Sempre que a Ferrari lança um novo modelo, é um acontecimento na indústria – releve você ou não as práticas da fabricante enquanto empresa (como a neurose contra réplicas ou as políticas bastante rígidas quanto a modificações), os produtos de Maranello continuam importantes e relevantes como sempre foram. Especialmente agora que a mais nova Ferrari traz de volta o motor V6 central-traseiro para o modelo de entrada. Eis a Ferrari 296 GTB!
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como , , e muito mais!
Não, não voltamos à Dino – a Ferrari descartou essa possibilidade em 2018, um ano antes de anunciar seu novo superesportivo de seis cilindros. É como se eles quisessem evitar a todo custo a associação com o passado. Dá para entender o motivo. Na época da primeira Dino, houve quem não engolisse a ideia de uma submarca para carros mais acessíveis – “ou é Ferrari, ou não é!”
Por outro lado, a nomenclatura do novo modelo repete exatamente a fórmula das Dino clássicas. Assim como na 246, na 206 e na 308, os dois primeiros algarismos representam o deslocamento do motor, e o terceiro diz respeito à quantidade de cilindros. Na Ferrari Dino 296 GTB, temos um motor de seis cilindros e 2,9 litros. Uma homenagem velada, mas ainda assim uma homenagem.
Claro que, apesar disso, a Ferrari 296 GTB aponta para o futuro. Ela não é o primeiro supercarro híbrido plug-in feito pelos italianos, claro – esse título fica com a SF90 Stradale –, mas é a primeira representante da linhagem de entrada da marca a contar com a eletrificação. Com certeza é um indicativo de que a Ferrari ainda valoriza a combustão interna e que fará o possível para mantê-la viva, mesmo que isso signifique abrir concessões e reduzir o número de cilindros.
Até por isso mesmo vamos começar essa análise falando do motor. Trata-se, como já dissemos mais acima, de uma unidade totalmente nova, feita do zero. O deslocamento e o número de cilindros pode até confundir e te fazer pensar que é o mesmo motor do Alfa Romeo Giulia (que, afinal, é um Ferrari). Mas não: o V6 do Giulia tem um ângulo de 90° entre as bancadas de cilindros, enquanto na Ferrari 296 GTB o ângulo é de 120° – consideravelmente mais aberto, quase um flat.
Há uma série de razões para isso, e a principal delas é o packaging. Apesar de deixar o motor mais largo, o ângulo generoso dá mais espaço para que se instalem os turbos entre as bancadas de cilindros, assim como os coletores de admissão e escape. Além disso, o centro de gravidade do carro fica mais baixo, o que é desejável do ponto de vista dinâmico.
Como bom motor moderno, o V6 da Ferrari é todo feito com uma liga especial, desenvolvida especialmente para esta aplicação, que prioriza a resistência e a redução de peso. As câmaras de combustão receberam especial atenção: a Ferrari fez de tudo para torná-las as mais resistentes possíveis, a fim de que suportem a altíssima pressão do sistema de injeção – que despeja o combustível com pressão de 5.000 psi, gerando mais turbulência e, consequentemente, tornando a queima da mistura ar-combustível mais eficaz. Para isso também contribui o novo desenho dos dutos de admissão, que prioriza o fluxo de ar para dentro das câmaras.
Os novos turbocompressores da IHI também fazem sua parte. Eles são completamente novos, do tipo monofluxo, e são reforçados para que o rotor possa girar a até 180.000 rpm. Para isso, o próprio rotor teve seu diâmetro reduzido em 11% em relação aos turbos usados pelas Ferrari V8, podendo assim girar mais rápido sem sofrer os efeitos da inércia. A Ferrari diz que, em última instância, a eficiência dos novos turbos é 24% maior
É claro que o próprio posicionamento dos turbos também tem sua razão de ser: nos motores “hot V”, os dutos de admissão ficam para fora dos cabeçotes, dispensando o uso do intake plenum tradicional (que é grande e pesado); os dutos de escape são mais curtos e diretos, sem tantas curvas, o que melhora o fluxo dos gases de escape – que circulam mais livres – e também tem impactos positivos no rendimento do motor.
