Nesta última quarta-feira (27) o mundo perdeu Hugh Hefner, criador e “publisher” da revista masculina mais famosa do planeta, a Playboy. Hefner tinha 91 anos, ainda ocupava o cargo de editor-chefe da publicação até poucos meses atrás e morreu de causas naturais em sua Playboy Mansion, cercado por seus filhos e familiares.
Embora tenha se tornado o arquétipo do pornógrafo, a intenção de Hefner ao criar a Playboy era exaltar os grandes prazeres masculinos e, embora as belas mulheres sejam boa parte disso, os interesses vão além delas. Por isso, Hefner criou uma linha editorial que elevou a qualidade das revistas masculinas a um nível jamais visto, misturando os ensaios sensuais a crônicas e novelas (escritas por caras como Kurt Vonnegut, Ian Fleming, Vladimir Nabokov e Ray Bradbury), charges, entrevistas e jornalismo comportamental, além de, claro, brinquedos de homens como carros, motos, barcos, armas e gadgets.
No caminho, Hefner acabou patrocinando a liberação sexual e até ajudou a derrubar algumas barreiras sociais — seu Playboy Club nunca teve segregação racial para membros e para coelhinhas, e já estampava as páginas da revista com playmates negras em 1965, quando as tensões raciais nos EUA estavam começando a ficar quentes de verdade.
A história de Hefner como playboy começou em 1941, quando ele tinha 16 e levou um fora de uma garota por quem estava interessado. A partir dali, Hefner percebeu que para se dar bem com as garotas ele precisaria mudar seu visual e seu comportamento. Fez um upgrade no seu guarda-roupas e passou a desenvolver um gosto mais refinado.
Seu primeiro contato com a arte da escrita veio durante a Segunda Guerra Mundial, quando Hefner serviu o Exército como redator em um dos jornais militares da época. Em 1946, aos 20 anos, deixou a vida militar e ingresso na Universidade de Illinois, onde formou-se em artes com especialização em psicologia e criação literária. Sua formação lhe rendeu um cargo de redator na famosa revista Esquire, onde ficou até janeiro de 1952. Ele pediu demissão depois de ter um aumento de US$ 5 (US$ 45 em valores de hoje) negado por seus chefes.
No ano seguinte, ele conseguiu um empréstimo de US$ 600 no banco e levantou outros US$ 8.000 com 45 investidores, incluindo sua mãe e seu irmão mais novo. Com os US$ 8.600 (equivalentes a US$ 80.000 em 2017) ele começou a trabalhar em sua própria revista, que inicialmente se chamaria Stag Party.
O problema é que Stag já era o nome de outra publicação, uma revista de aventuras para o público masculino, e seu editor ameaçou processar Hefner por infração de propriedade intelectual. Assim ele passou a procurar outro nome para sua revista, e foi quando seu amigo e parceiro comercial Eldon Sellers sugeriu batizá-la com o nome da fabricante de automóveis falida na qual trabalhara nos anos 1940: Playboy.
A Playboy foi uma fabricante de Nova York que teve vida curta: fundada em 1947, ela produziu apenas 97 carros antes de falir, em 1951. Seu único modelo foi um conversível de três lugares equipado com um motor quatro-cilindros de 40 cv, que mal chegava aos 120 km/h. Ao menos o carrinho era barato: custava apenas US$ 985 (o equivalente a menos de US$ 11.000 em 2017). O problema é que a empresa não tinha muitos recursos para investimentos e, assim, sucumbiu diante das gigantes de Detroit.
A origem do nome Playboy, contudo, é um pouco mais antiga, e não tem muito a ver com carros: a expressão foi criada no século 18 para designar os atores de teatro, mas com o tempo passou a identificar “uma pessoa com dinheiro a fim de se divertir”, segundo a edição de 1828 do Dicionário Oxford. Foi com este sentido que o nome Playboy se popularizou nos anos 1920, quando a Europa viu o surgimento de uma classe de jovens adultos bem-nascidos e querendo apenas curtir os prazeres da vida mundo afora.
