Pode reparar: as melhores notícias aparecem quando a gente menos espera. Você está por aí, vivendo sua vida numa terça-feira e, de repente, alguém te conta uma coisa muito boa que muda tudo. Aconteceu ontem, mas em escala global: um monte de gente estava brigando nas redes sociais por causa de carros elétricos, outros estavam pensando que um Virtus automático talvez não seja tão ruim para o dia-a-dia de um entusiasta quando a Porsche disparou uma bomba nuclear no mundo automobilístico: o 911 S/T.
Sim: Porsche 911 S/T, uma clara referência ao clássico 911 ST dos anos 1970, que aparentemente foi também seu muso inspirador na receita. Se você nunca ouviu falar do 911 ST, não se preocupe: pouca gente o conhecia, porque ele é uma das versões mais obscuras do 911. Nem poderia ter sido diferente: ele foi feito para corridas de longa duração no início dos anos 1970, justamente quando a Porsche tinha o 917 roubando toda a atenção do público. E ele não durou muito: logo a Porsche colocou nas pistas o Carrera RSR e ninguém mais quis saber daquele que o antecedeu. Sim, o 911 ST foi o antecessor do RSR.
Na verdade, o 911 ST é o ancestral comum, o “elo perdido” entre o Porsche 911 R e o Porsche 911 Carrera RS, o primeiro de uma linhagem que hoje segue em frente com o 911 RSR e os GT. Tudo começou com esse cara em 1970. Foi quando a Porsche pegou o 911 S e criou uma versão de homologação — a primeira do Porsche 911, para a surpresa de muitos — com mais potência e menos peso. O resultado foi o 911 Sport Touring, ou ST. Ele foi feito apenas para as pistas, então sua produção foi muito limitada — a Porsche menciona apenas 24 unidades feitas para corridas de endurance.
Ele é um carro purista desde seu nascimento. Na época a Porsche tinha três versões do 911: a básica 911 T, que era a mais leve por ser espartana; a intermediária E, com injeção mecânica (einspritzung, daí o “E”), e no topo da linha o 911 S, mais esportivo e veloz. Para criar o 911 ST ela simplesmente fez o que o nome do carro sugere: misturou o S e o T: o ponto de partida era um 911 S que passava por uma redução de peso que o deixava leve como um T, mas ainda com o desempenho do S.
O problema é que, por haverem tão poucos — e por causa do programa de equipes clientes da Porsche na época — é difícil saber exatamente qual era a receita do 911 ST. O que se sabe é que ele usava tudo o que havia disponível para o motor 2.4, o que resultava em uma potência de 270 cv. Além disso, ele tinha suspensão com amortecedores Koni, barras estabilizadoras mais espessas e rodas mais largas na traseira. Tão largas que, dizem, os primeiros exemplares usavam um par de rodas Fuchs na dianteira e um par de Minilites na traseira, pois a Fuchs não fazia rodas “taludas” como era preciso.
O alívio de peso incluía a remoção dos paineis de porta e das maçanetas, substituída por uma tira de couro que era ligada à fechadura através de um ilhós no painel plano da porta. As grades da buzina eram removidas, o para-choques tinha janelas para os radiadores de óleo, os vidros eram mais finos e o revestimento interno era simplificado, sem os isolamentos termoacústicos. No fim das contas, o carro ficou com 800 kg e se tornou ou 911 mais leve disponível.
Ainda era possível aliviar mais o carro, mas isso não aconteceria em uma garagem alemã, e sim com a equipe de um piloto francês que levou um dos raros 911 ST para as pistas. Gerhard Larousse, que correu com um 911 ST o Tour de France de 1970, sabia que tinha de onde tirar mais peso e fez uma aposta para motivar seus pilotos: ele daria uma garrafa de champanhe para cada quilograma que a turma conseguisse diminuir do carro. No dia da corrida ele tinha o 911 ST mais leve de todos ao custo de 11 garrafas de champanhe. Faça as contas.
Porsche 911 ST “Hippie”: a história do 911 mais leve já feito
Voltando ao 911 ST, ele durou pouco: em 1972 já não era mais oferecido, mas àquela altura ele também já não era mais necessário. A Porsche já sabia que precisava de um 911 de homologação e fez uma série de modelos consecutivos que existe até hoje — e, de quebra, deu origem à linha GT.
