Giorgetto Giugiaro decidiu que já era hora de sair da Italdesign. Na quinta-feira, ele vendeu as ações que ainda tinha (9,9%), saiu do cargo de presidente honorário e disse que vai se dedicar a “interesses pessoais”. Seu filho Fabrizio seguiu o mesmo caminho e entregou seu cargo de membro do conselho de admnistração. Se os dois vão parar ou criar mais alguma coisa, só eles sabem. O que é certo é que Giugiaro criou alguns dos carros mais importantes do século 20. Conheça nossa seleção dos mais importantes.
VW Golf
Carros “divisores de água” são sempre marcantes. No caso do Golf, ou Typ 17, ele não foi o primeiro modelo refrigerado a água da Volkswagen. , mas a responsabilidade do Golf foi maior. Ele deveria ser o sucessor do Fusca. Como garantir que ele teria o mesmo sucesso? Chamar um designer talentoso é meio caminho andado. E Giugiaro foi o escolhido para a empreitada, mas não da maneira que você poderia imaginar.
Em 1969, quando o projeto começou, Giugiaro ainda não tinha tanto prestígio. Ele acabou ganhando o projeto por uma feliz conjunção de fatores. Primeiro, a Volks não tinha um nome fechado para a empreitada. Segundo, a diretoria da empresa pediu ao importador da marca na Itália, Gerhard R. Guempert, para indicar alguém. Terceiro, no Salão de Turim daquele ano, quatro dos seis dos carros de que o importador mais gostou no evento eram de Giugiaro. Guempert indicou o designer para a empresa e o resto é história.
A tecnologia necessária para agradar a VW já tinha. Ela viria da Audi, especialista em carros de tração dianteira e com motor refrigerado a líquido. E a tendência era exatamente aquela, aliada a motores de montagem transversal, como o Mini já havia demonstrado. Bastava criar um produto confiável, robusto como o Fusca, mas atraente para uma nova geração de consumidores.
Ela veio em 1974, na forma de um carrinho de 3,71 m de comprimento, com 2,40 m de entre-eixos, 1,61 m de largura, 1,40 m de altura e meros 790 kg, com uma variedade de motores de 1.1 a 1.8. Só dessa geração foram vendidas 6 milhões de unidades até o encerramento da produção, em 1993.
Giugiaro criou não apenas o Golf, mas também sua identidade visual em todas as suas sete gerações. O que mais identifica o Golf é a larga coluna C, em formato de L. A frente, com faróis redondos e com o emblema VW bem no meio, também é obra do italiano, mas ela surgiu antes. Em um carro que também saiu da pena dele.
VW Passat
O B1, ou Typ 32, também foi vendido aqui no Brasil e nasceu em 1973, um ano antes do Golf, portanto. E já serviu de laboratório para o motor com refrigeração a líquido, dianteiro, com tração igualmente nas rodas da frente. Foi nele que estreou a nova dianteira da marca.
Encomendado a Giugiaro por Kurt Lotz, então presidente da Volkswagen, o projeto lembrava muito um Golf vitaminado. Isso até que Lotz teve de renunciar à presidência da empresa, que foi então assumida por um personagem que nós, aqui no Brasil, aprendemos a admirar: Rudolf Leiding, um dos pais do SP2 ao lado do designer Marcio Piancastelli, recentemente falecido.
Leiding não gostou do que viu e mandou refazer. Fã do corte de custos e do uso de componentes em comum, para ganhar escala, o executivo pegou uma Volkswagen em crise, o que demandava ainda mais cuidado com o dinheiro que era gasto. Deste modo, ele mandou que a parte traseira do projeto fosse aliada às portas, dianteira e plataforma de outro carro: o Audi 80.
Mecanicamente igual ao primo, o Passat tinha 4,19 m de comprimento, 2,47 m de entre-eixos, 1,60 m de largura e 1,36 m de altura, o Passat tinha motores 1.3 a 1.6, além de um 1.5 diesel, e era oferecido em carrocerias de três e cinco portas, além de uma versão perua. Foi produzido de 1973 a 1980 e seu sucesso foi significativo: 2 milhões de unidades vendidas no período.
VW Scirocco
Construído sobre a mesma plataforma do Golf, o Scirocco de primeira geração, chamado de Typ 53, também é obra do designer italiano, mas teve uma história para lá de conturbada. A ideia da VW era ter um substituto para o Karmann-Ghia. O projeto, de um esportivo 2+2, foi rejeitado pela direção da empresa, mas submetido também à Karmann, que se apaixonou pelo carro. E fez uma proposta à Volks: “nós financiamos o desenvolvimento do Scirocco e construímos; vocês cuidam só do marketing, beleza?”. A Volks topou.
