Paul Newman, falecido em 2008 aos 83 anos, foi um dos grandes exemplos de astros do cinema que também se aventuraram nas pistas – e mandaram bem. Não foi à toa que um de seus últimos trabalhos foi “Carros” (Cars, 2006), onde dublou Doc Hudson, o delegado de Radiator Springs que, na sua juventude, foi o Fabuloso Hudson Hornet, um dos maiores carros de corrida em ovais do planeta.
Nascido em 1925, Newman não era nenhum moleque quando começou a se interessar de verdade por corridas. Na verdade, ele já era um ator bem estabelecido, com seus quarenta-e-poucos anos, quando passou por um treinamento em pista para o filme “500 Milhas” (Winning, 1969), na escola de pilotagem do circuito de Watkins Glen, em Nova York (o estado, não a cidade). Em 1971, ele estrelou o documentário Once Upon a Wheel, especial para a televisão que contava a história do automobilismo.
No ano seguinte, 1972, Newman participou de sua primeira corrida profissional do SCCA (Sports Car Club of America) e, até o fim daquela década, venceu nada menos que quatro títulos no campeonato. Paralelamente, ele também correu na Trans-Am, ao volante dos Z-Cars da Datsun (a divisão americana da Nissan na época) e, em 1979, sua carreira nas pistas culminou com um segundo lugar na classificação geral das 24 Horas de Le Mans, quando revezou o volante do Porsche 935 com Dick Barbour e Rolf Stommelen.
Acontece que uma faceta menos conhecida de Newman era sua predileção por sleepers. Claro, ele tinha sua Ferrai 599 GTB Fiorano e, com uma carreira brilhante e uma conta bancária compatível, era natural que ele quisesse na garagem o melhor que a indústria italiana de carros esporte poderia oferecer. Só que, na real, o que Newman curtia mesmo eram os carros que não entregavam logo de cara seu potencial. E suas peruas Volvo eram o melhor exemplo do que queremos dizer.
Conta a história que Paul Newman era dono de uma Volvo 740 equipada com o motor V6 biturbo do Buick GNX. Dá para dizer que a perua 740, lançada em 1984 e produzida até 1992, já era um sleeper por excelência, especialmente na versão Turbo, que era equipada com um motor de dois litros sobrealimentado capaz de entregar 160 cv. Ok, 160 cv não são muita coisa hoje, mas para uma perua dos anos 1980 era uma bela potência. É claro que, com o motor do Buick GNX – uma verdadeira usina de força para a época, com 276 cv (declarados, pois a potência real era bem mais próxima dos 300 cv), as coisas ficavam bem mais interessantes.
De acordo com o site/fórum , dedicado inteiramente aos automóveis suecos, a Volvo 740 de Newman era um carro muito rápido, mas não muito bem acertado, sendo bastante difícil de domar nas curvas. Conta-se que era assim que Newman gostava de seus carros. Seu carro mais conhecido, por exemplo, era um Fusca com motor V8 sobre o qual falaremos em outra ocasião (se os leitores assim quiserem, claro) e transmissão ZF igual à do Ford GT40.
Segundo um dos usuários do fórum, trata-se do exemplar das fotos acima, que aparece à venda de tempos em tempos.
Só que esta nem é a perua Volvo mais famosa de Newman. Depois da 740, o ator decidiu realizar um upgrade e descolou uma Volvo 960 com um motor V8 Ford Racing de cinco litros equipado com um compressor mecânico. Newman pode não ter realizado o swap com as próprias mãos, mas deu coordenadas para o projeto, que foi executado por uma empresa chamada Converse Engineering – que, aparentemente, não existe mais. No entanto, ainda de acordo com o Swedespeed, a empresa já tinha certa reputação exatamente por causa de suas peruas Volvo com motor V8.
Newman topou com o nome de Ross Converse, o dono da Converse Engineering, nas páginas de uma edição da revista Autocar. Converse foi até a casa da Newman em Connecticut e mostrou a ele dois carros com motor V8 Ford para que ele tivesse uma ideia de onde estava se metendo.
Newman foi conquistado, e até comprou uma Volvo 960 zero-quilômetro para o projeto. O motor também seria um crate engine novinho em folha, sobrealimentado por um supercharger Kenne Bell. O apresentador David Letterman, famoso por comandar o talk show Late Night with David Letterman por 11 anos e amigo de Paul Newman, disse que ator estava tão empolgado com o negócio que chegou a telefonar só para perguntar se ele também queria uma. Em uma entrevista no Daily Show com Jon Stewart, Letterman deu detalhes de como rolou a história.
Paul Newman me ligou e disse, “Dave, estou pensando em comprar uma perua Volvo, e vou colocar um motor V8 Ford 302 nela. O motor é do tamanho de um piano pequeno, e por isso vamos ter que empurrar a parede corta-fogo para caber. Você quer uma?”
Segundo Letterman, Newman parecia tão animado que foi difícil recusar. Então, pouco tempo depois, o apresentador recebeu um telefonema de Newman, dizendo que os carros estavam quase prontos. Só faltava saber como seria o interior e se Letterman queria um supercharger em sua perua. Newman dizia que o motor chegaria mais ou menos 400 cv com o supercharger.
A perua de Newman era cinza, enquanto Letterman ficou com um carro na cor vinho metálico. Houve, ainda uma terceira encomenda: um carro azul, encomendado por um cara chamado Ian Warburg, conhecido de Newman.
Os três, apesar das cores distintas, eram exatamente iguais mecanicamente. No fim das contas, a potência dos carros ficou em 385 cv, com torque de 55,3 mkgf. A transmissão era manual de cinco marchas, original do Ford Mustang de quarta geração, e a tração era traseira. Os carros usavam a suspensão dianteira da Volvo 740, mais baixa e firme, e tinham rodas Borbet Type F, de cinco raios e 16 polegadas.
Não se sabe direito que fim levou a perua de Newman. Acredita-se que ele tenha ficado com ela até sua morte, em 2008. Um post de 2013 no site dá destaque a uma Volvo 960 cinza anunciada em 2013 no eBay. O anúncio já não existe mais, mas dizia que era a perua de Newman e pedia nada modestos US$ 95.000 por ela.
Consta que Paul Newman encomendou, ainda, outra perua Volvo com motor V8 – desta vez, vindo de um Chevrolet Corvette, o que rendeu ao carro o apelido de “Volvette”. No entanto, o carro só ficou pronto quando o ator já estava muito doente e sequer pôde sentar-se ao volante.