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Car Culture

Os detalhes do Porsche 963 de Felipe Nasr em Daytona

Vá ao site do Automobile Club de l’Ouest e procure a marca mais vitoriosa das 24 Horas de Le Mans. Você encontrará o nome “Porsche” no topo, com 19 conquistas. Procure o mesmo sobre as 12 Horas de Sebring ou as 24 Horas de Daytona e você encontrará a Porsche no topo, com 18 vitórias na corrida mais curta e outras 19 na mais longa. Por mera estatística, se você quiser ter chances de vencer uma corrida de longa duração com um protótipo, procure a Porsche.

Ou procure a empresa que a Porsche procura às vezes. Porque das 19 vitórias que a fabricante tem em Le Mans — talvez você não saiba — três foram com carros que não eram exatamente um Porsche. A primeira delas foi em 1994, quando a “Le Mans Porsche Team” venceu com o Dauer 962 Le Mans, que era um carro de rua inspirado pelo 962, mas com carroceria e motor modificados.

Como a mudança do regulamento de 1992 afetou negativamente o desempenho do Porsche 962, para 1994 a Porsche encontrou um jeito de continuar correndo com o 962 de forma competitiva: inscrevendo-o como um GT em vez de protótipo. A Dauer fez dois 962 Le Mans — que eram tecnicamente diferentes dos 962C porque tinham fundo plano e não aerodinâmico, e também tinha compartimento de bagagem, um elemento usado pela FIA para classificar um carro como GT.

A outra receita para se fazer um Porsche 962 de rua – e que funcionou

Com uma ajudinha da Porsche e com restritores de admissão no motor flat-6 de três litros, o Dauer conseguiu manter o mesmo ritmo dos protótipos do Grupo C e venceu a 24 Horas de Le Mans de 1994. Depois disso, a FIA passou a impor um volume mínimo de produção para homologar os GT, uma vez que o Dauer 962 Le Mans tinha só dois exemplares – os dois que correram a prova — naquela especificação.

Se o Dauer 962 tem suas origens na Porsche, o vencedor seguinte é realmente um caso de “engenharia de emblema”. Em 1996 e 1997 a Porsche voltou a vencer as 24 Horas de Le Mans, mas desta vez com um carro que tem dois nomes: pode ser Porsche WSC 95 ou TWR Porsche WSC 95. TWR você sabe o que é: Tom Walkinshaw Racing. Sim, o gênio escocês do endurance, que fez história colocando a Jaguar de volta ao topo de Le Mans e do Mundial de Carros Esporte (WSC) com os lendários protótipos XJR.

Por que você não pode esquecer o legado de Tom Walkinshaw

Apesar da campanha bem-sucedida da marca em parceria com Tom Walkinshaw, a Jaguar decidiu encerrar seu programa no WSC após a temporada de 1991. Walkinshaw levou sua equipe para os EUA, onde passou a disputar o campeonato GTP da IMSA com o XJR-16, uma evolução do XJR-14 de Le Mans (abaixo). Só que em 1993, diante da decadência da classe GTP, a IMSA decidiu adotar o regulamento do WSC, visando atrair os fabricantes que tinham protótipos de Le Mans. Então a Porsche, interessada, começou um projeto para desenvolver um carro para correr os dois campeonatos (IMSA e WSC).

E aí Tom Walkinshaw entra na história: a Joest Racing, que foi incumbida de desenvolver o carro para a incursão da Porsche nos campeonatos, contratou a TWR, que pegou o Jaguar XJR-14 e o modificou de acordo com a demanda da Joest. Esta, por sua vez, colocou no carro o motor flat-6 935, originalmente usado no Porsche 956 e assim nasceu o TWR Porsche WSC 95.

O carro venceu as 24 Horas de Le Mans de 1996 e 1997 e, ironicamente, quando a Porsche assumiu o projeto (devido ao sucesso nos dois anos), ela modificou o carro para a temporada de 1998 e o carro deixou de ser competitivo. Àquela altura, contudo, a Porsche já tinha o 911 GT1, que venceu a 24 Horas de Le Mans de 1998, conquistando a 15ª vitória da marca em La Sarthe — ou 12ª se a gente considerar que a Dauer e a TWR/Joest ganharam as três anteriores. É claro que estou apenas fazendo graça aqui: se a Porsche bancou e dirigiu o projeto, ela é, de fato, a vencedora.