Ainda que não tenha vendido horrores, com apenas 504.153 unidades comercializadas em sete anos (até 1981), o Scirocco ganhou segunda geração e foi vendido em várias partes do mundo. Pena que não por aqui. Tinha 3,88 m de comprimento, 2,40 m de entre-eixos (o mesmo do Golf), 1,63 m de largura, 1,31 m de altura e motores de 1.1 a 1.7.
Audi 80
Lançada em 1978, a segunda geração do Audi 80 foi para as mãos de Giugiaro em razão dos bons resultados com os Volkswagen. O Typ 81, ou B2, tinha 4,38 m de comprimento, 2,54 m de entre-eixos, 1,68 m de largura e 1,37 m de altura e motores entre 1.3 e 2.1 de cinco cilindros.
Em oito anos de produção (até 1986), foram vendidos 1,4 milhão de Audi 80.
Fiat Uno
Se a Volks contou com Giugiaro para substituir o Fusca, a Fiat chamou o designer para substituir o 127, carro mais vendido na Europa até aquele momento, com 5,6 milhões de unidades vendidas. O resultado apareceu em 1983, com o primeiro carro mundial da Fiat, o Uno.
Além do estilo inovador, o Uno recebeu no Brasil o apelido de botinha ortopédica por conta de uma de suas características mais inovadoras: a traseira Kamm, um conceito aerodinâmico desenvolvido pelo estudioso alemão Wunibald Kamm nos anos 1930. Isso o tornava menos resistente ao ar. E o Uno nasceu com excelente coeficiente de 0,34. Para a época.
O Uno trazia outras características de estilo interessantes, como a eliminação de calhas e os vidros rentes à carroceria.
Com 3,71 m de comprimento, 2,40 m de entre-eixos, 1,61 m de largura e 1,40 m de altura, o Uno nasceu com motor 0.9, mas chegou a ser equipado até com um 1.7 diesel, mas o mais forte que o equipou foi o 1.4 turbinado da versão Turbo.
Se sua missão era superar os 5,6 milhões de unidades do 127, carro do qual o 147 brasileiro derivou, pode-se dizer que o Uno mais do que conseguiu. Foram vendidas 8,8 milhões de unidades.
Fiat Panda
Antes do Uno, a Fiat havia pedido a Giugiaro que o ajudasse a criar um modelo capaz de substituir o 126, herdeiro direto do Topolino. Apresentado em dezembro de 1979, ele começou a ser vendido em 1980. Foi concebido, segundo Giugiaro, para oferecer o máximo de espaço e de praticidade. A ideia era fazer um carro “calças jeans”: sem frescura, sem firula, quase como o maquinário militar.
Com apenas 3,38 m de comprimento, 2,16 m de entre-eixos, 1,46 m de largura e 1,45 m de altura, ele tinha motores de 0.7 a 1.3. E era espaçoso demais para suas pequenas dimensões. O estilo “pau para toda obra” valeu a ele até uma versão 4×4. Fabricado até 2003, ele vendeu 4,5 milhões de unidades.
Fiat Punto
Nascido em 1993, o Fiat Punto, ou projeto 176, surgiu para substituir o Uno na Europa. Quem melhor do que o cara que havia concebido o campeão de vendas da Fiat para dar a ela um novo campeão? Foi o que Giugiaro tentou fazer.
Eleito carro europeu do ano em 1995, o Punto trazia luzes traseiras altas, na coluna C. Tinha 3,76 m de comprimento, 2,45 m de entre-eixos, 1,63 m de largura e 1,45 m de altura. Mesmo sendo bem mais espaçoso que o Uno, ele também pesava pouco. Sua versão mais leve, com motor 1.1, tinha apenas 830 kg. O maior motor era um 1.7 turbodiesel, mas o mais forte era um 1.4 turbo.
Fiat Grande Punto
O modelo que nós conhecemos no Brasil como Punto, na verdade, nasceu como Grande Punto. Chamado de projeto 199, ele nasceu em 2005 e também é filho de Giugiaro. Em 2009, a mesma carroceria ganhou o nome Punto Evo, mantendo o Grande Punto, e em 2012 ele passou a ser chamado apenas de Punto. Até 2012, tanto o Punto pioneiro quanto o novo já haviam somado 8,5 milhões de unidades.
O Grande Punto tinha 4,03 m de comprimento, 2,51 m de entre-eixos, 1,69 m de largura e 1,49 m de altura, com motores 0.9 TwinAir a 1.9 MultiJet.
Fiat Palio
O chamado projeto 178 era um modelo mundial, ou “world car”. Mas seu lançamento, apenas em países pobres ou emergentes, valeu ao carro o termo “third world car”, ou carro de terceiro mundo, como era corrente falar de países não desenvolvidos na época da Guerra Fria. Esse carro era o Palio, projetado pelo instituto I.DE.A. A reestilização do modelo, feita em 2003, é obra de Giugiaro.