E claro, há o ronco. Segundo a Ferrari, o ângulo de 120° garante que a ordem de ignição seja simétrica, enquanto a arquitetura dos coletores de escape ajudam a “amplificar as ondas de pressão” – o que, combinado às rotações limitadas a 8.500 rpm (ou seja, o motor poderia girar ainda mais), resulta em uma nota que lembra bastante a harmonia de um V12. Aliás, o motor foi apelidado de piccolo V12 durante a fase de desenvolvimento, justamente por que tem características de funcionamento parecidas com as de um motor com o dobro dos cilindros.
O motor é ligado a uma caixa de dupla embreagem e oito marchas que é exatamente a mesma da SF90, da Roma, e também da Portofino M. E, entre o motor e o câmbio, outro motor: o MGU-K (Motor Generatur Unity- Kinetic) que usa tecnologia derivada da Fórmula 1 para entregar até 164 cv. Além de receber a energia cinética dos freios e convertê-la em eletricidade, o motor elétrico também é alimentado por uma bateria de 7,45 kWh (que a Ferrari diz ter a maior densidade energética da indústria no momento) e pode mover o carro por até 25 km, a uma velocidade máxima de 130 km/h, sem a ajuda do V6.
Para garantir que o carro todo trabalhe da melhor forma para sempre entregar a experiência perfeita, a Ferrari deu à 296 GTB os mesmos quatro modos de condução da SF90 Stradale – eDrive, Hybrid, Performance e Qualify. Os dois primeiros priorizam a eficiência energética e a economia de combustível, sendo o primeiro totalmente elétrico, enquanto o segundo permite que o motor V6 entre em ação quando o motorista precisa de mais desempenho. No modo Performance, o motor a combustão funciona o tempo todo, mantendo a carga da bateria e entregando a potência máxima sempre. Já no modo Qualify, dane-se a eficiência: o negócio é usar cada um dos 830 cv ao limite, mesmo que a bateria fique sem carga.
Sinceramente, só o fato de a Ferrari ter criado um V6 novo, do zero, para esse carro, já seria motivo de empolgação. Mas o carro em si também tem seus atrativos. Sim, agora vamos falar do visual.
O que a gente tem aqui é uma Ferrari tentando trazer de volta a elegância nas linhas – algo que já vimos também na Roma, por exemplo. A 296 GTB ficou mesmo mais limpa, sem tantas reentrâncias e aletas e vincos e dobras, com uma dianteira mais baixa, faróis em formato de losango com DRLs de LED em extensões que emolduram entradas de ar. Talvez as peças dêem ao carro um quê de Lamborghini (impressão que pode ser acentuada dependendo do ângulo), mas é louvável a iniciativa de tentar recuperar um estilo levemente minimalista.
Claro, não é um carro discreto em todos os sentidos – é uma Ferrari, afinal. Mas nota-se que a 296 GTB olha para o passado e traduz as influências de modelos anteriores para o século 21. Como as “ancas” formadas pelos para-lamas traseiros alargados, adornadas por entradas de ar (como na 250 LM), e a própria silhueta, que remete à ideia de uma linha fundamental da qual “nascem” os demais elementos do veículo – algo que se viu pela última vez na 458 Italia.
Os carros que vieram depois, embora derivados da 458, trouxeram distrações estilísticas demais, e a 296 GTB tenta mitigar esse fenômeno com sucesso.
O interior, por sua vez, não se afasta muito da filosofia de outras Ferrari modernas, com todos os comandos concentrados em um cockpit para o motorista – e, como na Ferrari Roma, há um display secundário à frente do passageiro com alguns dados sobre o funcionamento da 296.
De maneira geral, a revolução da Ferrari V6 não está explícita – o V6 biturbo ligado a um motor elétrico, por exemplo, tem se tornado o padrão nos superesportivos, e o visual está mais para um bem resolvido amálgama de influências passadas do que para algo verdadeiramente groundbreaking.
Em suma, o que a Ferrari fez foi ceder à modernidade para aquela que pode ser sua última grande novidade nos motores a combustão. E, claro, apontar o cano do trabuco para a McLaren e seu Artura – não foi por coincidência que os italianos acabaram de revelar um superesportivo que tem a mesma configuração mecânica, só que com uma vantagem bem grande em potência. O Artura tem 680 cv vindos de seu próprio V6 biturbo de três litros (pouco maior que o da Ferrari, na verdade) e do motor elétrico e, falando superficialmente, não cativa pelo nome ou pelo design como a Ferrari.
Vamos acompanhar e ver como as duas gigantes dos supercarros vão entrar nesse embate.