Foi justamente ela a encarregada de dar nova vida ao 911 ST — ou melhor, 911 S/T. Você pode encará-lo como um presente de aniversário de 60 anos para o Porsche 911 (ele foi lançado em 1963, lembra?). Ele segue a mesma receita do clássico não apenas nas especificações técnicas, mas também no envolvimento com o motorista.
A base para o 911 S/T foi nada menos que o atual 992 GT3 — as versões RS e Touring, a mais potente e a mais espartana do GT3. Para fazer jus ao nome, ela se tornou também a mais leve de todos os 992, com apenas 1.386 kg (e também a mais cara, por quase US$ 300.000). Serão feitos só 1.963 exemplares — e você sabe o porquê…
Voltando à receita, ele usa a carroceria estreita do GT3 Touring, porém com os respiros das caixas de roda dianteiras do GT3 RS, assim como suas portas de fibra de carbono. O motor também é o mesmo do GT3 RS, o 4.0 de 525 cv, que gira 9.000 rpm. Lembra da carroceria do 911 T com o motor do 911 S? Aí está.
Agora, sendo um carro que apela ao espírito da época em que seu ancestral foi lançado, ele tem algumas características bem puristas. Para começar: não dá para comprar um S/T com câmbio automático. Todos os 1.963 exemplares terão uma alavanca em H espetada no console, e um pedal de embreagem acoplando e desacoplando o câmbio do volante do motor. O volante, aliás, é outro elemento old school: peça única, aliviado como um carro preparado à moda antiga. Deve ser f8d4 trabalhar na divisão GT da Porsche; eu varreria o chão para trabalhar lá.
A medida não serve apenas para dar um feeling mais esportivo, mas também para reduzir 10,5 kg do conjunto rotativo. A redução de peso também contou com a ajuda do capô, do teto e dos para-lamas, tudo feito de fibra de carbono. As rodas são de magnésio também para diminuir o peso. Ah, e aquele sistema maroto de esterçamento das rodas traseiras não está aqui, também para economizar peso — mas tenha certeza que o pessoal da Porsche GT deve ter se divertido horrores com a traseira alegre desse carro.
Os freios? Também são mais leves, pois são de carbono-cerâmica. Vidros? Também são mais leves, pois são mais finos. E o revestimento interno dispensou o isolamento acústico, afinal, quem quer isolar os ruídos de um flat-6 de quatro litros e 525 cv? Até a gaiola parcial é feita de fibra de carbono. O resultado é uma redução de quase 32 kg em relação ao GT3 Touring.
De resto — pneus Michelin Pilot Sport Cup 2 nas rodas de 20 polegadas na frente, e 21 polegadas na traseira — o 911 S/T tem as mesmas especificações do Touring, incluindo a suspensão double wishbone dianteira e multilink traseira. Por dentro, os bancos com a parte posterior de fibra de carbono são de série. O quadro de instrumentos tem tipografia esverdeada, em referência aos 356 e aos primeiros 911 — afinal, este ainda é um especial de aniversário do 911.
No fim das contas, ele parece muitíssimo com o 911 R, de 2016 — aquele que foi vendido apenas aos compradores do 918 Spyder e que se tornou um clássico instantâneo justamente por combinar elementos do GT3 e do GT3 RS. O ágio e a especulação do 911 R no mercado de usados foram tão exagerados que a própria Porsche criou o GT3 Touring como resposta. Agora, o GT3 Touring dá origem a outro carro na mesma pegada do 911 R — a história parece mesmo se repetir em ciclos.
Desta vez, contudo, a história é um pouco diferente: em 2016 o futuro ainda não era elétrico, o câmbio manual ainda existia em muitos esportivos e o pessimismo ainda não era recorrente no cenário automobilístico. Mesmo assim, a Porsche vem com um carro desse calibre em uma terça-feira qualquer de 2023. E mesmo que a maioria de nós jamais vá passar perto de um desse, a simples existência de um carro como o 911 S/T é um banho para a alma dos entusiastas.
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