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Car Culture

Os Mercedes de corrida que desapareceram há 65 anos

A história do automóvel está repleta de carros que desapareceram para sempre da superfície da Terra, voltando a existir somente no papel, na memória de quem os viu — ou às vezes nem isso.

Geralmente são modelos obscuros da chamada “brass era” (1896-1915), protótipos de fábrica que foram descartados ou acidentados, ou exemplares únicos feitos por encomenda que acabaram perdidos em transações particulares desconhecidas.

Dificilmente esse carro perdido é um campeão das pistas com documentação em fotos, vídeos e arquivos de fábrica, visto e pilotado por pessoas vivas até pouco tempo atrás. Mais improvável ainda é que os dois exemplares do carro em questão — e até mesmo sua existência — tenham se perdido no tempo. Foi exatamente o que aconteceu com o Mercedes 300 SLS.

Em 1955 a Mercedes se retirou do automobilismo depois que ver seu 300SLR envolvido naquele que se tornou o pior acidente da história do automobilismo, a Tragédia de Le Mans. Mas “retirar-se do automobilismo” para a Mercedes significou apenas encerrar as atividades oficiais da fábrica.

A produção de carros de corrida e o suporte às equipes privadas clientes continuou normalmente. Foi assim que o americano Paul O’Shea disputou as temporadas de 1955 e 1956 com o 300SL de corrida, e assim ele pretendia seguir na temporada de 1957 com o novíssimo 300 SL Roadster.

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O problema é que na hora de homologar o carro para a categoria de carros produzidos em série do SCCA, a inscrição da Mercedes e de O’Shea foi recusada porque o roadster ainda não tinha 150 exemplares produzidos naquele final de 1956. A solução foi tentar modificar o carro e inscrevê-lo na categoria D, que aceitava protótipos.

A Mercedes então pegou o chassi 00009/52, de 1952 e o transformou em uma plataforma de testes para desenvolver o novo protótipo de corridas. Este chassi já havia sido usado para desenvolver os 300SL cupês de corrida em 1952, depois serviu como base de testes do motor 3.0 injetado que foi usado no 300SL cupê em 1955, e acabara de ser usado no desenvolvimento dos reforços estruturais, distribuição de peso e suspensão do 300 SL Roadster.

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Esse protótipo teve capota, quadro do para-brisa, para-choques e revestimentos internos removidos, bancos substituídos por um par com estrutura aliviada, e ganhou tanque de combustível e radiadores de água e óleo feitos de alumínio, o que deixou o carro 400 kg mais leve que um 300SL Roadster, chegando aos 900 kg.

Para completar, o motor 3.0 seis-em-linha injetado usava um bloco de alumínio e ganhou novos comandos de válvulas, passando a desenvolver 235 cv, enquanto uma nova cobertura para as bordas do cockpit foi instalada, bem como um santantônio atrás do banco do piloto. O carro foi rebatizado como 300 SLS, significando a cilindrada do motor (300 centilitros, ou 3 litros) e “sport leicht super“.

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Com o protótipo pronto a Mercedes mandou o carro para Hockenheim junto de Alfred Neubauer, chefe da divisão esportiva da Mercedes, onde ele encontrou-se com O’Shea para os primeiros testes, realizados em no início de abril de 1957. Depois de uma bateria bem-sucedida, Neubauer deu o sinal verde para desenvolver dois exemplares baseados no protótipo.

Paul O´Shea gewinnt mit einem Mercedes-Benz 300 SLS.

Os carros ficaram prontos em abril de 1957, e logo foram enviados para os EUA junto de cinco motores reserva. No lado de cá do Atlântico, eles foram testados por Paul O’Shea em Lime Park. Logo nos primeiros testes, Neubauer reporta à cúpula da Mercedes que os tempos do SLS são mais baixos que os do Jaguar.

Naquele mesmo mês os carros estrearam no campeonato do SCCA, e Paul O’Shea acaba vencendo o título na Classe D. Apesar da campanha bem-sucedida de 1957, a Mercedes decidiu não continuar o apoio na temporada seguinte.

