Olá pessoal, primeiramente gostaria de agradecer aos mais de cem comentários feitos no primeiro post do PC da minha pick-up Street Rod Chevrolet Boca de Sapo 1950, batizada como “The Blue Thunder”. Já contei a minha história e a origem da paixão por carros, o desejo adiado de construir o roadster32, e a busca, compra e começo da reforma do chassis e suspensão da pick-up. Fiquei muito feliz com as dicas, sugestões e opiniões diferentes, é muito legal ver no FlatOut tanta gente diferente unida pela forte paixão pelo mundo automotivo, estamos juntos gearheads!
Hoje vou contar sobre uma das partes mais especiais deste projeto: a escolha, compra e receita completa da preparação do novo motor V8. Alguns amigos mais puristas torceram o nariz quando contei que trocaria o motor, porque ele estava funcionando bem e poderia ser reformado, mas como foi projetado com o único propósito de transportar cargas, tem muito torque mas é lento, e definitivamente isso não tem nada a ver comigo. Então, vamos em frente!
Essa pick-up “The Blue Thunder ” que quero manter por toda a vida tem que refletir a minha personalidade, e nada melhor do que um V8 com estilo e potência! O seu uso será casual, nada de deixar guardada, vou botar para rodar mesmo, em passeios nos finais de semana com a família ou viagens para participar dos encontros na região, portanto outro requisito é que seja muito confiável e segura.
A busca pelo motor ideal foi longa, pois tinha como objetivo comprar um Chevrolet V8 350 (5.733 cm³ ou apenas 5.7 litros) small-block, com potência aproximada de 350cv. Este motor foi a minha prioridade por ter o melhor custo x benefício, grande versatilidade, excelente performance, e facilidade de encontrar peças de reposição. Poderia ser um V8 350 usado, em bom estado, que pudéssemos retificar e prepará-lo visando melhorar a sua performance.
Como citei no post anterior, uma dica importante é sempre contar com a ajuda de um profissional especializado, e escolhi o Luciano Miozzo, da oficina Garage34, na Moóca, São Paulo, especializada em motores V8. Ele me apresentou algumas opções já preparadas e no estoque, mas com potência bem maior do que eu precisaria. Para atender às minhas necessidades, combinamos que buscaríamos um outro motor no mercado e que faria a preparação customizada para o projeto.
Mudanças nos motores devido à crise petrolífera e o avanço tecnológico como solução
Nos anos 70 a crise petrolífera e a era Smog poderiam ter matado o small block da Chevy, mas não foi o caso. Os engenheiros da Chevrolet tiveram a tarefa hercúlea de conseguir com que o motor 350 de 5,7L, o LT1, fosse capaz de cumprir as normas ambientais e ao mesmo tempo ter um apetite mais comedido. Ainda assim os seus 360cv brilhavam. No entanto, com a morte dos muscle cars, o puro músculo americano conheceria uma década negra de potências, materializada no L-82. Este small block 350 já debitava apenas 200cv, fazendo o Corvette parecer um carro mais ou menos rápido.
Os tempos mudaram e a engenharia evoluiu, é então que entra em cena o Small Block 350 L-98, e a injeção eletrônica permitiria recuperar alguma performance que o Corvette e o Camaro tinham perdido durante a era Smog. A potência não era brilhante, o ganho ficou entre 15 a 50cv, mas era mais do que suficiente para o Corvette ultrapassar timidamente os 240km/h em 1985.
Paralelamente aos small block de fábrica, a divisão da GM Performance sempre ofereceu soluções para os vários projetos que um GM Fan precisasse. O ZZ4, sendo o 4º de uma geração de small block 350 de alta performance, culminaria o “State of Art” em 1996 no que respeita a esta cilindrada mítica de 5,7L para a Chevrolet.
