No primeiro post do meu Project Car, contei o quase vergonhoso processo de compra do carro, a primeira revisão e, de forma bem resumida, algumas experiências bacanas que vivi com o “Smurf”. Uma destas experiências chamou a atenção de alguns leitores e é sobre ela que irei falar um pouco nesta segunda parte do projeto.
Quando o dono do carro é um Nerd
Aproveitando uma, quase natural, sinapse entre nerdice e automobilismo, uma modificação que fiz no Smurf, foi adaptar um “PC Mini-ITX” no porta-luvas do carro. O objetivo na época, era utilizar um sistema multimídia, com acesso a internet, que fosse de baixo custo e totalmente home made.
Como o hardware era modesto, o uso de Linux era um requisito. Testei diversas distribuições (GeexBox, Xubuntu, etc) até encontrar a SliTaz. Uma distribuição minimalista que casou muito bem com a proposta.
O PC embarcado era conectado ao sistema de áudio do carro, composto por um kit duas vias nas portas, um kit triaxial 6×9 na tampa traseira e um sub woofer de 12” no porta malas. Tudo alimentado por dois amplificadores, um inversor 12V x 110V e uma bateria de 70Ah.
A gambiarra montagem foi bem-sucedida e rendeu muitas horas de diversão on-board. Mais detalhes estão disponíveis no jurássico do projeto.
O Segundo Ato
Em meados de 2010, o carro começou a apresentar problemas com perda de força em aclives e nas retomadas, ao ponto de me impedir levar um único carona, caso o trajeto incluísse subir uma ladeira. Considerando que Salvador tem mais ladeiras do que habitantes, estava em uma situação complicada.
A partir deste cenário aprendi a seguinte lição: “Oficina mecânica é terra onde filho chora e mãe não ouve”.
Resumindo o calvário que durou em mais de um ano, passou por três oficinas, esgotou meus recursos financeiros e me fez colocar o Smurf em “hibernação”:
Primeira oficina:
O neófito aqui era incapaz de entender o dialeto utilizado pelo mecânico (depois descobri que era eletricista) que atribuía os defeitos milagrosamente detectados no carro. Troquei bobina, cabos de vela, velas, atuador de marcha lenta e o carro continuava com o mesmo problema. Acredito que o diagnóstico tenha sido feito após uma jogada de búzios devolvidos por Iemanjá no mar do Rio Vermelho.
Bônus: Ao chegar em casa após buscar o carro, abro o capô e percebo que havia óleo espalhado em boa parte do cofre. A bobina fora “fixada” com dois parafusos e a tampa de válvulas estava com todos os parafusos folgados.
Segunda oficina:
Procurei uma oficina de grande porte e com referências(?). Primeira grande manutenção no carro. Troquei discos de freio, pastilhas, todas as buchas da suspensão, pivôs, terminais de direção, coifas, coxins, kit de embreagem e o pior, *recebi a galinha pulando. Ou seja, fui informado que o cabeçote deveria ser retificado! Neste momento, devido ao meu conhecimento zero em mecânica, associei a retífica a uma cirurgia para múltiplos transplantes de órgãos!
Nesta época o Smurf ainda era meu carro de uso diário, principalmente para o trabalho. Logo fiz um esforço e gastei o que podia (e não podia) para deixar o carro em dia.
Bônus: A oficina cobrou “míseros” R$ 1.200,00 na retífica do cabeçote e o trouxa aqui pagou.
Resultado, o carro saiu da oficina um pouco melhor, mas ainda com os sintomas descritos anteriormente, após muitas idas a oficina e inúmeros dias sem carro, desisti da mesma.
* Do Dicionário bainês: “Recebi a Galinha Pulando” – Problema ou situação inesperado de alto grau.
Terceira oficina:
Uma nova retífica, desta vez na parte de força do motor, problemas elétricos e com a ECU original, causaram um novo tombo nas finanças e mais uma vez o carro sai da oficina com o mesmo problema (já cogitava tocar fogo ou jogar o carro ladeira abaixo).
O carro continuava “manco” mas utilizável. Porém o desgosto gerado pelo desgaste e prejuízos foi inevitável.
Usei o carro até 2011. Em outubro do mesmo ano, comprei um Santana Mi 2.0 (graças a uma baita oportunidade dada por um grande amigo), já que meu filho estava a caminho, seria necessário um carro maior.
O 106 entrava em hibernação…
Ação e reação
Em paralelo a peregrinação entre uma oficina e outra, comecei a buscar informações técnicas sobre o carro e sobre os problemas que o mesmo apresentava. Já que a cada dia, aumentava a insatisfação com a péssima mão de obra que tive contato na época.
Citei a Terceira Lei de Newton porque a frustação acumulada, proporcionalmente virou motivação para começar a entender os “porques” da mecânica. Assim, entre um fórum e outro, descubro um em especial, o 106BR. Fórum brasileiro criado e mantido por proprietários de 106, muitos deles, como eu, novatos e sem nenhuma bagagem automotiva. Outros mais experientes e um grupo bem menor, formado por proprietários mais audaciosos que estavam em franco processo de preparação, arrisco a dizer, dos primeiros Peugeot 106 no país. Comecei a conhecer um pouco sobre mecânica, sobre o universo da preparação e a selar algumas novas e valorosas amizades que nutro até os dias atuais.