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A partir deste ponto a história dos carros se perde junto com eles. Paul O’Shea continuou correndo com os SLS usando motores americanos, provavelmente devido à ausência de componentes de reposição, uma vez que este motor foi usado somente pelos 300 SLS e as únicas cópias foram levadas pela Mercedes de volta à Alemanha. Depois disso os carros simplesmente desapareceram e nunca mais se ouviu falar deles.

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O protótipo do SLS (acima), por sua vez continuou a rotina de mula de testes. Em 1956, enquanto os carros de corrida começavam a ser construídos, ele recebeu uma capota rígida com portas asa-de-gaivota, que acabou não aprovada. Depois, em 1958, a Mercedes o usou para desenvolver a capota rígida convencional que acabaria lançada para o 300 SL Roadster.

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Segundo os registros da Mercedes, o carro foi usado até 1965, quando recebeu para-brisa e para-choques do 300SL Roadster e foi vendido a Karl Jurgen Britsche, que fica somente três anos com o carro antes de vendê-lo ao próximo proprietário, o segundo dos cinco que o carro teve. O carro foi colocado em leilão pela Gooding & Co. em 2004, mas não há detalhes sobre o evento. Acredita-se que ele esteja com um colecionador japonês chamado Naohiro Ishikawa.

Protótipo 300 SLS Roadster: a foto mais recente conhecida
Protótipo 300 SLS Roadster: a foto mais recente conhecida

Apesar do desaparecimento dos carros, existem três réplicas bastante fiéis, e uma delas foi fabricada pela própria Mercedes. Lembra dos cinco motores reserva que herr Neubauer enviou aos EUA? Um deles foi parar no 300 SL Roadster usado pelo ex-chefe de desenvolvimento da Mercedes, Hans Scherenberg.

Quando a Mercedes Classic descobriu o carro com aquele motor em seu acervo, eles decidiram recriar um exemplar do 300 SLS. Pode parecer um sacrilégio desfigurar um dos 1.858 roadsters produzidos, mas se considerarmos que os dois 300 SLS originais foram fabricados exatamente desta forma — modificando um 300 SL Roadster — e que sua recriação foi feita usando as mesmas ferramentas e técnicas, a ideia fica bem mais aceitável.

Mas esta não foi a primeira recriação do SLS. Antes da Mercedes, um piloto e empresário alemão chamado Georg Distler comprou um 300 SL Roadster e, durante a restauração do carro, em 1986, descobriu o projeto original de O’Shea e Neubauer nos arquivos da Mercedes. Foi quando ele decidiu recriar o carro, contando com a ajuda não apenas dos arquivos da Mercedes, mas também de ninguém menos que os italianos da Zagato para construir a carroceria de alumínio do carro.

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Ele tem algumas modificações para disputar corridas de clássicos, como rodas modernas e pneus radiais, um tanque homologado pela FIA e um câmbio Getrag de cinco marchas no lugar do original de quatro velocidades.

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A outra também partiu de um 300 SL Roadster original, que também não é 100% fiel ao original. Apesar disso, é um projeto admirável e, sem dúvida, valiosíssimo.

Ele não teve os paineis da carroceria aliviados como os carros originais e o modelo recriado pela Mercedes, mas o foi enviado aos especialistas em Mercedes clássicos da Kienle Automobiltechnik, na Alemanha, onde teve seu para-brisa original substituído por um defletor idêntico ao original dos SLS, e recebeu até mesmo um bloco de motor de alumínio como o original — ainda que tenha ficado mais potente, com 240 cv em vez dos 235 cv. O carro foi leiloado pela RM Sotheby’s em Londres em 2013 por 593.600 libras esterlinas.

300 SLS "Porter Special"
300 SLS “Porter Special”

Apesar do nome 300 SLS, não se trata de um modelo oficial da Mercedes, e sim uma criação do piloto americano Chuck Porter, que em 1955 arrematou um 300SL Gullwing capotado, construiu uma carroceria nova para ele em sua própria oficina e o transformou em um carro de corridas.

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O último S do nome do “Porter Special” é uma brincadeira do próprio Porter com a origem do carro 300 SL “scrap” — que pode ser perfeitamente traduzido como 300 SL “sucata”.