É muito comum vermos histórias de barn finds — “achados em celeiros”, em tradução literal — são aqueles carros trancafiados em garagens, celeiros, galpões ou coisa do tipo que são encontrados anos ou até mesmo décadas depois. Nem sempre estão íntegros, quase sempre estão cobertos por uma grossa camada de poeira e sempre embalam nossa imaginação. É difícil não pensar “imagina se fosse comigo” ao ler a respeito de uma história dessas. Aliás, temos muitas aqui mesmo no Flatout.
Na verdade, a gente até fez uma lista com alguns dos achados mais incríveis do mundo automotivo, composta por histórias lá de fora (confira a parte 1 e a parte 2). Acontece que também temos belíssimos exemplos aqui no Brasil.
É sério! Há, inclusive, alguns sites inteiramente dedicados a este tipo de coisa — eles colecionam fotos de carros antigos em garagens, fazendas e estacionados nas ruas brasileiras que eles mesmos tiram ou recebem de pessoas em todo o país. Dá para passar horas vasculhando pelas páginas de sites como o e o , que já está por aí há anos e continuam atualizados regularmente. Olha só:
Todas estas fotos foram retiradas dos sites acima e, infelizmente, elas não acompanham as histórias dos carros. Mas servem para provar nosso ponto: há inúmeros barn finds no Brasil. E nós vamos falar deles agora!
O Impala de Ituiutaba
O mais famoso deles talvez seja o Impala de Ituiutaba, cidade na divisa de Minas Gerais com Goiás. O carro foi encontrado em 2010 depois de passar mais de 40 anos parado em uma garagem. A história tem duas versões. A primeira, é que nos anos 1960 um homem comprou um Impala pra impressionar uma garota por quem tinha uma queda — um crush, como dizem hoje. A garota, contudo, não ligou muito e, decepcionado, o tal homem teria trancado o carro em uma garagem desde então.
Segundo o jornal O Globo, que apurou a história, o carro foi comprado em 1964 por um comerciante chamado Hélio Alves Guimarães. Falando com sua filha, que não quis ter seu nome revelado, a verdade é que o pai simplesmente preferia carros menores, como o Fusca, para uso diário. Mas como ele não tinha o hábito de vender seus carros, o Impala acabou encostado na garagem por décadas.
Como, na época, o mercado brasileiro estipulava um valor máximo para carros importados, o sr. Hélio só conseguiu uma versão básica, com motor seis-cilindros de 3,8 litros e 140 cv, e câmbio manual três marchas na coluna. Em 2010, seu Hélio morreu de pneumonia, aos 88 anos de idade. O carro foi, então, retirado da garagem onde estava, pois o teto estava para desabar e seria feita uma reforma. Descobriu-se que o hodômetro marcava apenas pouco mais de 34,5 mil km rodados e que o Impala estava completamente íntegro, com lataria impecável, pintura e cromados em bom estado e todos os acabamentos no lugar. Só o motor não funcionava mais.
Ao que parece, a dona do carro não pretendia vendê-lo e, de acordo com a reportagem, já havia providenciado outro canto para o Impala. Não se sabe o que foi feito dele hoje.
Fotos: Showroom Imagens do Passado
Um Escort XR3 com 167 km rodados
Como acontece com diversos clássicos nacionais, procurar um Escort XR3 para comprar é uma faca de dois gumes: os exemplares mais acessíveis normalmente escondem defeitos sérios, enquanto os impecáveis custam mais de R$ 30 mil. Claro, existem os meios-termos, mas estes estão cada vez mais raros de encontrar.
Quer dizer então de um Escort XR3 fabricado em 1985 que rodou só 167 km? O carro foi encontrado em Campinas pelo vendedor de clássicos conhecido como Reginaldo de Campinas e, fora toda a poeira e sujeira, estava impecável. E mais: completamente original, da pintura aos pneus — um jogo de Firestone S-660 —, do acabamento à mecânica.
O Escort estava abandonado em um galpão imundo, e dentro dele estava uma declaração do Detran de São Paulo que o autorizava a rodar 15 dias sem as placas, emitida em 4 de novembro de 1985 — o que indica que o carro pode estar parado desse jeito que foi encontrado desde o final daquele ano.
Reginaldo disse que, diferentemente dos outros carros que garimpa, este seria limpo, recuperado e ficaria em sua coleção.
