Na semana passada a Brabus perdeu seu fundador Bodo Buschmann. Ele tinha apenas 62 anos e, segundo a empresa, não resistiu a uma “rápida doença” e acabou levado por ela. Em seus últimos dias Bodo Buschmann continuou fazendo o que fez nos últimos 40 anos: os Mercedes mais insanos do planeta.
Para entender de onde vem essa megalomania mecânica da Brabus, é preciso lembrar sua origem: a bronca de um pai ao seu filho. Bodo Buschmann era filho de um concessionário Mercedes-Benz, mas dirigia um Porsche 930. Hoje pode soar estranho, mas em 1978 a Mercedes não fazia esportivos ou qualquer coisa que fosse atraente para um jovem alemão de 22 anos.
A bronca aconteceu porque Bodo costumava estacionar seu Porsche na frente da concessionária Mercedes, o que não era bom para os negócios na opinião de seu pai. O velho Buschmann ordenou que Bodo tirasse seu Porsche da frente da concessionária, e disse que ele só poderia estacionar ali se seu carro fosse um Mercedes. Em vez de estacionar o Porsche nos fundos ou na rua ao lado, ele arranjou uma solução bem mais espirituosa: decidiu dar o desempenho do Porsche a um Mercedes. Descolou um 450SEL 6.9, pintou os cromados de preto, instalou rodas BBS, aumentou a cilindrada para 7,3 litros e começou a estacionar ao lado do carro do pai.
Foi quando um cliente viu seu 450SEL e perguntou se poderia ter um igual que Bodo percebeu que poderia transformar sua obediência ao pai em um trabalho dos sonhos. E foi assim que, em 1978, Bodo Buschmann chamou seu amigo da faculdade, Klaus Brackmann, juntaram as primeiras sílabas de seus sobrenomes e fundaram a Brabus. Desde então a preparadora colocou suas mãos em todos os modelos da Mercedes — do Classe S à Sprinter, e até mesmo à minivan Vito e ao Classe A de primeira geração. Em homenagem a Bodo Buschmann, selecionamos os modelos que definiram a imagem da marca nestes 40 anos.
190E 5.0 V8 – 1984
Depois de modificar os modelos mais potentes da Mercedes — primeiro o W116 450SEL 6.9 e depois os W126 500SEL e SEC — a Brabus lançou o modelo que deu início à série de swaps de motor insanos que ela faz até hoje: o 190E 5.0 V8 de 1984.
A Mercedes havia acabado de lançar seu baby-Benz como resposta ao BMW Série 3, lançado no final dos anos 1970. Adequadamente à sua proposta, ele tinha somente motores quatro-cilindros, com deslocamento entre 1,7 litro e 2,3 litros (o 2.6 seis-em-linha chegou somente em 1987) e, no máximo, 185 cv. Não era pouca coisa, afinal, o carro nunca pesou mais de 1.300 kg.
Mas Bodo Buschmann aparentemente não achava isso e tratou de sacar o motor V8 M117 de cinco litros da Classe S para instalar no cofre do sedãzinho. E como se não bastasse, Bodo ainda fez alguns upgrades no motor para que ele desenvolvesse 280 cv a 5.200 rpm e 43,8 kgfm a 4.000 rpm.
Infelizmente há poucas fotos do carro e do motor, e a Brabus não divulgou os dados de desempenho do sedã. Mas considerando que o 560 SEC de 280 cv era 400 kg mais pesado e mesmo assim chegava aos 100 km/h em 7 segundos e atingia 240 km/h com maior arrasto aerodinâmico, arriscaria dizer que o 190E V8 cortava ao menos 1 segundo desse tempo de aceleração e chegava aos 250 km/h. Nada mal para um sedã de quatro portas de 1984, não? Mas ele ficaria ainda melhor.
190E 3.6S – 1986 / 190E 3.6-24 – 1989
O 190E V8 era brutal, sem dúvida, mas também era uma receita manjada e, para piorar as coisas, não era muito equilibrada. Afinal, estamos falando de um carro que nasceu para carregar quatro cilindros na dianteira, e ele estava levando o dobro. Além disso, a transformação tornava o 190E 5.0 V8 muito caro. Então em 1986 Bodo decidiu fazer algo mais equilibrado: o 190E 3.6S.
