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Os motores de rua mais giradores já feitos – e como eles giram tanto

O assunto da semana, no FlatOut (tanto no site quanto no podcast) e em todo o restante da imprensa automobilística, foi o GMA T.50. Para celebrar seus 50 anos de carreira, o lendário Gordon Murray decidiu fazer de seu 50º projeto – segundo suas próprias contas – o último supercarro puro, à moda antiga, com motor V12 naturalmente aspirado, câmbio manual e tração traseira.

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Já destrinchamos e discutimos todos os aspectos do carro, mas certamente o V12 Cosworth de 12.100 rpm é um dos mais absurdos. É giro de motor de corrida, mas em um carro que não só pode ser utilizado nas ruas – com bom torque e comportamento suave em baixo regime – como também passou em todos os testes de emissões (com a ajuda de um motor elétrico de 48V, mas ainda assim). Imaginamos que, se tratando de um carro de mais de €2 milhões do qual serão feitas apenas 100 unidades, os proprietários certamente contarão contar com suporte total da Gordon Murray Automotive e deverão seguir um rígido programa de manutenção. Especialmente porque, esperamos, o T.50 terá proprietários que o utilizarão como se deve: na pista, levando-o ao limite sempre que puderem.

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O fato é que o T.50 eleva demais a barra dos motores giradores para carros de rua – dificilmente outra empresa terá a ousadia de criar um motor capaz de superar suas 12.100 rpm. Não apenas porque não haverá outro Gordon Murray para fazê-lo, mas porque a indústria de supercarros migrou há anos para os V8 e V6 sobrealimentados e deverá investir cada vez mais nos elétricos nos próximos anos. O genial Murray matou alguns coelhos com uma cajadada só: o T.50 não é apenas a obra prima de sua carreira, mas também é muito provavelmente o último de sua espécie e um monumento a tudo o que os superesportivos já foram – e jamais serão novamente. Ele já está na história.

Sendo assim, nos resta dar uma olhada naqueles que chegam mais perto – nos motores mais giradores do mundo… depois do V12 Cosworth do GMA T.50. Mas antes…

 

O que torna um motor mais girador?

De forma resumida e breve, talvez a parte mais importante seja a relação entre diâmetro dos cilindros e curso dos pistões. Motores de alta rotação tendem a ter diâmetro dos cilindros maior que o curso dos pistões principalmente devido à velocidade média do pistão. Em uma determinada rotação, os pistões de um motor de curso curto terão velocidade média menor do que os pistões de um motor de curso longo devido ao raio do virabrequim — quanto maior o raio, maior a circunferência, maior o movimento. Como a distância aumenta e o tempo é o mesmo, a velocidade precisa aumentar proporcionalmente.

Para ilustrar, citamos um exemplo de Jason Fenske, do Engineering Explained:

Digamos que você tem dois motores V8 de quatro litros que chegam às 6.000 rpm. Um deles tem a relação diâmetro x curso 0,5 (68,3 mm x 136,6 mm); enquanto o outro tem relação diâmetro x curso 1,5 (98,5 mm x 65,6 mm). A 6.000 rpm, o motor subquadrado terá a velocidade média do pistão de 27,32 metros por segundo (m/s), enquanto o motor superquadrado terá velocidade média do pistão de 13,12 m/s – menos da metade. O motor de curso curto ainda poderia chegar a 12.500 rpm antes de atingir a mesma velocidade média do pistão que o motor de curso longo.

Na animação abaixo pode-se perceber com clareza a relação entre a velocidade dos pistões e a rotação do motor. Veja como os motores de curso mais longo percorrem uma distância maior e, portanto, movimentam-se mais rápido – mesmo que o virabrequim esteja girando na mesma velocidade que em um motor de curso mais curto. As proporções estão exageradas, obviamente, para melhor visualização.

A título de curiosidade: com 81,5 mm x 63,8 mm, o V12 de quatro litros do T.50 tem relação diâmetro x curso 1,27.

Adicionalmente, um motor com maior diâmetro dos cilindros pode ter válvulas maiores, o que melhora o fluxo de ar para dentro da câmara de combustão e, consequentemente, o rendimento do motor em altas rotações. As válvulas, aliás, são um dos pontos críticos. Motores giradores precisam de medidas extras para evitar a flutuação, como válvulas mais leves (geralmente de titânio, sendo também mais resistentes) e molas mais rígidas ou mesmo a eliminação das molas helicoidais e sua substituição por molas pneumáticas, atuadores eletromecânicos, ou mesmo o sistema desmodrômico, que usa cames extras e balancins para cuidar do retorno das válvulas – e foi muito bem explicado nesta matéria do Leo Contesini.