Entre inúmeros projetos ali e em outros fóruns publicados (como o rico 106 Owners), decido tirar o Smurf da hibernação.
Originalmente as versões do 106 segunda geração (S2) que vieram para o Brasil foram equipadas com o motor a gasolina, que rende 50cv. Pode parecer pouco, mas a cavalaria atende muito bem a proposta original do carro. Uso urbano e baixo consumo de combustível. Além disso o carro era anos luz a frente dos concorrentes nacionais da época em diversos aspectos.
Diante da baixa potência, decidi turbinar o motor e optei por uma montagem mais “conservadora”. Utilizar pouca pressão e atingir cerca de 100hp estimados.
Objetivo, orçamento e prazos definidos (como é bom viver no mundo da fantasia por algum tempo). Hora de começar!
O projeto “106 T” basicamente previa um kit turbo completo com turbina T2, injeção programável, upgrade nos freios, upgrade na suspensão e escapamento dimensionado.
Começando pela desmontagem de toda a mecânica. Enviei o motor para banho quimico, retífica e troca de tudo que fora necessário: Algumas válvulas, retentores, anéis, bomba d’água e óleo, etc.
Tudo ia bem até acontecer um fato lamentável. O mecânico esqueceu os pistões de molho em desengraxante por uns três dias. Resultado do esquecimento na foto a seguir:
Os pistões foram corroídos pelo desengraxante, ficando completamente inutilizados. Um novo jogo foi adquirido e a montagem prosseguiu.
Enquanto a parte mecânica era tocada na oficina, iniciei meus trabalhos DIY (faça você mesmo) em diversas peças do carro. Iniciei por uma limpeza no interior, bancos, carpete, forro, acabamentos laterais das portas, etc. Tudo foi devidamente higienizado.
Em seguida, desmontei o painel e substitui as lâmpadas (a maioria queimadas) por leds. Uma dica. Para remover o tom amarelado do painel, usei contonetes embebidos em um pouco de acetona para remover a resina que é aplicada atrás dos decalques do painel. MUITO cuidado pois o excesso de acetona pode causar danos nos decalques.
O antes:
E o depois:
Em seguida, hora de dar um “trato” nos acessórios do motor. Em linhas gerais o processo foi o mesmo para todas as peças: Limpeza, lixamento, descontaminação (desengraxante) e pintura. Utilizei diferentes tipos de tinta de acordo com o material a ser pintado. Alta temperatura para peças expostas ao calor, esmalte para peças em metal e tinta para plásticos.
Para resumir, segue um “antes e depois”.
Alternador e motor de arranque:
Talvez a peça mais “judiada”, o servofreio, precisou de boas horas de trabalho para ficar com um aspecto aceitável:
A velha central Bosch MA 3.1 mereceu uma revitalização. Como a etiqueta original estava em péssimo estado, mandai gravar uma placa em alúmínio com os mesmos dados:
Os coletores de admissão e escapamento também deram muito trabalho. Realizei um “banho químico” com soda cáustica, depois as peças foram lavadas, limpas com uma mini escova de aço, descontaminadas e finalmente pintadas com tinta de alta temperatura.
Dica: De acordo com as instruções da tinta, era necessário curar as peças em um forno durante 20 minutos. Usei um forno de um fogão para curar as mesmas (Não façam isso em casa!).
Após inúmeras horas de trabalho DIY, deixei todas as peças com o mecânico e, algumas semanas depois, hora de buscar o “Smurf” e advinhem, o carro continuava manco! Agora era questão de honra resolver essa $#$@!*
Noites e noites pesquisa e conversas com amigos e entusiastas. Eis que surge a provável origem do maldito problema com o carro. O TPS!
O TPS original do 106 1.0 utiliza um sistema analógico de leitura, basicamente um potenciômetro. O mesmo possui dois conjuntos formados por pequenas “garras” de leitura que informam a ECU o equivalente ao ângulo de abertura da mesma.
Observando na foto acima, é possível notar que alguma das garras de leitura estavam empenadas, sem contar a sujeira acumulada na peça. Com isso a leitura passada para a ECU estava errada e consecutivamente todas as correções eram feitas a partir de parâmetros distorcidos.
Solução, instalei um TPS eletrônico utilizado no Tipo 1.6e. Atualmente existe um TPS muito mais efetivo da marca DS. Outro problema detectado, o regulador de pressão estava com o diafragma furado. Desmontei o regulador e efetuei a troca do diafragma.
Por último, eliminei algumas entradas falsas de ar, troquei o reparo do bico, troquei as juntas da TBI, remontei tudo e o velho Smurf voltou a funcionar de forma aceitável!
Cenas dos Próximos Capítulos
Bem, após esta verdadeira novela, usava o 106 de forma eventual. Entre uma navegada e outra no 106BR, conheci o Bruno Guerreiro e seu Peugeot 106 Branco, na época apelidado de “Under Dog”
O Guerreiro se tornou uma espécie de mentor me ensinando muita coisa. Naturalmente seu projeto acabou virando referência para o meu. Em uma das incontáveis conversas, o Guerreiro me chama no chat e digita a seguinte frase “Achei um motor pra tú”.
Esta frase mudou completamente o rumo das coisas. No próximo post explicarei como.
Abraços.
Por Cristian Privat, Project Cars #339