A linhagem de small blocks da Chevrolet, da geração LS, começa em 1997. Provavelmente já ouviste falar deles quer seja pela performance de que são capazes, preço acessível ou a facilidade com que se conseguem fazer swaps dadas as suas dimensões extremamente compactas. Desde o simbólico LS1/LS6 de 5,7L até ao gigante LS7 de 7L, os blocos LS, marcaram para sempre uma geração que ansiava por potência, fiabilidade e consumos moderados, por um custo menor em relação à concorrência.
Voltando à busca pelo motor V8 ideal para o meu projeto
A busca começou do meio tradicional: pedindo indicações aos amigos, visitando outras oficinas, eventos e sites de classificados… fiz dezenas de contatos por telefone, e visitei com o Luciano algumas oficinas e garagens, sem sucesso. Nesta jornada, achamos algumas boas opções mas com preço muito alto (o V8 350 está valorizado), e outras nem tanto, nada que realmente valesse à pena (sou mineiro, uai!, e dou muito valor ao meu dinheiro). A avaliação dele foi muito importante para evitar algumas ciladas, que pelo meu conhecimento (ou falta dele) não saberia identificar, por exemplo, motores marítimos, usados em arrancadas ou até mesmo montados com peças usadas, onde foi feito apenas uma “meia sola no motor”, sem trocar pistões, apenas anéis, bronzinas, juntas, etc.
Outra coisa que não sabia, e serve de alerta aos demais leitores, é que vários vendedores anunciam o seu motor como um V8 350, pois são mais valorizados e os leigos não sabem identificá-lo, mas que na verdade são outros modelos similares (283, 292, 305, 327, etc).
Como não cair nestas ciladas?
1- Se você sabe avaliar o real estado do motor, recomendo fortemente que nunca se esqueça de confirmar o modelo gravado no bloco. Existem vários sites, e no meu caso consultei o número .
2- Se você é como eu, que tem apenas noções básicas de mecânica, contrate o serviço profissional de um bom mecânico especializado em V8s! Você verá nest post que foi um bom investimento, com a segurança de comprar o produto certo, evitei muita dor de cabeça, e consegui economizar uma boa grana com acessórios.
Após pesquisar muito, encontrei mais um anúncio de um V8 350, finalmente o vendedor pedia um preço justo, garantiu que funcionava mas estava parado há 6 meses, e mais uma vez fomos avaliá-lo. Após quase duas horas no trânsito congestionado de SP cruzamos a cidade e chegamos em uma oficina de pintura na grande SP, e desta vez a impressão inicial foi muito boa: motor injetado e completo, com todos os periféricos. Não conseguimos fazê-lo funcionar no local, pois estava travado (ops! primeira decepção…) e a oficina não tinha os equipamentos necessários para abri-lo. O vendedor não estava no local, e liguei para ele confirmando o interesse, porém deixei claro que só fecharia o negócio após uma avaliação completa pelo meu mecânico, e como ela não poderia ser feita no local ele me autorizou a levar o motor para a oficina. Esse cuidado foi decisivo na negociação, como vocês poderão ver abaixo.
Iniciando a “autópsia” e o diagnóstico completo do motor
Primeiramente, o Luciano pesquisou o modelo gravado no bloco, e a constatação me surpreendeu: não se tratava do V8 350 (modelo anunciado), na verdade era um Chevrolet V8 305 TBI que equipou os Camaros entre 1987 e 1991. Externamente, é idêntico ao 350, porém com capacidade cúbica reduzida para 5.0 litros, possui uma cavalaria média de 200 hp (original). Fiquei “p… da vida”, pois me senti enganado, e já estava decidido a desistir do negócio quando o Luciano me sugeriu que deveríamos continuar a avaliação devido ao seu potencial, pois se a sua estrutura geral estivesse boa poderia ser trabalhado para ficar bem mais esperto.
Para que possam conhecer todos os detalhes, compartilharei o relatório completo apresentado pela oficina:
Antes de ser desmontado, o motor passou por uma limpeza externa, os parafusos estavam cobertos por areia e terra.