Fotos: Reginaldo de Campinas
As raridades da chácara
Foi no início de 2014 que Julio Camargo soube de uma propriedade no interior de São Paulo que, supostamente, guardava uma coleção de carros das décadas de 1970 e 1980, parados havia muitos anos em perfeitas condições. Conhecido no meio como Julio Raridades, ele é um caçador de raridades — um daqueles caras que sempre estão procurando carros raros, antigos ou as duas coisas, que estejam bem conservados e ofereçam potencial para negociações. Ou seja: imediatamente foi procurar saber mais a respeito.
Depois de alguns meses de procura, ele conseguiu chegar a um nome, um número de telefone e um endereço. Era o que ele precisava para, em setembro do ano passado, fazer uma visita à propriedade. A história foi divulgada em novembro de 2015. Por questão de segurança, o endereço e o nome do dono continuam em segredo até hoje.
O que importa é que o local estava, de fato, repleto de achados. Não é uma coleção gigantesca, e não há um galpão ou depósito: todos os carros estão parados ao redor da casa de hóspedes da propriedade, que também conta com uma casa principal muito maior. São modelos relativamente comuns de se ver nas ruas, mas raramente em um estado tão bom: VW Fusca, Brasilia, Variant e Gol BX (todos com motor refrigerado a ar), Ford Corcel II e Del Rey e um Chevrolet Chevette.
Também estavam ali dois carros mais raros — um Renault Gordini e um DKW Candango, versão brasileira do utilitário alemão DKW Munga produzida sob licença no Brasil pela Vemag. Dá para ver que o dono até se preocupou com a ação que o tempo tem sobre os carros, tomando o cuidado de deixar alguns deles sobre cavaletes — medida que ajuda a reduzir os danos aos pneus e ao sistema de suspensão.
Agora, infelizmente, quase toda história sobre carros parados no tempo envolve um acontecimento triste. E esta não é exceção: desde 2008, quando a mãe do proprietário morreu, a chácara deixou de ser frequentada pela família e os carros ficaram lá, parados, sob capas. Parte deles acabou sendo vendida pelo próprio Julio.
Fotos: Julio Camargo
A coleção leiloada de Caxias do Sul
Em boa parte das vezes, um barn find é algo indesejado. Os carros são guardados por alguma razão e, dali a um tempo, os donos pensam em tirá-los de seu esconderijo. Foi o que aconteceu com a coleção do proprietário de uma fabricante de peças automotivas de Caxias do Sul. Segundo a história contada , que descobriu o leilão, a coleção estava em nome da empresa do colecionador, que acabou falindo e em abril de 2014 teve seus ativos leiloados para quitar as dívidas remanescentes.
A maioria dos carros da coleção eram nacionais antigos como o Puma AMV, Volkswagen TL, Chevrolet Caravan 1977 e um Alfa 2300 Ti. Também havia alguns importados bem interessantes, como um par de BMW (2002 e 2800) e um Plymouth Valiant de primeira geração. A maioria deles precisou apenas de uma boa lavagem para voltar a brilhar.
História trágica
Lembra quando dissemos que, normalmente, barn finds estão ligados a acontecimentos tristes? Pois este aqui foi realmente trágico. O “arqueólogo” automotivo Reginaldo de Campinas contou a história : o Escort XR3 comprado em dezembro de 1984 (ou seja, é um dos primeiros exemplares fabricados no Brasil) ficou parado entre fevereiro de 1985 e outubro de 2015 em uma garagem da capital paulista. Sim, o proprietário só rodou três meses com o carro!
Mas por quê? Acontece que, pouco depois de comprar o XR3, o dono morreu afogado durante suas férias no Pantanal Mato-Grossense. O carro ficou em posse do irmão, que não permitiu que ele fosse vendido. No entanto, 30 anos depois, o irmão também morreu. Com isso, o carro foi vendido para Reginaldo — com apenas 955 km rodados e plásticos nos bancos.
Fotos: Reginaldo de Campinas
Peso pesado
Não são apenas os carros que podem ser barn finds. O caminhão da foto acima, um Mercedes-Benz L-1618, saiu da fábrica em 1995 e foi direto da loja para a garagem de um empresário de Itu, no interior de São Paulo. Na época, era comum que caminhões fossem comprados à vista como forma de guardar dinheiro — quando se precisava recuperar parte do valor investido, vendia-se um dos caminhões.
Segundo a história, apurada mais uma vez pelo Reginaldo de Campinas, foram comprados quatro caminhões, e apenas este não foi vendido. Ele acabou guardado no galpão da propriedade, sobre cavaletes, e “rodava” regularmente para reduzir a deterioração dos componentes mecânicos.
O Mercedes tinha 110 km rodados quando chegou ao galpão mas, como as rodas “giravam” regularmente, o número marcada no hodômetro é 551 km.
Fotos: Reginaldo de Campinas