O motivo de a Fiat não ter simplesmente fabricado por aqui o Punto, como muitos queriam, era a péssima condição de nossas estradas, que exigiam um modelo de carroceria muito mais robusta. Tanto que o Palio de rali exige pouquíssimas mudanças. Foi feito para ser um tanque de guerra e o fato de se manter em produção mostra que a tarefa foi bem-sucedida.
Com 3,74 m de comprimento, 2,36 m de entre-eixos, 1,61 m de largura e 1,45 m de altura, o Palio foi do nosso tradicional 1.0 ao 1.9 diesel das versões de exportação. Além de Betim, o Palio também foi fabricado na Argentina, Turquia, Polônia, China, Índia, Marrocos, África do Sul, Venezuela e Rússia.
Hyundai Pony
Quando começou a ter pretensões de fabricante, a Hyundai pediu ajuda a um certo designer italiano. Da colaboração entre eles surgiu o primeiro modelo da marca coreana a ser exportado, o Pony, de 1975. Mas não foi apenas Giugiaro que contribuiu para o sucesso do carrinho, que tinha 4,03 m de comprimento, 2,34 m de entre-eixos, 1,57 m de largura e 1,36 m de altura. Pesava apenas 910 kg.
O carro foi desenvolvido por George Turnbull, o diretor de desenvolvimento da Austin Morris, que contratou mais cinco engenheiros britânicos de sua confiança: Kenneth Barnett, para o projeto da carroceria, John Simpson, Edward Chapman e John Crosthwaite para a engenharia do chassi e Peter Slater como engenheiro-chefe.
Os motores, que vão de 1.2 a 1.6, são todos de origem Mitsubishi e o Pony tinha peças do Ford Cortina, modelo que a Hyundai produzia sob licença. Primeiro carro coreano de produção em massa, o Pony também foi o primeiro a ser exportado.
Renault 19
Lançado em 1988, o 19 foi um esforço da Renault de aumentar sua presença em outros mercados. Era tido com um “anti-Golf” e suas vendas totais ficaram até próximas das da primeira geração do Volkswagen: chegaram a 5,9 milhões de exemplares até o fim da produção, em 1999.
Com 4,16 m de comprimento, 2,54 m de entre-eixos, 1,70 m de largura e 1,41 m de altura, ele tinha um peso mínimo de 886 kg, muito pouco para um carro de seu tamanho, mesmo com o pequenino motor 1.2 de suas versões de entrada. O maior motor era um 1.9 diesel e o mais potente era um 1.8 de 140 cv.
Daewoo Matiz
Esse projeto mostra o quanto Giugiaro era insistente. Em 1992, a Fiat convidou os carrozzieri para criar uma reinterpretação do 500. A ideia de Giugiaro foi chamada de ID Cinquecento.
Sem emplacá-lo, Giugiaro criou no ano seguinte o Lucciola, um carro conceito com carroceria de alumínio e sistema híbrido de propulsão. Ou quase. Como gerador, ele usava um motor diesel com catalisador de 7,5 cv que alimentava dois motores elétricos de 9,5 cv cada um, instalados na traseira. A máxima era de 100 km/h e ele podia funcionar por 8 horas seguidas, no sistema híbrido, ou 50 km só com a energia das baterias. Também não houve interessados.
Anos depois, segundo Giugiaro, o presidente da Daewoo teria se interessado pelo Lucciola e pedido para que o designer italiano o ajudasse a transformar o carrinho em realidade. Com o mesmo motor 0.8 do Tico, bem como sua transmissão manual de cinco marchas, nascia em 1998 o Matiz, carrinho de 3,50 m de comprimento, 2,34 m de entre-eixos, 1,50 m de largura e 1,49 m de altura.
Em 2003, Giugiaro também ajudaria no projeto de um carro chinês, ainda que de modo indireto. Foi neste ano que a Chery lançou o QQ e foi processada pela GM, que havia assumido o controle da Daewoo. A empresa americana provou por A+B que o QQ era uma cópia descarada do Matiz, inclusive porque suas portas serviam precisamente no Matiz e vice-versa.
Lada Samara?
Você já deve ter ouvido falar que Giugiaro foi o responsável pelas linhas do Lada Samara. Mas esta é uma das mentiras mais persistentes do mercado. Giugiaro não tem nada a ver com o Samara. Nem com nenhum Lada. Nenhum carro da marca consta da e só há referências de um suposto envolvimento do designer no projeto aqui no Brasil. Em suma, é uma história que contaram por aqui e na qual todo mundo acreditou e que aparentemente não tem fundamento.