Após a limpeza, iniciamos a desmontagem e percebemos que não havia óleo dentro do cárter, pois este tinha um corte por onde deve ter vazado todo o líquido lubrificante. A ausência do filtro de óleo também atesta isso.
Chegando aos cabeçotes, ao tirar a tampa de válvulas, nos deparamos com uma enorme quantidade de borra de óleo misturada com algo que parecia ser terra. Tivemos que raspar bastante para poder enxergar os parafusos dos cabeçotes que seriam removidos mais adiante.
Para remover o distribuidor também foi difícil, pois, mais uma vez, muita borra de óleo impedia que a peça saísse. Após remover o coletor de admissão, mais sujeira no interior do motor…
A sujeira foi amolecida com solventes e, quando tínhamos uma boa quantia solta, dávamos um giro no motor para que caísse no chão.
Somente quando conseguimos enxergar os parafusos dos cabeçotes, as peças foram removidas. Alguns cilindros possuíam água em seu interior, pois estavam sem as velas de ignição e parece que ficaram expostos no tempo.
Partindo para a parte inferior do motor, retiramos o cárter e, para surpresa nossa, não havia muita sujeira no local. Uma boa hipótese é que talvez o motor tenha ficado de cabeça para baixo por algum tempo, fazendo com que o óleo acumulasse nas tampas de válvulas.
Tivemos que limpar e lixar as camisas dos cilindros com infiltração para verificar os danos.
Após essas cenas fortes, que realmente me impressionaram, o parecer final foi bem positivo. O motor nunca foi retificado: pistões, bronzinas de biela e bronzinas de mancal originais GM, com medidas Standard. É uma ótima matriz do V8 305 para ser retificada, com a troca dos componentes internos ficará um motor praticamente zero.
Informações complementares:
– A tampa de válvulas estava bastante amassada e deverá ser substituída.
– O cárter e adaptador do filtro de óleo deverão ser substituídos.
– Os cilindros têm rebarba na parte superior, os pistões deverão ser trocados.
– Nos cilindros onde houve infiltração, pequenas manchas de corrosão permanecem após a limpeza, mas deverão desaparecer quando o cilindro for retificado para acomodar os novos pistões sob medida.
– Número do motor não estava registrado no Detran, portanto estava livre para uso em outro veículo.
Como o motor era standard, teria um bom potencial de desenvolvimento, e ainda estava com todos os periféricos. Portanto, eu continuava interessado, e usei cada um dos problemas para barganhar na negociação.
Transformando os problemas em oportunidade para fechar um bom negócio
Liguei para o vendedor e pedi que ele olhasse na hora todas as fotos da autópsia. Liguei em seguida e fui bem direto, expliquei cada uma das informações contraditórias que ele havia me dado, todas as surpresas negativas relatadas pelo mecânico, o mal estado de conservação e o impacto no alto custo da reforma que deveria ser feita, e ainda o forte impacto psicológico da minha percepção de que ele havia tentado me enganar.
Ele jurou que não sabia (impossível saber se era verdade ou não), que estava tão surpreso quanto eu, e que entenderia os motivos caso eu quisesse devolvê-lo porém estava disposto a me dar um bom desconto para ficar com ele.
Após muita negociação, fechei a compra por um valor realmente baixo para compensar todo o investimento que será feito e por outro lado o vendedor também ficou livre dessa “bagaceira”, ou seja, foi um bom negócio para ambos!
Motor comprado, agora é hora de colocar as mãos na graxa para iniciar a reforma e preparação
Começamos desmontando completamente o motor, seu bloco foi enviado para retífica completa na Retificadora de Motores Dutra, em São Paulo.
Os periféricos, parafusos e outras partes foram enviados para cromeação na Niquelação e Cromeação Schnyder, tradicional empresa de SP, fundada em 1954. Todos os itens foram catalogados e organizados individualmente para facilitar a montagem após o serviço.
