Em tempos de minivans de 280 cv, é fácil esquecer que você não precisa de muita potência para fazer um esportivo de verdade. Como já disse James May, o que importa realmente não é quanta potência você tem, mas quanto dela você pode usar na maior parte do tempo. Além disso, esportividade não se resume a velocidade bruta, um bom acerto de suspensão, um câmbio bem escalonado e um motor esperto conseguem colocar um sorriso na sua cara sem precisar de muita potência. O Lotus Elise está aí há 20 anos para provar isso.
Ontem vimos a primeira lista com os melhores esportivos com até 150 cv já fabricados. Hoje, estamos publicando a segunda parte. Se o seu modelo favorito ficou de fora da primeira, é hora de encontrá-lo por aqui.
Ford Ka XR
O Ford Ka XR não é um esportivo de menos de 150 cv. Ele é um esportivo de menos de 100 cv. Seu motor de 1,6 litro com comando no cabeçote e oito válvulas desenvolve 95 cv – e, por isso, há quem nem o considere um esportivo.
Ledo engano, pessoal. Primeiro, estes 95 cv fizeram do Ka XR, que foi lançado no Brasil em 2001, era a versão mais potente do Ka existente no planeta: o modelo europeu tinha um motor 1.3 com cabeçote de 16 válvulas e 75 cv. O SportKa, com o mesmo motor do Ka XR, só foi lançado em 2003.
Segundo, a sigla XR tem tradição: além de ser usada no Escort XR3 brasileiro nos anos 80, também esteve no Ford Fiesta XR2i que, em 1989, tinha um motor 1.6 de 104 cv; e no Ford Sierra XR4i, com seu V6 Cologne de 2,8 litros e 150 cv.
Terceiro: ele era mais que um “esportivo de adesivo”, e não estamos falando de sua aceleração (ainda que, capaz de chegar aos 100 km/h em 10,8 segundos com máxima de 186 km/h, ele não fosse nada mal neste quesito), e sim do acerto de suspensão – que já era bom nas versões comuns, com sistema independente McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira, mas ficava ainda melhor com barra estabilizadora e molas e amortecedores mais firmes.
Golf GTI Mk1
É inimaginável fazer uma lista de esportivos com menos de 150 cv sem citar o hot hatch original. Lançado em 1976, o primeiro Golf GTI acertou em tudo: no tamanho compacto, na potência do motor 1.6 8v (110 cv, capazes de levar o foguetinho de bolso aos 100 km/h em nove segundos), no peso de apenas 810 kg, e no visual agressivo na medida certa, com molduras pretas nos para-lamas e um friso vermelho em volta da grade.
A boa ergonomia típica dos Volkswagen, os engates precisos do câmbio, o volante com boa pega e os bancos que envolviam o motorista (e, em alguns exemplares, exibiam a padronagem xadrez que se tornou clássica imediatamente) ajudavam o “ambiente de trabalho” a ficar ainda mais agradável. Não foi à toa que, quatro décadas depois, o Golf GTI ainda seja o rival a ser batido no segmento dos hot hatches.
Peugeot 205 GTI
O 205 GTI foi uma das várias respostas ao sucesso do Golf GTI que as concorrentes europeias lançaram ao longo dos anos. Apresentado em 1984, ele aproveitava a excelente base que era o 205 – que, não por acaso, trazia as mesmas qualidades do Golf (tamanho compacto, baixo peso e suspensão bem acertava) e dava a ele um brilhante quatro-cilindros de 1,6 litro capaz de entregar 105 cv (até 1987, quando recebeu um cabeçote com válvulas maiores e passou a entregar 117 cv). O 0-100 km/h era cumprido em 8,7 segundos.
Em 1987 também foi apresentado o 205 GTI com motor de 1,9 litro, cujo maior deslocamento era resultado de um aumento no curso dos pistões. O GTI 1.9 também tinha um radiador de óleo e sistema de injeção recalibrado, sendo capaz de entregar 128 cv (ou 122 cv em alguns mercados, que exigiam a instalação de um catalisador) e levar o carro aos 100 km/h em 7,8 segundos.
Enquanto o GTI 1.6, graças ao menor curso, tem a fama de ser um motor mais esperto e girador, o motor de 1,9 litro é um pouco mais torcudo e suave. Ambos os carros, porém, ofereciam excelente comportamento dinâmico, com suspensão recalibrada e barra estabilizadora, além de visual à altura, com rodas maiores, para-lamas com molduras e para-choques mais robustos.