A Fórmula 1, por sua vez, utiliza desde a décadas motores com válvulas pneumáticas, que são baseadas em gases comprimidos e um amortecedor, para eliminar a flutuação de válvulas – algo crucial para que eles fossem do limite de 12.000 rpm na época para mais de 20.000 rpm nos anos 1990 e 2000.

A razão para que motores com comando no bloco girem menos também tem relação com o trem de válvulas. Com a atuação por varetas, as válvulas de um motor OHV estão mais sujeitas à flutuação a um regime mais baixo de rotações, por conta da maior inércia dos componentes do trem de válvulas. O que não impede alguns motores V8 americanos com comando no bloco de serem preparados para girar acima das 9.000 rpm.

Fora isto há outros fatores, como componentes leves (que produzem menos inércia), fricção mais baixa e fluxo otimizado. Lembrando que um motor girador precisa ter um conjunto balanceado a uma tolerância muito maior, um sistema de lubrificação mais eficiente e mais uma série de medidas que lhe permitam chegar a rotações elevadas com segurança – e, em um carro de rua, com a máxima durabilidade possível.

A equipe de engenharia precisa chegar a um compromisso entre capacidade de giro, durabilidade, curva de potência e, claro, custos, ao criar um motor. Assim, existindo uma alternativa mais segura, econômica, limpa e barata de atingir o mesmo nível de desempenho de um motor que chega na estratosfera, é certo que a indústria irá adotá-la – leia-se, motores menores, com menos cilindros, turbinados e que giram mais baixo, mas entregam mais torque em baixas rotações e podem ser amansados ou envenenados com menos esforço. Um retrabalho de fluxo, uma reprogramação na ECU (ou mesmo uma ECU nova), e um sistema de escape mais livre dão conta de obter pelo menos 50 cv extras em motores de alta performance. O fim dos motores aspirados giradores é uma consequência que nós, entusiastas, lamentamos muito mais que quem faz os carros.

Levando tudo isto em consideração, podemos dar uma olhada nos carros de rua, produzidos em série (mesmo limitada), que melhor conseguiram fazer a conta fechar e nos deliciar com rotações lá no alto.

 

Aston Martin Valkyrie – 11.100 rpm

V12 de 6,5 litros
Diâmetro x curso: não divulgado
1.160 cv a 10.500 rpm e 91,8 kgfm a 7.000 rpm

O Aston Martin Valkyrie, que deve ser apresentado até o fim do ano e começará a ser entregue em 2021, também tem um V12 Cosworth, mas com 6,5 litros e 1.160 cv – que aparecem às 10.500 rpm. Ele ainda não foi mostrado em sua versão de produção, mas já podemos ouvir o ronco do motor. Mesmo com 1.000 rpm a menos que o T.50, o Valkyrie também soa como um carro de corridas.

 

Ariel Atom V8 – 10.600 rpm

V8 de três litros
Diâmetro x curso: 86×68 mm
500 cv a 10.500 rpm e 37 kgfm a 7.700 rpm

É mais comum que empresas pequenas, de baixo volume e produção artesanal, invistam em motores mais giradores por questões de custo e lucro. No caso do Ariel Atom V8, porém, há uma leve “trapaça”: seu motor é um Hartley V8, fabricado nos Estados Unidos e criado a partir de dois motores quatro-cilindros Suzuki – o motor da Hayabusa. Com três litros e virabrequim plano, ele passa dos 500 cv a 10.000 rpm – apenas 600 rpm antes do limite de giro.

 

Lexus LFA – 9.500 rpm

V10 de 4,8 litros
Diâmetro x curso: 88×79 mm
560 cv a 8.700 rpm e 48,9 kgfm a 6.800 rpm

Eis um carro que merece ser mais lembrado: o Lexus LFA. O visual não muito memorável e o fato de ser um Lexus (marca conhecida pelos carros de luxo, não superesportivos) talvez não ajudem, mas ele tem uma carta na manga: seu motor V10 de 4,8 litros capaz de girar a 9.500 rpm. Além do ronco belíssimo, ele sobe de giro tão rápido que a Lexus precisou usar um quadro de instrumentos digital, pois o ponteiro de um mostrador analógico, na época, não conseguia acompanhar com precisão o ganho de rotações do motor. Pode ser exagero, porém – não esqueçamos que o GMA T.50 tem um belo conta-giros analógico com ponteiro de alumínio.