Em vez do pesado e pouco eficiente V8, o 190E agora contava com o equilibrado M103, originalmente usado no W126 e no W124 (Classe S e Classe E, respectivamente). Logicamente Bodo Buschmann não fez um mero swap: além de colocar um seis-em-linha no cofre do baby-Benz um ano antes de a Mercedes fazer isso oficialmente, ele também aumentou o deslocamento do motor para 3,6 litros (uma receita que a AMG faria somente nos anos 1990!), o que elevou a potência de 188 cv para 271 cv e o torque para 37,1 kgfm. Com medidas de redução de peso o carro acelerava de zero a 100 km/h em 6,5 segundos e chegava aos 257 km/h.
Em 1989 a Mercedes apresentou o sucessor do motor M103, um novo seis-em-linha com comando duplo no cabeçote e quatro válvulas por cilindro. A Brabus não perdeu tempo e antecipou a receita da AMG em dois anos: em 1989 ela lançou o 190E 3.6-24 (de 24 válvulas), que produzia 286 cv e 38,9 kgfm para levar o baby-Benz aos 100 km/h em 5,9 segundos e à máxima de 272 km/h. Como comparação, o Porsche 964 Turbo 3.3 de 1990 chegava aos 100 km/h em 4,4 segundos e tinha velocidade máxima de 275 km/h.
E V12 6.9 – 1993 / E V12 7.3S – 1996
Em 1991 a Mercedes finalmente se deu conta da grana que estava perdendo e colocou um V8 de cinco litros no W124 como a AMG e a Brabus já faziam desde os anos 1980 e, em parceria com a Porsche, lançou o 500E. O que a Brabus fez? Aproveitou que a Mercedes também acabara de lançar um motor V12 e o colocou naquele novo sedã de alto desempenho.
E não apenas isso: como sempre, Bodo Buschmann modificou o V12 para aumentar o deslocamento de seis litros para 6,9 litros — como aquele W116 que ele fizera 15 anos antes. Foi brutal: com 508 cv e 72,3 kgfm, ele chegava aos 100 km/h em 5 segundos e seguia rumo aos 300 km/h. Em 1993!
Como se não bastasse (para variar…), a Brabus ainda aumentou o deslocamento do motor para 7,3 litros em 1996, o que elevou a potência para 582 cv e baixou o tempo de aceleração para 4,5 segundos e a velocidade máxima para 320 km/h. E mais: naquele mesmo ano a Mercedes lançou a nova geração da Classe E (W210) que imediatamente foi equipada com o V12 de 7,3 litros, agora batizado como 7,3S.
O resultado? O recorde de velocidade máxima homologado pelo Guinness Book: o sedã mais rápido do mundo, com 330 km/h de velocidade máxima e 4,5 segundos de zero a 100 km/h. E a velocidade foi limitada pelo mapeamento da ECU, uma vez que este era o limite físico dos pneus. A perua não ficava muito atrás, com velocidade máxima de 320 km/h. Sim: uma perua V12 de 7,3 litros e 320 km/h.
Com o recorde mundial homologado pelo livro dos recordes, a Brabus finalmente entrou no mapa das preparadoras, despontando para a fama que conserva até hoje.
SLK 6.5 V8 – 1997
Em 1995 a BMW lançou o Z3 e a Mercedes respondeu no ano seguinte com o novo SLK. Originalmente o SLK foi equipado apenas com um 2.3 supercharged de quatro cilindros e 193 cv e com um V6 aspirado de 3,2 litros de 215 cv ou supercharged de 349 cv (AMG). A Brabus, só para manter o hábito, decidiu colocar o motor V8 M119 (que já equipava seus Classe C e Classe E da época) no cofre do esportivo.
E como sempre, ele não foi colocado em sua forma original, mas com deslocamento ampliado de 5 litros para 6,5 litros, o que elevava a potência para 445 cv e o torque para 67,4 kgfm — potência que o SLK jamais recebeu oficialmente da AMG. Pesando 1.400 kg, o SLK 6.5 V8 era capaz de acelerar de zero a 100 km/h em 4,5 segundos e chegava aos 302 km/h.
ML 7.3 V12 – 1998
Em 2000 a BMW fez um X5 com o V12 de seu protótipo V12 LMR que venceu as 24 Horas de Le Mans, mas o carro nunca passou da fase de protótipo. Dois anos antes, em 1998, a Brabus fez algo parecido com o recém-lançado Mercedes ML: pegou o motor V12 M120 que também equipava o CLK GTR que disputou o campeonato de GT da FIA (que incluía as 24 Horas de Le Mans), e o instalou no cofre do SUV gigante.