Citroën AX GTI
Ainda falando em hot hatches franceses, temos o Citroën AX GTi. Lançado em 1991, ele vinha com um motor de 1,4 litro com comando no cabeçote, oito válvulas e respeitabilíssimos 101 cv, que apareciam a 6.800 rpm. Além da suspensão firme (McPherson na frente, barras de torção atrás), seu baixo peso, de apenas 795 kg, garantiam boa parte da diversão ao guiar.
Com excelente aerodinâmica para a época (para se ter uma ideia, o Cx era de apenas 0,31), o AX GTI chegava aos 100 km/h em apenas 8,7 segundos, mas o entre-eixos curto e o acerto da suspensão o tornavam muito ágil nas curvas, e este é seu principal cartão de visitas. Não é à toa que, lá fora, o AX GTi é um carro muito popular para track days – e só não podemos dizer o mesmo no Brasil porque ele é muito raro por aqui.
Fiat 500 Abarth
Um carro com motor de menos de meio litro de deslocamento pode se tornar um esportivo? Para a Abarth, a resposta é um sonoro “sim”. Nos anos 60 e 70, a preparadora fundada pelo austríaco Carlo Abarth fez fama transformando o simpático compacto que motorizou a Itália no pós-guerra na verdadeira definição de razzo di tasca (foguete de bolso, no nosso italiano macarrônico). Como? Ampliando o deslocamento dos motores, polindo dutos, instalando cabeçotes com maior fluxo, trocando comandos e modificando componentes da suspensão e dos freios.
Talvez o 500 Abarth mais icônico da era clássica seja o 695 Abarth. Como o nome diz, ele tinha o motor ampliado para 695 cm³ e dispunha de… 49 cv. Acontece que estes 49 cv tinham apenas 570 kg para empurrar, e como resultado o italianinho era capaz de chegar aos 140 km/h e contornar curvas com agilidade ímpar. Não é à toa que eles eram tão populares entre os pilotos profissionais e amadores da época.
Avançando algumas décadas no tempo, o nome 500 Abarth voltou a fazer parte do vocabulário dos fãs de carros italianos nervosos (e somos muitos!). A razão para isto era o lançamento do 500 Abarth, em 2008, com um motor 1.4 turbo e 135 cv no modelo europeu (os americanos ganharam, em 2010, uma versão de 160 cv que, obviamente, não se encaixa nos requisitos desta lista.
O então novo 500 Abarth era capaz de chegar aos 100 km/h em menos de oito segundos, com máxima de 205 km/h. Seu maior atrativo, porém, era mesmo a dinâmica afiada que só os hatches de entre-eixos curto, suspensão firme, balanços dianteiro e traseiro quase ausentes e pouco mais de 950 kg pode oferecer. Não era à toa que a versão esportiva do 500 era tão esperada no Brasil – ainda que o “nosso” 500 Abarth (que vem do México) entregue 167 cv e, por isso, ficou de fora desta lista.
Alfa Romeo Giulia GT
Na virada dos anos 1960, quando o novo Giulia foi lançado para substituir o Giulietta, a Alfa deu continuidade à tradição de cupês esportivos e estradeiros com o Giulia GT. O modelo era baseado no chassi encurtado do Giulia Berlina, e tinha motores com potência específica relativamente alta que, combinados de baixo peso e ao visual limpo e bonito, ajudaram a torná-lo um dos esportivos mais marcantes de todos os tempos.
Os motores eram todos quatro-cilindros de alumínio, com comando duplo (que permitia overlaps maiores) e alimentados por dois carburadores. O menor deles, o GT Junior 1300, tinha apenas 89 cv, mas chegava aos 100 km/h em 12 segundos e acelerava além dos 160 km/h — marcas excelentes para um 1.300 da época. O mais potente deles, o 2000 GTV (esse V de “veloce”) tinha 132 cv e acelerava de zero a 100 km/h em 9 segundos e chegava aos 200 km/h.
Lotus Seven/Caterham 7
O Lotus Seven é a materialização da filosofia de Colin Chapman: simplifique e depois adicione leveza. É virtualmente impossível tornar um carro esportivo mais simples que o Seven sem transformá-lo em um kart ou em um chassi motorizado. Fabricado com chassi tipo spaceframe e carroceria de alumínio, o Lotus Seven não chegava aos 500 kg em suas primeiras versões (feitas entre 1957 e 1960) e era equipado com o motor 1.2 Ford “side valve” de apenas 41 cv. Como um bom esportivo da época, ele tinha motor dianteiro e tração traseira.