 

Ferrari LaFerrari – 9.250 rpm

V12 de 6,3 litros 
Diâmetro x curso: 94×75,2 mm
800 cv a 9.000 rpm e 71,4 kgfm a 6.750 rpm (mais 163 cv e 20,4 kgfm do sistema KERS)

Criada para ser a Ferrari mais avançada de seu tempo, a LaFerrari utilizava o V12 família F140, cujo projeto remonta à Enzo, lançada em 2002 e é aproveitado até hoje na GTC4 Lusso e na 812 Superfast. A versão da LaFerrari é a mais giradora, capaz de chegar às 9.250 rpm. Em versões de competição, porém, o V12 F140 pode chegar às 9.500 rpm – caso da Ferrari FXX Evoluzione, versão de pista da Enzo, que tinha uma versão de seis litros deste motor.

 

Porsche 918 Spyder – 9.150 rpm

V8 de 4,6 litros
Diâmetro x curso: 96×81 mm
608 cv a 8.700 rpm e 55 kgfm a 6.700 rpm (mais 286 cv e 75,4 kgfm de dois motores elétricos)

Baseado no motor de corrida do Porsche RS Spyder, que competiu em Le Mans entre 2005 e 2010, o motor do Porsche 918 Spyder é naturalmente aspirado e faz parte de um complexo arranjo que inclui dois motores elétricos, um para cada eixo, sendo que o motor elétrico traseiro funciona em conjunto com o motor V8, ligado ao mesmo câmbio de dupla embreagem e sete marchas, enquanto o dianteiro é ligado diretamente ao eixo por uma embreagem elétrica que o desacopla quando ele não está em uso. É um sistema bastante complexo, mas o motor V8 sozinho já proporciona um belo espetáculo auditivo ao passar das 9.000 rpm.

 

Honda S2000 AP1 – 9.000 rpm

Quatro-cilindros de dois litros
Diâmetro x curso: 87×84 mm
250 cv a 8.300 rpm e 22,2 kgfm a 7.500 rpm

Herdeiro dos Honda S500, S600 e S800 da década de 1960, que usavam motores de moto para chegar às 9.500 rpm, o Honda S2000 é considerado um dos esportivos mais icônicos do planeta graças a seu motor F20, um quatro-cilindros com comando duplo no cabeçote capaz de girar a até 9.000 rpm na geração AP1, produzida entre 1999 e 2002. Em 2003 foi lançada a geração AP2, atualizada com um motor maior, de 2,2 litros, que tinha o curso dos pistões aumentado para 90,7 mm – o que ampliou o deslocamento para 2,2 litros e melhorou o rendimento do motor em baixas rotações, mas também reduziu o limite de giro para “apenas” 8.200 rpm.

Os próprios S500, S600 e S800 também devem ser mencionados – todos eles eram capazes de girar acima das 9.500 rpm com seus pequenos motores de quatro quatro cilindros, graças à combinação de baixo deslocamento e curso curto, desenvolvidos com a experiência da Honda em motores de moto.

 

Ferrari 458 Italia

V8 de 4,5 litros 
Diâmetro x curso: 94×81 mm
570 cv a 9.000 rpm e 55 kgfm a 6.000 rpm

A última Ferrari V8 naturalmente aspirada merece seu espaço aqui, pois também foi a última a chegar às 9.000 rpm – rotação na qual a potência máxima aparece. O motor F136 foi o primeiro com injeção direta de combustível em uma Ferrari de motor central-traseiro, e na 458 Speciale, que chegava aos 605 cv também a 9.000 rpm. A 488 GTB, sua sucessora, manteve a mesma plataforma e o mesmo monocoque de fibra de carbono, mas adotou um motor bV8 biturbo de 3,9 litros que chega a “só” 8.000 rpm.

 

Porsche 911 GT3 RS (991) – 9.000 rpm

Flat-6 de quatro litros
Diâmetro x curso: 102×81.5 mm
520 cv a 8.250 rpm e 47,9 kgfm a 6.000 rpm

Inspirado nos antigos Carrera RS da década de 1970, o mais recente Porsche 911 GT3 RS aposta no alto giro de seu motor boxer. É uma filosofia diferente da que se tem no 911 GT2 RS, cujo motor biturbo de 3,8 litros é bem mais potente, com 700 cv a 7.000 rpm e 76,4 kgfm entre 2.500 e 4.500 rpm – e tem giro máximo de “só” 7.200 rpm. Mesmo o ronco do GT3 RS é mais visceral.

 

 

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