O motor era o mesmo da Classe E V12, com cárter úmido, 7,3 litros de deslocamento, 582 cv e 78,6 kgfm. Mesmo pesando mais de duas toneladas, o SUV chegava aos 100 km/h em 5,4 segundos e era capaz de chegar aos 260 km/h.
Bullit V12 Biturbo – 2007
Nos anos 1980 a Brabus chegou a criar um 190E V8 biturbo, mas o projeto aparentemente não decolou, dado que nem mesmo a preparadora o menciona em sua história. A essência daquele projeto voltou a dar as caras em 2007, quando a Mercedes lançou a quarta geração da Classe C (W204). O motor desta vez não era um V8, mas um V12, dado que o V8 sobrealimentado já havia sido usado na versão AMG da geração anterior (C55 AMG W203), mas o V12 de 5.5 litros da Classe S, que era sobrealimentado por dois turbos. Seu nome? Brabus Bullit (assim mesmo, com um só t no final).
Como sempre, o motor não foi simplesmente transplantado, ele teve seu deslocamento aumentado para 6,2 litros, recebeu um novo escape com catalisadores menos restritivos, turbos maiores e um novo mapa para a ECU do motor. Sua potência saltou para 730 cv a 5.100 rpm e o torque para 134,4 kgfm, porém acabou limitado eletronicamente a 111,9 kgfm a 2.100 rpm. Com 1.890 kg ele é capaz de ir de zero a 100 km/h em 3,9 segundos, zero a 200 km/h em 10,3 segundos, e máxima de 360 km/h.
Além do motor, o Bullit recebeu também capô de alumínio com aletas para escoamento do ar quente, para-lamas alargados de alumínio, pneus Yokohama Advan 265/30 R19 na dianteira e 285/30 R19 na traseira, suspensão ajustável com dez modos, barras estabilizadoras mais espessas, discos de freio de 380 mm x 37 mm com pinças de 12 pistões na dianteira, e 360 mm x 28 mm com pinças de seis pistões na traseira.
Sim, é estupidamente brutal, mas o Classe C ainda ganharia uma versão mais potente. Em 2012, quando a Mercedes lançou o facelift do W204, a Brabus aproveitou para dar um tapa no V12 e deu a ele 70 cv extras, chegando aos 800 cv a 5.500 rpm. O torque permaneceu o mesmo, afinal, o carro precisa do câmbio para andar. Com isso o tempo de aceleração de zero a 100 km/h caiu para 3,7 segundos, e 9,8 segundos de zero a 200 km/h, enquanto a velocidade máxima (nunca testada, vale dizer) pode chegar aos 370 km/h.
Black Baron – 2009
O “carro do Darth Vader” é um clichê que já foi usado para diversos modelos ao longo dos últimos 40 anos. Já disseram isso do Buick GNX, do Impala SS, do Maybach Exelero e agora eu vou usá-lo para me referir ao Brabus Black Baron. E desta vez faz sentido: basta olhar para ele.
Trata-se de um Classe E da geração W212 com as rodas traseiras cobertas em um visual meio cyber-futurista-retrô-esquisito equipado com o mesmo V12 biturbo de 6,2 litros do Bullit da época, com 730 cv. E é graças ao visual esquisito, porém mais aerodinâmico, que o Black Baron consegue ser mais rápido que o Bullit 2007: a Brabus diz que ele é capaz de chegar aos 370 km/h, mas nunca realizou um teste gravado. Foram feitos apenas 10 exemplares, vendidos por 600.000 euros cada.
500 SEL “Business Lounge” – 1982
Além dos supercarros a Brabus também tem uma divisão de modelos executivos, cuja personalização é voltada ao conforto e a itens de conveniência que permitem que executivos trabalhem no banco traseiro de seus carros enquanto seus motoristas os levam de uma cidade a outra a 200 km/h nas autobahnen alemãs. Essa linha começou em 1982, quando a Brabus instalou pela primeira vez um sistema de áudio e vídeo em um modelo da Classe S, mais especificamente o 500 SEL.
Em 1995 a Brabus decidiu criar um escritório sobre rodas no Classe S600 de chassi longo. O carro ganhou um painel traseiro com saídas de ar, mesas retráteis para notebooks, console central com tela e integração com aparelhos de fax e modem.
A partir dali, a marca começou a produzir modelos cada vez mais equipados, replicando os jatos executivos privados no compartimento traseiro dos Mercedes. Até mesmo a Sprinter entrou na parada.