Mais tarde ele ganhou um pouco de peso, chegando aos 550 kg, mas passou a ser equipado com o motor Ford Consul de 1.3 e 1.5 litros, ambos preparados pela Cosworth e produzindo 86 e 106 cv respectivamente.
Nos anos 1970 a Lotus vendeu os direitos de produção do Seven para a Caterham, que o produz até hoje em mais de 10 versões diferentes, incluindo a versão RST-V8 que, como seu nome sugere, usa um motor V8 2.4 de 558 cv para impulsionar os 550 kg do carro — que adota fibra de carbono e kevlar em sua construção e inclui um treinamento de pilotagem obrigatório em seu preço de venda.
Apesar de ter vários modelos com relação peso/potência absurdos, a versão mais recente — e de entrada — é a que conquista o lugar em nossa lista: o Seven 160. Ele usa um motor de 0,66 cm³ originário dos kei cars da Suzuki sobrealimentado por turbo para produzir modestos 80 cv. Contudo, pesando apenas 500 kg e usando pneus de 175 mm de largura, isso é suficiente para fazer o ponteiro beliscar os 100 km/h em 6,5 segundos e levá-lo à máxima de 161 km/h – o que não parece muito, mas em um carro assim leve e equilibrado é mais do que suficiente para garantir a diversão.
BMW 2002 tii
Se hoje você enxerga a BMW como uma fabricante de sedãs esportivos — mesmo aqueles modelos sem o M tricolor na traseira — é por causa desse carro, o 2002 tii. Sua origem está na Neue Klasse, apresentada em 1962 com todas as características que se tornariam marcas registradas da linha: carroceria de três volumes, suspensão independente nas quatro rodas — McPherson na dianteira, pela primeira vez na história da marca; e braços triangulares semiarrastados na traseira — e, claro, tração traseira.
Em 1966 a BMW lançou o modelo mais emblemático da Neue Klasse: o 02. Inicialmente conhecido como 1600-2 e depois apenas 1602, o carro era um pouco menor que o sedã e, com um motor de 1,6 litro e 85 cv denominado M10, suspensão independente e tração traseira, logo caiu no gosto dos entusiastas por sua dinâmica que estimulava uma condição mais animada.
Não demorou para que a BMW introduzisse versões esportivas mais potentes, começando pelo 1602 Ti, que usava uma versão do 1.6 com taxa de compressão elevada (9,5:1) e 105 cv. Depois, em 1968, veio o motor de dois litros no BMW 2002tii, uma versão do M10 que, com sistema de injeção de combustível, entregava saudáveis 130 cv e chegava à velocidade máxima de 185 km/h.
A história da adoção do motor de dois litros é curiosa. Aconteceu porque Helmut Werner Bönsch, diretor de planejamento da BMW; e Alex von Falkenhausen, o projetista do motor M10, perceberam que ambos tinham carros iguais: cada um era dono de um 1602 com motor de dois litros. Vendo que era uma boa ideia, os dois decidiram convencer a BMW a desenvolver uma versão do 1602 com motor de dois litros, criando assim o arquétipo do sedã esportivo alemão.
Mini Cooper S
O Mini original nunca teve um motor com deslocamento maior que 1.275 cm³, mas isso não o impediu de definir o conceito de “pocket rocket”, nem de entrar nas pistas para encarar carros com o dobro do seu tamanho ou de ganhar o Rally Monte Carlo três vezes.
O Cooper S foi lançado em 1964, equipado com o motor 1.275 de 76 cv — um número que seria baixo em um carro com mais que os 670 kg do Mini. Com suspensão mais firme e rodas maiores, de 12 polegadas, o Cooper S foi inscrito naquele mesmo ano no Rally Monte Carlo com Paddy Hopkirk e Timo Mäkinen. Hopkirk voltou com o troféu e Mäkinen ficou com o quarto lugar. O finlandês contudo, ganharia o rali em 1965, na segunda vitória do Mini Cooper S. A terceira vitória no principado de Mônaco veio em 1967, com Rauno Aaltonen.
Como era de se esperar, as vitórias em Monte Carlo transformaram o Mini Cooper S em um ícone esportivo dos anos 1960, uma imagem que perdura até hoje e é bem explorada pela Mini/BMW, embora hoje o Mini Cooper seja mais um “Medium Cooper” e tenha mais que o dobro da potência necessária para a criação do mito.