Na época o planeta finalmente estava em paz depois de uma série de conflitos e tensões que culminaram na Primeira Guerra Mundial, e as viagens internacionais foram facilitadas e aceleradas pelo surgimento da aviação comercial. Assim, os jovens que passavam a vida curtindo carros, garotas, bebidas, tabaco, jogos, praias, alta cultura e viagens — tudo bancado pela fortuna familiar — passaram a ser conhecidos como playboys. A expressão não tinha uma conotação negativa como adquiriu no Brasil: um playboy era apenas um homem jovem, culto e hedonista.
E foi inspirado nesse estilo de vida que Hefner construiu seu império e sua própria vida. Viveu cercado de mulheres bonitas, teve filhos, mansões, clubes e, claro, dirigiu grandes carros.
Sua garagem começou a ficar interessante ainda nos anos 1950, quando ele comprou seu primeiro carro de verdade, um Cadillac Series 62 conversível, 1955. Era o mesmo carro de Elvis Presley (que também teve alguns carros interessantes), e era equipado com lavador automático do para-brisa, direção hidráulica, vidros elétricos, faróis adaptativos e um V8 de 6 litros e 350 cv.
Seu próximo carro foi nada menos que um Mercedes-Benz 300SL, porém o roadster, e não a versão asa-de-gaivota, que já não era mais produzida naquele 1959. Hefner contou à CNN que comprou o carro depois de abrir seu primeiro Playboy Club, que foi quando começou a ganhar dinheiro de verdade e “saiu de trás da mesa e começou a viver a vida”. Ele então começou a pensar em algo que fosse divertido e que lhe rendesse publicidade e decidiu comprar um Mercedes conversível e andar por aí fumando um cachimbo — que se tornou uma de suas marcas registradas.
Nos anos 1960 Hefner arrematou mais dois carros: um Mercedes-Benz 600 Pullman de seis portas (com o lendário motor M100 V8 de 6,3 litros) e um Maserati Ghibli de primeira geração. O Mercedes é um modelo 1969, preto com o interior vermelho, equipado com cooler para champanhe, cortinas nas janelas traseiras, teto solar traseiro, bancos traseiros reclináveis (imagino para que…), um intercomunicador com a cabine e uma divisória de vidro para isolar o compartimento traseiro.
Já sobre o Maserati há poucas informações. Tudo o que se sabe é que o modelo era vermelho e produzido no fim dos anos 1960, quando o Ghibli era equipado com um V8 de 4,7 litros e 310 cv na versão básica, e uma variação de 4,9 litros e 335 cv na versão SS.
Em 1971 Hefner comprou mais um Mercedes-Benz 600 Pullman, desta vez uma limousine de quatro portas preta com bancos de couro preto, equipada com os mesmos opcionais do seu modelo 1969.
No ano seguinte foi a vez de Hefner comprar algo mais pessoal: um BMW 3.0 CS 1972. O modelo era pintado com o prata “Polaris Neu” da BMW e equipado com o mítico M30 seis-em-linha, com carburação dupla e 180 cv. O carro foi vendido recentemente por apenas US$ 14.000 — barato até mesmo para um BMW CS comum.
O que veio depois do BMW é algo que ficou em segundo plano, e é realmente difícil encontrar informações concretas sobre a garagem de Hefner. O que sabemos é que o BMW e os dois Mercedes Pullman foram vendidos por terceiros há alguns anos, já nesta década, e que o 300SL foi mantido na Playboy Mansion até os anos 1990, pelo menos.
Mas Hefner também esteve envolvido com carros de uma outra forma, um pouco menos pessoal: desde 1964 a Playmate do Ano ganhava, além de fama e dinheiro, um carro. A galeria completa desde 1964 é esta aqui:
Agora, com a morte de Hefner, quem assume o comando da Playboy será seu filho Cooper Hefner, de 26 anos, que era o mais ligado ao pai — especialmente por seu apreço ao lifestyle playboy. Sua garagem, contudo, tem apenas um Porsche Boxster e um Porsche Cayman. Será só o começo ou um desapego típico dos millenials?