Para a sua preparação, pedi duas receitas ao Luciano: a primeira, mais simples, com cerca de 230 cv. Como a diferença era relativamente pequena (uns 150 dólares), resolvi logo meter o pé na jaca e optar pela segunda receita, mais apimentada, que gerará uns 340 cv com os cabeçotes trabalhados.
Principais componentes da minha receita:
– COMP Cams Xtreme Energy Cam and Lifter Kits K12-238-2
– Speed-Pro Hypereutectic Pistons H534CP40
– Scat Stock Replacement I-Beam Connecting Rods 3-ICR5700P
– Sealed Power Performance Piston Ring Sets E-356K40
– Summit Racing® Race Valves for Chevrolet SUM-V8000-8
– Cloyes Heavy-Duty Timing Sets C-3023
– Melling High-Volume Oil Pumps M55HV
– Melling Heavy-Duty Intermediate Driveshafts IS-55E
– Summit Racing® Tri-Metal Main Bearings SUM-172010CL
– Dorman Harmonic Balancers 594-012
– Summit Racing® Harmonic Balancer Bolt Kits SUM-G1677
– Summit Racing® SFI-Approved Flexplates SUM-G100SFI
– Dura-Bond High Performance Cam Bearings CHP-8
– Summit Racing® Stock Replacement Oil Pans SUM-G3530
– Crower Solid Lifters 66915-16
– Fel-Pro Gasket Kit Sets KS2656
– Summit Racing® Oil Filter Adapters SES-3-60-08-900
– Summit Racing® Ready-to-Run Billet Distributors SUM-850205
– Tuff Stuff Gear Reduction Starters 6584B
– Spectre Performance Engine Oil Dipsticks and Tubes 57283
Para dar um toque especial no acabamento do motor resolvi investir em uma tampa de válvulas bem legal, amor à primeira vista: Billet Specialties Die-Cast Aluminum Valve Covers 95727. Veja os detalhes gravados com as bandeirinhas do Corvette:
Comprei todos os itens na Summit Racing, a mais completa loja de autopeças dos USA, e em menos de uma semana todo o pedido foi entregue no hotel em Miami. Serviço impecável da Summit, como sempre! Após uma ótima semana de férias com a família (ótimo pretexto), distribuí todos os itens na bagagem, tomando o cuidado para não exceder o peso máximo permitido pela cia aérea em cada mala, e voltamos ao Brasil.
Antes de iniciar a montagem e preparação do motor, busquei todas as peças na Schneyder Cromeação, excelente atendimento e entrega no prazo, gostei muito do resultado!
Para completar o novo conjunto mecânico comprei, na Garage34, uma transmissão automática 700R4 totalmente revisada, excelente opção devido às 4 marchas com overdrive, conversor de torque e shift improver kit.
Em seguida, pegamos o bloco do motor retificado e a transmissão automática para aplicação de um fundo wash primer para proteção do equipamento e preparação para a pintura.
A cor escolhida para pintura foi o vermelho rosso, com acabamento fosco, e gostei muito do resultado.
Após a pintura, iniciamos todo o cuidadoso processo de montagem dos componentes internos, kit de polias e todos os demais periféricos e peças cromadas, trabalho com alto nível de qualidade garantindo um acabamento de primeira.
Finalmente o motor ficou pronto, felizmente superou todas as minhas expectativas, e terá muito destaque no cofre do motor da pick-up!
O conjunto mecânico está praticamente pronto para montagem final, e aguardamos a conclusão da funilaria para a instalação da injeção eletrônica, parte elétrica e escape dimensionado. Não vejo a hora de ouvir o primeiro ronco do motor e compartilhá-lo aqui com vocês!
Se você gostou do texto ou tem alguma dúvida, crítica ou sugestão não se esqueça de postar seu comentário, ficarei muito feliz com o seu feedback.
No próximo post vocês acompanharão a desmontagem completa da pick-up, funilaria, instalação das novas partes (caçamba, paralamas e estribos customizados) e pintura.
Um abraço e até o próximo post!
Por Otacílio Santos, Project Cars #346