Em 2020, com o anúncio da unificação dos regulamentos da Le Mans Hypercar (LMH) e da IMSA, criando a LMDh (Le Mans Daytona hypercar), a Porsche decidiu voltar à categoria maior do endurance mundial. Só que, diferentemente da última vez, quando ela desenvolveu o 919 Hybrid inteiramente “in-house”, ela agora novamente adotou o “outsourcing” para resolver o assunto.

Sim, o Porsche 963 tem nome e sobrenome de Porsche, tem o nome do parceiro (Penske), tem motor de Porsche, mas não foi feito pela Porsche. O regulamento exige que os Hypercars sejam baseados em um dos quatro chassis homologados para a LMP2, uma forma de reduzir o custo de desenvolvimento e atrair mais fabricantes.

Assim, o projeto do Porsche 963 acabou indo para os canadenses da Multimatic, a maior das fabricantes de chassi da LMP2. A decisão não foi difícil, afinal, eles já fornecem componentes para o 911 RSR e para os 911 GT3 R e Cup e, por estarem na América, facilita a logística do desenvolvimento compartilhado com a Penske — isso, claro, sem mencionar o fato de a equipe disputar tanto o IMSA SportsCar quanto o WEC.

Diz a Porsche que a dianteira do carro remete às formas curvilíneas do 956 e do 962, enquanto a traseira usa uma faixa luminosa que é uma referência ao design do 992. Como o regulamento rege peso mínimo (1.030 kg seco), potência máxima (700 cv), velocidade do motor (8.000 rpm), energia usada por stint e até o peso do motor com periféricos (180 kg), o que faz a diferença nestes carros é, além da pilotagem e da estratégia de prova, claro, a robustez e confiabilidade do conjunto motriz-mecânico.

Por isso, diferentemente do 919 Hybrid, que usava um V4 de dois litros turbo, esse 963 recorre a um velho conhecido da Porsche e do endurance: o motor 9RD. Se você não o reconheceu pelo nome, talvez pelo seu “vulgo” fique mais claro: é o motor do RS Spyder e do 918 Spyder. Isso significa que ele é um V8 de 90 graus e 32 válvulas. Originalmente aspirado e com 3,4 litros, ele foi ampliado para 4,6 litros no 918 Spyder e agora recebeu dois turbos para o 963.

A opção pelo 9RD se deveu não apenas ao peso do motor, mas também pela geometria superquadrada (96 x 81 mm) e pelo virabrequim plano que permite instalação em posição baixa no subchassi e pela rigidez do bloco, ainda que nestes carros o motor não seja componente estrutural. Outra vantagem é que ele havia sido desenvolvido para trabalhar com um conjunto elétrico, formando um powertrain híbrido no 918 Spyder.

Por que o Porsche 918 Spyder tem as saídas de escape em cima do motor?

A parte elétrica do powertrain, como já vimos anteriormente, é igual para todos os carros: o motor gerador (MGU), seus controladores (hardware e software) são fornecidos pela Bosch, enquanto as baterias de alta tensão são fornecidas pela Williams. O MGU entrega potência diretamente na transmissão (ele fica entre o câmbio e o motor) e recupera energia durante as frenagens no eixo traseiro.

O conjunto produz até 800 volts e entrega entre 40 e 68 cv por um breve momento, mas não altera a potência máxima do motor — quando o sistema é ativado, a potência do motor de combustão interna diminui — uma operação prevista pelo regulamento.

O carro estreou na temporada de 2023 do IMSA SportsCar e do WEC. Na competição americana foram quatro carros em três equipes, sendo dois pela Porsche Penske Motorsport. Eles conquistaram a vitória no GP de Long Beach, no SportsCar Weekend em Elkhart Lake e no Battle of the Bricks no Indianapolis Motor Speedway, terminando o campeonato em quarto lugar.

No WEC, o 963 não conquistou nenhuma vitória em 2023, mas os terceiros lugares na 6 Horas de Portimão e na 6 Horas de Fuji renderam à Porsche Penske o terceiro lugar na LMDh.

Neste ano, o Porsche 963 estreou a temporada faturando a 24 Horas de Daytona com Felipe Nasr, Dane Cameron, Matt Campbell e Josef Newgarden ao volante. A próxima corrida será pelo WEC, no dia 2 de março, nos 1812 Km do Catar (sim, 1812 km…), seguida pelas 12 Horas de Sebring, em 16 de março.


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