 1978 e Walter Rohrl em 1980.

Infelizmente, apesar das vitórias a década não fechou com chave de ouro. Tomado por uma doença severa, Carlo Abarth morreu em 23 de outubro de 1979, também sob o signo de escorpião

Sem seu fundador, o nome Abarth continuou no automobilismo durante os anos oitenta, mas desta vez batizando os carros da Lancia. A Abarth ainda faria o Fiat Strada/Ritmo Abarth 130 TC, movido por um motor 2.0 de comando duplo e dois carburadores duplos, de 130 cv. Mas foi só isso. Nas duas décadas seguintes o nome Abarth foi esquecido pela própria Fiat, até ser trazido de volta no Punto e no Stilo, no início dos anos 2000.

Felizmente, depois de quase 20 anos a Fiat percebeu o potencial da Abarth e a relançou como divisão esportiva, com direito a substituição dos emblemas e lojas próprias. Depois de lançar o Punto, 500 e o roadster 124 pela divisão, hoje a linha Abarth consiste nas reedições do 595 e 695, nos elétricos 500e e 600e, e, claro, nos brasileiríssimos Pulse Abarth e Fastback by Abarth.


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